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Pets transformam aprendizado de crianças de escolas públicas do DF

Projetos em escolas do DF mostram que o contato entre animais e crianças é benéfico para toda a comunidade. No Gama e na Vila Planalto, estudantes são privilegiados pela presença dos mascotes

Quem entra na direção da Escola Classe (EC) 10 do Gama é recepcionado por Raul. Apesar da aparência séria e da quietude, ele deixa escapar certa doçura; cumpre seu papel, segundo os demais funcionários do espaço, com maestria. Os alunos, sempre que o encontram em algum corredor, fazem questão de cumprimentá-lo e, em momentos de maiores necessidades, ele presta seu apoio. É acolhedor. Raul, veja só, é o felino adotado pela comunidade escolar do bairro há um ano. 

"Na verdade, foi ele quem nos adotou. Chegou, ficou e virou nosso xodó", corrige a diretora da EC 10, Edna Monteiro. O gato, cuidado inicialmente por um vigilante da escola, conquistou o coração de todos. Foi vacinado, vermifugado, castrado e, conforme evidencia seu tamanho, é bem alimentado. "No início, fiquei preocupada com uma possível rejeição da comunidade. Algumas mães até nos procuraram, com receio de que Raul acabasse arranhando as crianças durante alguma brincadeira. Mas ele é muito dócil e adora receber carinho", comenta. Hoje, quando eventualmente sai para passear, até os pais questionam a ausência do felino.

Dos 380 alunos matriculados na escola, 54 são neurodivergentes. Para eles, a presença do gato é ainda mais significativa. "Alguns (estudantes), quando estão em momentos de crise, se acalmam somente após fazer carinho em Raul. Parece mágica", pontua Edna. Foi o caso da pequena Ana Liz Veloso, 6 anos. "Ela chegou aqui extremamente agitada. Então, sentamos juntas e Raul deitou ao lado dela. Passamos a mão por sua pelagem e, em questão de minutos, ela se acalmou", relata a diretora.

Ana Liz, criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA), confidencia à reportagem se sentir melhor após a "sessão de terapia" com o felino. "Na minha casa tenho 15 gatos e dois coelhos. Estou acostumada", conta brevemente, com a expressão mais serena. Comprovados em diferentes pesquisas científicas, os benefícios da relação de afeto entre pets e crianças incluem o favorecimento da interação social, a responsabilidade afetiva, a regulação emocional e o bem-estar em família. "Pensando nesse impacto positivo, decidimos, então, adotar a Milla", diz Edna.

Ed Alves CB/DA Press - Raul acompanha a diretora Edna Monteiro nos trabalhos diários na escola

"Aluna" sapeca

A 'vira-latinha' foi adotada pela EC 10 do Gama com três meses de idade. Anteriormente, ela fora resgatada das ruas e cuidada pelo Espaço de Acolhimento Temporário do Castra DF, administrado pela Secretaria Extraordinária de Proteção Animal (Sepan). "Foi amor à primeira vista", descreve Edna. Querida também pela comunidade, Milla ganhou um cercado de madeira caprichado feito por um dos pais das crianças. Na escola, ela tem um cantinho reservado para seus momentos de descanso. 

"Costumo dizer que ela é a aluna mais sapeca da escola", conta a diretora, aos risos. "Ela entra nas salas, dá uma volta, 'diz um oi' e sai, tranquila", completa. Assim que foi adotada, a cachorrinha foi apresentada a todos os estudantes, de turma em turma. "Alinhei com os professores para que essa novidade não atrapalhasse o momento de estudo das crianças e tem sido tranquilo. Mesmo assim, as brincadeiras ocorrem majoritariamente no recreio". 

Milla é parte da escola, uma companhia diferente e, das amigas, a mais animada. "No recreio, é ela quem corre atrás da gente, é cheia de energia e muito carinhosa", comenta a aluna Alice Mendes, 10. "Agora, ela (Milla) tem brincado com os alunos de outras turmas. Não tem me dado tanta atenção. Acho que está entrando na adolescência", supõe Lara Vitória Oliveira, 10. Com a presença da mascote, as crianças têm aprendido sobre responsabilidade e proteção. A conscientização é expandida aos pais, em casa. Na escola, todos os servidores cuidam como podem, ajudando na limpeza, alimentação e higiene. "Uma das professoras é costureira e começou a fazer vestidos para a Milla, acredita?", revela Edna. 

