SAÚDE

Ingestão de antibióticos na gravidez ou no início da infância pode afetar cérebro

O contato com esses medicamentos na fase fetal e na infância é relacionado a alterações no desenvolvimento de áreas ligadas à memória e a reações emocionais. Há o risco de o efeito observado em ratos acometer também os humanos, segundo cientistas americanos

Vilhena Soares
postado em 15/07/2021 06:00
Segundo autores, resultado sinaliza a importância do uso dessas drogas com acompanhamento médico, como o que ocorre nas maternidades -  (crédito: STR/AFP - 11/5/21)
Segundo autores, resultado sinaliza a importância do uso dessas drogas com acompanhamento médico, como o que ocorre nas maternidades - (crédito: STR/AFP - 11/5/21)

A ingestão de antibióticos na gravidez ou bem no começo da infância, o que acontece, por exemplo, com prematuros, pode afetar o desenvolvimento do cérebro, segundo pesquisadores americanos. Em um estudo feito com ratos, os especialistas observaram que a exposição a essa classe de medicamentos ainda no útero ou após o nascimento está ligada ao desencadeamento de distúrbios cerebrais na infância. As descobertas foram apresentadas na última edição da revista especializada EScience e corroboram a necessidade de reduzir o uso generalizado desses remédios e a importância de investir em alternativas viáveis para prevenir problemas de neurodesenvolvimento.

“Em trabalhos anteriores, observamos que a exposição de animais jovens a antibióticos alterava o metabolismo e a imunidade. Foi o que nos motivou a avaliar esse tema mais a fundo e a realizar uma análise com foco no início da vida”, relata, em comunicado, Martin Blaser, autor principal da pesquisa e diretor do Centro de Biotecnologia e Medicina Avançada da Universidade de Rutgers, nos Estados Unidos.

Para avaliar melhor o tema, Blaser e sua equipe compararam ratos que foram expostos a baixas doses de penicilina no útero ou imediatamente após o nascimento com cobaias que não tiveram contato com a medicação. A penicilina está entre os antibióticos mais usadas na infância no mundo, junto com a ampicilina e a amoxicilina. “Nos Estados Unidos, uma criança recebe, em média, quase três ciclos (tratamento contínuo por semanas ou meses) de uso de antibióticos antes dos 2 anos de idade. Taxas de exposição semelhantes ou maiores ocorrem em muitos outros países”, diz Blaser.

Nas análises das cobaias, a equipe descobriu que os camundongos que receberam penicilina experimentaram mudanças substanciais na microbiota intestinal e apresentaram alterações na expressão gênica (alterações de DNA) no córtex frontal e na amígdala, duas áreas-chave do cérebro, responsáveis pelo desenvolvimento da memória e pelas respostas ao medo e ao estresse, entre outras funções. “O estudo sugere que a penicilina muda o microbioma, os trilhões de micro-organismos benéficos que vivem dentro do nosso corpo, bem como a expressão gênica de áreas cerebrais essenciais para o desenvolvimento da criança”, enfatiza a equipe.

Os autores relatam que, nos últimos anos, surgiram diversas evidências que relacionam alterações no trato intestinal com mudanças no cérebro, um campo de estudo conhecido como “eixo intestino-cérebro”. Para eles, se essa via for perturbada, pode haver alteração permanente da estrutura e da função do cérebro e, possivelmente, gerar distúrbios neuropsiquiátricos ou neurodegenerativos no fim da infância e na idade adulta.

“O início da vida é um período crítico para o neurodesenvolvimento. Nas últimas décadas, tem havido um aumento na incidência de problemas do neurodesenvolvimento infantil, incluindo o transtorno do espectro do autismo, o transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e dificuldades de aprendizagem. Embora tenhamos registrado um aumento de atenção dos pais quanto a esses problemas de saúde e melhores diagnósticos, que, provavelmente, são fatores contribuintes para esse novo cenário, interrupções na expressão dos genes cerebrais no início do desenvolvimento também podem ser responsáveis por essas mudanças”, avalia Blaser.

Sem alardes

Segundo Angélica Avila, neuropediatra na Neuromaster Infantil, em Brasília, os dados do estudo americano entram em concordância com resultados de pesquisas recentes. “Esse é um tema que vem sendo amplamente estudado pelo meio científico. Temos uma crescente percepção de que a microbiota intestinal desempenha papel fundamental na manutenção da homeostase (equilíbrio do organismo), e que a perturbação em sua composição contribui para o surgimento de várias patologias”, detalha. “Há alguns anos, na revista Jama, um estudo mostrou indícios de que o uso indiscriminado desses medicamentos poderia gerar superbactérias, as que o sistema imune não consegue combater. Essa mesma pesquisa já mostrava que esses remédios interferem na complexa rede de impulsos nervosos entre o intestino e o cérebro, podendo gerar consequências neuropsiquiátricas”, completa.

A médica destaca que é preciso investigar mais os riscos da ingestão desses medicamentos durante o início da vida, mas que eles não devem ser uma preocupação para os pais. “Sabemos que a utilização exagerada dessas drogas precisa ser combatida, principalmente durante a primeira e a segunda infância, uma época crucial. Mas devemos ter cuidado para que os familiares não tenham medo de usar as drogas quando necessário. Elas são indicadas para casos específicos. Um especialista precisa fazer essa análise”, justifica. “Esses estudos são importantes, pois vão nos ajudar a entender se essas drogas podem realmente influenciar no desenvolvimento de transtornos de neurodesenvolvimento, e isso pode nos ajudar a prevenir esses problemas caso a relação se confirme.”

Martin Blaser adianta que futuras pesquisas deverão determinar se os antibióticos afetam diretamente o desenvolvimento do cérebro ou se as moléculas do microbioma que viajam para o cérebro perturbam a atividade do gene e causam os deficits cognitivos. “Esse estudo é preliminar, mas mostra uma forte correlação entre a alteração do microbioma e mudanças no cérebro que devem ser exploradas mais a fundo.”

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