Tesoura Genética

O futuro é agora

Nesta última reportagem, o Correio mostra os avanços dos tratamentos genéticos para ajudar quem tem diagnósticos de epilepsia e câncer, por exemplo. No futuro, os que sofrem com problemas de audição

Karl Petri (à esquerda) está montando um grupo de pesquisa Emmy Noether no Hospital Universitário de Würzburg com o apoio da Fundação Alemã de Pesquisa. Alexandre Trubert (ao centro) e Leon Gehrke (à direita) já fazem parte da equipe.
 -  (crédito: Daniel Peter)
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Karl Petri (à esquerda) está montando um grupo de pesquisa Emmy Noether no Hospital Universitário de Würzburg com o apoio da Fundação Alemã de Pesquisa. Alexandre Trubert (ao centro) e Leon Gehrke (à direita) já fazem parte da equipe. - (crédito: Daniel Peter)

Terapia genética é a esperança para numerosas doenças. Segundo especialistas e estudos recentes, modificar o material genético para suprimir alguma falha pode melhorar a vida de pessoas com epilepsia e diagnósticos de diferentes tipos de câncer. A expectativa é que, no futuro, a tecnologia poderá ajudar quem tem problemas de audição a escutar novamente.

Pesquisadores da Universidade Nacional de Cingapura (NUS Medicine) estão em busca de uma nova alternativa para pacientes com epilepsia — condição neurológica caracterizada por convulsões em razão da atividade elétrica anormal no cérebro. A equipe está desenvolvendo uma terapia genética inovadora que visa tratar uma forma rara de epilepsia associada a uma mutação específica no gene KCNA2.

A pesquisa se concentra no uso de uma técnica chamada oligonucleotídeo antisense Gapmer (ASO), cujo objetivo é atingir e degradar o RNA defeituoso produzido pela mutação, sem afetar a função normal do gene. O gene KCNA2 é crucial para a codificação de um canal de potássio que regula a excitabilidade neuronal. Quando ocorre uma mutação, esse canal não funciona corretamente, resultando em uma acumulação de atividade elétrica excessiva que leva às convulsões.

"A epilepsia está associada a neurônios hiperexcitáveis, e o potássio ajuda a amortecer os níveis de excitabilidade", disse Huang. O tratamento proposto deve "consertar a porta" que controla o fluxo de potássio nas células, permitindo que flua corretamente e regule a atividade dos neurônios. Os resultados iniciais, publicados na revista Molecular Therapeutics Nucleic Acids mostraram uma redução na produção de uma proteína chave, o que ajudou a restaurar o fluxo normal de potássio.

Esperança

Os pesquisadores reconhecem que, embora o trabalho esteja no início, os resultados são esperançosos. A terapia genética poderia ser aplicada a pacientes que sofrem de canalopatias, que são distúrbios genéticos resultantes de anormalidades nos canais iônicos das células. A abordagem pode abrir caminho para a criação de tratamentos personalizados nos próximos 10 a 20 anos.

Além disso, a tecnologia Gapmer pode ser adaptada para atacar outras mutações no gene KCNA2 ou em outros relacionados, ampliando a possibilidade de desenvolver tratamentos para uma variedade de condições ligadas à epilepsia.

Ciro Martinhago, geneticista e doutor em genética reprodutiva, frisa que o tratamento deve ser preciso e não pode afetar outras regiões do genoma. "Dependendo do tipo de terapia, especialmente aquelas que fazem edição genética, como o CRISPR, isso pode ser um grande problema, pois nem sempre há uma especificidade perfeita. Sem essa precisão, podem surgir efeitos colaterais indesejados. No caso dessa terapia que utiliza RNA, há menos risco de efeitos colaterais, pois atinge o alvo de forma muito mais precisa."

Conforme Martinhago, embora essas terapias não curem definitivamente, proporcionam um grande controle de sintomas, melhorando a qualidade de vida de pacientes e familiares. "A ideia é que cada vez mais essas abordagens sejam aplicadas a um número maior de doenças, incluindo neurodegenerativas."

Em um campo complementar, o cientista Karl Petri, do Hospital Universitário de Würzburg, na Alemanha, está focado em melhorar a terapia com células CAR-T, uma forma de imunoterapia promissora contra cânceres sanguíneos. Todavia, a abordagem tem enfrentado desafios, especialmente no que diz respeito ao tratamento de tumores sólidos.

Petri lidera um projeto denominado Prime-CAR Inspection, que visa melhorar a eficiência das imunoterapias contra câncer, utilizando uma edição genética conhecida como CRISPR Prime Editing. Diferentemente do convencional CRISPR-Cas9, o novo modelo permite modificações mais precisas. "Enquanto o CRISPR-Cas9 é comparado a uma tesoura que corta DNA, o Prime Editing é como uma borracha e um lápis, permitindo reescrever o DNA de forma mais precisa", afirmou.