Por ser uma escola pública, a diretora explica que os estudantes acabam não tendo acesso a tantos recursos de entretenimento. "Não temos uma quadra nem uma mesa de ping-pong. Então, as crianças estavam carentes disso. Com a companhia da Milla, se divertem correndo, brincando de esconde-esconde. Às vezes, fazem uma rodinha e ficam fazendo carinho nela (Milla)", descreve. Agora, nas férias escolares, a equipe se dividirá para cuidar da cachorrinha. 

Material cedido ao Correio -
Material cedido ao Correio -
Material cedido ao Correio -
Material cedido ao Correio -
Arquivo pessoal -
Ed Alves/CB/D.A Press -
Ed Alves CB/DA Press -

Promoção de bem-estar

No Centro de Ensino Fundamental (CEF) 1 do Planalto, na Vila Planalto, 16 estudantes com TEA e uma com deficiência múltipla foram atendidos pelo Instituto Brasiliense de Intervenção Assistida por Animais (IBIAA), cujo projeto visa trabalhar a coordenação motora com atividades dinâmicas, a regulação emocional com exercícios de relaxamento e leitura sobre emoções, a construção de relacionamentos interpessoais, a criatividade, a responsabilidade com a criação de regras de interação adequada com os cães e as habilidades fonológicas, com o incentivo para as crianças chamem e conversem com os cães. 

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O impacto das atividades com os cães Tuco, Magali, Cissa e Milo têm sido positivo desde o início. "Apenas a presença dos cães já ajuda a diminuir o nível de cortisol nos alunos, reduzindo a ansiedade e o estresse. Crianças que normalmente se sentem mais isoladas recebem o carinho do cachorro sem nenhum julgamento, aumentando a sensação de segurança e de inclusão. Vimos alunos que, nas primeiras visitas, estavam mais reservados e, no final do semestre, corriam para abraçar o cachorro e participar das dinâmicas", explica Melissa Stewart, professora, psicopedagoga e presidente do IBIAA.

As visitas ocorriam a cada duas semanas e duravam, em média, 45 minutos. Uma das atividades desempenhadas, por exemplo, visa ensinar quais são os sinais de estresse nos cães. Com isso, além de os alunos aprenderam sobre autorregulação emocional, também desenvolvem a empatia, a cooperação e o respeito aos limites do outro. "Isso aumenta a autoestima e a autoconfiança. Eles (os cães) são uma ponte de comunicação entre o aluno e os voluntários ou professores, facilitando conversas sobre diversos assuntos", completa Melissa. As visitas eram sempre finalizadas com um passeio de despedida com os cães.  

Angelina, de 8 anos, é autista nível 2 de suporte, tem dificuldade na fala e o convívio com os cachorrinhos na escola faz com que ela se esforce naturalmente para emitir os sons corretos das palavras. Ela queria muito conseguir falar o nome do Tuco e tem conseguido. Em todos os encontros, chegou em casa me contando alguma novidade sobre os pets", revela Silvana Alvarez, 40, mãe de Angelina, que cogita a possibilidade de adotar um cão para a pequena.  

Para Silvana, o projeto deveria ser expandido para outras escolas. Nilce Pereira, diretora do CEF 1, concorda. "Melhorou a qualidade de vida dos alunos em muitos aspectos, físicos, emocionais e psicológicos. Temos um aluno com a fala bastante comprometida. Mas, no dia da presença dos cachorros, acredita que ele falava? É muito gratificante", conta. 

Melissa avalia que, em um contexto ideal, todas as escolas deveriam ter acesso aos serviços assistidos por animais. Mas, para expandir o projeto, também será necessário iniciar um novo processo de seleção de voluntários, com ou sem cães, já previsto para 2026. A data será anunciada no Instagram @ibiaa_iaa. 

 


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