"Quando mulheres se apoiam, coisas incríveis acontecem." A frase, estampada na camiseta de cinco amigas, dava o tom do encontro marcado no Hospital Universitário de Brasília (HUB). Mesmo diante do desafio que as uniu, Gislaine, Iraci, Jannety, Juciléia e Nádia eram só sorrisos e emoção. O grupo, que esbanjava empoderamento nas poses para fotos, tem nome. Guerreiras de Rosa. Ali, todas enfrentaram ou enfrentam o câncer de mama e, juntas, movimentam a rede de apoio, cuja quantidade de participantes chega a 90. Esta é a quarta reportagem da série Amor além do cuidado, que conta histórias — de amor, amizade e compaixão — traçadas nos hospitais do Distrital Federal.
Quem deu o pontapé na criação do Guerreiras de Rosa foi a psicóloga do HUB Juciléia Rezende, 49 anos, que enxergou, em 2010, a necessidade de promover ações de psicoeducação com mulheres diagnosticadas com câncer de mama. "A ideia era trabalhar os recursos emocionais para lidar com a doença. De início, era um grupo fechado: começava, terminava e iniciava outro ciclo. Mas ele foi se fortalecendo, porque gerava vínculos. As pessoas se conectavam e queriam continuar. Então, a frequência dos encontros aumentou", conta.
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O grupo passou a se unir em vários eventos, como exposições, piqueniques no Parque da Cidade e sessões de fotos. "Todas aqui passaram pela fase 'sem cabelo'. A gente brinca dizendo que 'uma mão segura a outra' e que a história de uma mulher ajuda nas vivências de quem está chegando", diz a psicóloga. Mesmo com pausas pontuais, a mobilização nunca parou, tanto que, nos últimos encontros mensais, as participantes têm se dedicado à capacitação psicossocial.
"Estou ensinando a identificar sinais de risco, comportamentos que indicam que alguém precisa de ajuda e, também, a fortalecer seus próprios mecanismos de defesa. Nos encontros presenciais, costumamos ter em torno de 16 a 20 mulheres, que chamamos de 'núcleo duro'. Mas esse grupo muda, porque muitas não estão mais conosco. Algumas cadeiras ficam vazias fisicamente, mas seguem ocupadas na memória e na força que elas deixaram", completa Juciléia Rezende, atualmente chefe do Setor de Gestão da Pesquisa e Inovação Tecnológica em Saúde do HUB.
Vontade de viver
Receber o diagnóstico de câncer de mama foi, para Jannety Rodrigues, 53, paralisante. "Vivi, de 2015 a 2016, em negação", recorda a professora aposentada. Tudo mudou quando ela recebeu uma ligação do hospital, convidando-a para um ensaio fotográfico com pacientes, em alusão ao Outubro Rosa. "Aquele dia foi um divisor de águas. Eu estava na minha bolha, sem contato com ninguém e, de repente, me senti tão amada, acolhida e cuidada. Tinham pessoas fazendo maquiagem, arrumando meu cabelo, servindo lanche, conversando. Foi um cuidado que eu não sei se já tinha recebido na vida", declara, emocionada.
O encontro transformador a fez querer segurar a mão de outras mulheres também. "Queria acolher, cuidar e estar presente para que passassem pelo que passei. O grupo me trouxe vontade de viver", diz Jannety. Foi no Guerreiras de Rosa que a moradora de Sobradinho também recebeu apoio para lidar com problemas familiares. "O grupo é amor, força e fé", acrescenta. Constatação compartilhada por Gislaine dos Santos, 64, cujo diagnóstico se deu em 2016.
Diante do acolhimento recebido pelas amigas, a aposentada garantiu que "câncer, para mim, não foi sentença de morte. Mas o preconceito pesou. Tive uma amiga de fora do hospital que, quando contei do diagnóstico, nunca mais apareceu. Ela acreditava que câncer era transmissível, penso eu", conta a aposentada, em tom de ironia. Os momentos de união, porém, sempre prevaleceram. Quando decidiu raspar o cabelo, colegas que conhecia havia pouco tempo fizeram o mesmo, em solidariedade.