Uma das inovações do projeto é a alteração de CAR-T alogênicas — células T modificadas obtidas a partir de doadores saudáveis. Por meio da edição CRISPR, certas moléculas nessas estruturas podem ser transformadas para reduzir a rejeição pelo sistema imunológico, o que viabilizará a produção em maior escala e a um custo mais acessível.

A terapia com CAR-T envolve a separação de glóbulos brancos do sangue do paciente, que posteriormente são geneticamente modificadas em laboratório e reintroduzidas no corpo do paciente como um tratamento vivo. Idealmente, uma célula T "ativada" pode destruir até mil células tumorais, permanecendo no organismo por longos períodos para eliminar células tumorais ocultas ou recém-emergidas.

Conforme Marcelo Bendhack, CEO da Epiprocare GmbH, empresa com sede na Alemanha focada em imunoterapia e terapias celulares, uro-oncologista e presidente da Sociedade Latino-Americana de Uro-Oncologia, o tratamento com células CAR-T para tumores sólidos está se desenvolvendo rapidamente, com centenas de ensaios clínicos em andamento. "A identificação de alvos antigênicos adequados está sendo destacada atualmente por muitos grupos que trabalham nessa área. Assim, uma nova estratégia que leve a uma variedade de alvos antigênicos específicos para cada tumor sólido pode revolucionar essa abordagem terapêutica com grande potencial promissor", afirmou Bendhack. 

 

Eletromagnetismo na medicina

Uma nova tecnologia desenvolvida por pesquisadores da Weill Cornell Medicine, The Rockefeller University e da Icahn School of Medicine at Mount Sinai permite o controle não invasivo de circuitos cerebrais específicos usando campos magnéticos. Essa abordagem, descrita em um estudo pré-clínico, tem grande potencial tanto para estudos científicos sobre o cérebro quanto para o desenvolvimento de tratamentos neurológicos e psiquiátricos para condições como doença de Parkinson, depressão, obesidade e dores crônicas.

A novidade é baseada em terapia genética, foi testada em camundongos e demonstrou que é possível ativar ou desativar populações específicas de neurônios, com efeitos visíveis nos movimentos dos animais. Em um dos experimentos, foi possível reduzir movimentos anormais em um camundongo com Parkinson.

Em outro teste, os cientistas injetaram a terapia genética para os canais magneticamente sensíveis em neurônios específicos dentro de uma região de controle de movimento chamada estriado em camundongos. Eles usaram o campo magnético de uma máquina de ressonância para ativar os neurônios e diminuir significativamente, até mesmo congelar, os movimentos dos camundongos. Segundo Michael Kaplitt, um dos principais autores do estudo, publicado na Science Advances, a tecnologia "pode um dia beneficiar pacientes em uma ampla gama de contextos clínicos".

Ao contrário de tecnologias como a optogenética, que requerem aparelhos invasivos para a aplicação de luz no cérebro, ou a estimulação cerebral profunda, que demanda implantes permanentes, a magneto genética usa campos magnéticos para controlar neurônios de forma mais simples. A terapia envolve a introdução de uma proteína sensível ao magnetismo, que age como um interruptor para ativar ou desativar os neurônios, sem a necessidade de dispositivos implantados ou medicamentos.

Marcello Bossois, médico e pesquisador da Université Laval, no Canadá, detalha que essa técnica trabalha com canais iônicos, que se ligam à ferritina, uma proteína que contém ferro. "Por meio de uma estimulação magnética aplicada sobre esses canais iônicos, o ferro presente neles é afetado, o que faz com que os canais se abram ou se fechem. Esse processo regula o influxo de íons para os neurônios. Essa técnica é interessante porque, ao modificar o comportamento dos neurônios, ela pode ativar ou desativar certas funções, sem a necessidade de técnicas invasivas, como os implantes cerebrais."

O próximo passo da equipe é explorar as aplicações clínicas, incluindo tratamentos para distúrbios psiquiátricos e dor crônica. (IA)

Conseguindo escutar

Pesquisadores do Mass Eye and Ear, nos Estados Unidos, conseguiram restaurar a audição de camundongos adultos com surdez hereditária usando a técnica da edição genética. Os cientistas desativaram uma cópia danificada de um gene e, conseguindo fazer os animais escutarem. No futuro, a equipe acredita que poderá ajudar na elaboração de tratamentos para perda auditiva hereditária em humanos.

Isabella Almeida
postado em 30/12/2024 05:55