"Hoje, meu cabelo está enorme. E quando vejo uma mulher carequinha, seguro na mão dela e digo: 'vai passar'. Passou comigo", diz, com a voz embargada, enquanto mostra as longas madeixas castanhas. A doença, segundo Gislaine, a transformou também por dentro, dando-lhe mais paciência para ouvir e acolher. "Sofro quando perdemos alguém do grupo. Mas, mesmo com a dor, sigo acreditando. Se fico triste, visto algo rosa, pois isso me lembra o quanto já venci. Não é promessa, é reconhecimento. Vir ao hospital de rosa mostra a quem está na quimioterapia que há esperança", destaca.
"Somos uma corrente"
A técnica de enfermagem do HUB Iraci Costa, 53, suspeitou da doença ao fazer o autoexame em casa. Após passar por dois mastologistas, veio a confirmação em 2017. "Mesmo sendo da área da saúde, aquele foi o único momento em que chorei. Eu já tinha cuidado de tantos pacientes, mas nunca imaginei que aconteceria comigo", relata. Confiante no tratamento, passou por cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Esta última, a parte mais difícil. "A gente sente o corpo enfraquecer e perde forças até para levantar da cama. Mas aprendi a enxergar aquelas sessões como 'gotinhas de cura'".
No Guerreiras de Rosa, a técnica de enfermagem aprendeu a ser cuidada. "Fui ajudada a atravessar essa luta com leveza. Quando terminei o tratamento, deixei o cabelo crescer até a cintura para doar. Foi libertador", recorda. É também por meio do grupo que as amigas trocam informações sobre medicamentos, exames e efeitos colaterais. "Quando alguém se afasta, logo ligamos para saber o que está acontecendo. Somos uma corrente", declara Iraci.
Diferentemente das outras participantes, a aposentada Nádia Tavares, 59, chegou ao HUB no seu segundo câncer de mama, em 2016. "Quando o diagnóstico veio, chamei minhas filhas para contar, e a reação foi o que toda mãe imagina: muito choro. Mas eu sempre brinco que a gente tem direito a cinco minutos de fama para chorar. Depois, é preciso reagir", compartilha na roda de conversa. Quando o cabelo caiu, ela dispensou a peruca e o lenço. "Foi o período em que me achei mais bonita. Percebi que o cabelo era só um detalhe e ainda economizei em salão, tintura e chapinha", conta, aos risos.
Para Nádia, o Guerreiras de Rosa é bem mais que um grupo de acolhimento. Lá, ela fez amizades que a estimularam a mudar de endereço. "Nos aproximamos tanto que decidi me mudar para o mesmo bairro dela", diz, referindo-se a uma grande amiga. "Pouco tempo depois, ela adoeceu e faleceu. Morei dois anos no mesmo prédio, até conseguir superar e me mudar. Esses vínculos são muito fortes. A gente perde amigas, e dói como perder alguém da família", compara. A aposentada repete o coro em homenagem à Juciléia, o elo do grupo. A psicóloga também foi abraçada ao receber um diagnóstico de câncer de tireoide durante a pandemia.
"Quando descobri a doença, me afastei do Guerreiras, porque pensei que, se eu não estivesse bem, não poderia ajudar. Mas me enganei", diz Juciléia. Com o isolamento, a psicóloga foi procurada pelas colegas do grupo, que se preocuparam com seu sumiço. "Voltei aos pouquinhos. Percebi que não precisava estar apenas como a profissional. Eu poderia ser ajudada também. E isso me transformou. Quando a gente vê as pessoas enfrentando os seus maiores monstros, é impossível não aprender. Guerreiras de Rosa é empatia, compaixão e companheirismo", resume Juciléia.
