
Médicos de um hospital em Massachusetts, nos Estados Unidos, descobriram larvas no cérebro de uma mulher de 30 anos que passou a sentir dor de cabeça e queimação no corpo após uma viagem à Ásia e ao Havaí. O estudo de caso, publicado pelo New England Journal of Medicine no último dia 12 de fevereiro, aponta que a paciente sofreu com meningite causada por angiostrongilíase.
A mulher, que não fumava, bebia, ou usava drogas, estava bem e apresentava estado normal de saúde quando começou a sentir uma espécie de queimação nos pés. A sensação progrediu para as pernas, nos dias que se seguiram, e não melhorou com o uso de medicamentos.
Junto a isso, a paciente teve fadiga, mas pensou que o cansaço viesse em decorrência de uma viagem de três semanas que havia feito por Tailândia, Japão e Havaí. Nesses locais, nadou no mar e comeu comidas de rua, sushi e saladas.
Depois de três dias de sintomas, ela procurou a emergência de um hospital, onde não foi constatado nada de anormal, uma vez que todos os sinais vitais, testes e exames de sangue estavam conforme o esperado. Ela recebeu alta, mas dois dias depois sentiu a queimação subir para tronco e braços, junto a febre e uma dor de cabeça que piorava à medida que ela tomava paracetamol.
Em um segundo hospital, ao qual a mulher recorreu devido à piora dos sintomas, os exames novamente se apresentaram como normais. Ela foi medicada e recebeu alta. Em casa, tomou o medicamento zolpidem — agente hipnótico usado para tratamento de insônia que pode causar alucinações, apagões de memória e outras consequências aos usuários — que havia sido prescrito para outra pessoa.
No dia seguinte, assim que acordou, passou a desenvolver confusão mental: pensava que precisava fazer as malas para a viagem da qual havia acabado de retornar, 12 dias antes.
O parceiro dela, então, a levou ao Massachusetts General Hospital. Apesar de os sinais vitais estarem mais uma vez normais e de exames de sangue e tomografia computadorizada da cabeça não mostrarem nada de estranho, o estudo de caso aponta que a paciente não estava orientada: “Ela parecia inquieta e não respondia a perguntas consistentemente ou seguia comandos”.
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Após descarte de síndromes ou reações adversas a medicações, passou-se a investigar alguma doença que envolvesse os sistemas nervosos periférico ou central. Realizou-se, portanto, punção lombar para retirada de amostra de líquido cefalorraquidiano (LCR).
Com base na análise do LCR, os médicos descobriram aumento de leucócitos no líquido — o que é relacionado a processos inflamatórios e diversas doenças —, “um nível de glicose ligeiramente diminuído e um nível de proteína elevado”. Isso apontou para meningite eosinofílica, inflamação que afeta membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal.
Como infecções são a causa mais comum da meningite eosinofílica e a paciente havia retornado então não muito tempo atrás de viagem a “regiões onde os parasitas são endêmicos”, o histórico de atividades, exposições e dieta realizadas durante as férias passou a ser analisado.
De acordo com o estudo, “muitas das causas infecciosas de meningite eosinofílica nos países tropicais e subtropicais que esta paciente visitou estão associadas à ingestão de peixe malcozido ou alimentos que contêm caracóis ou lesmas infectados ou foram contaminados por eles”.
Causada por uma lombriga, a angiostrongilíase é uma das infecções que mais causam a meningite eosinofílica e está distribuída em regiões tropicais e subtropicais no Sudeste Asiático, nas Ilhas do Pacífico — que incluem o Havaí —, na Europa, na Austrália, no sul dos Estados Unidos e no Caribe.
“A infecção pode ser adquirida por meio de várias fontes: ingestão de caracóis ou lesmas infectados crus ou malcozidos; ingestão de vegetais ou frutas contaminados por caracóis, lesmas ou platelmintos infectados ou por lodo de caracóis ou lesmas que contém larvas infecciosas; ou ingestão de hospedeiros paratênicos infectados (por exemplo, caranguejos terrestres, camarões de água doce ou sapos) que consumiram um caracol infectado”, informa o estudo.
Em casos animais, as larvas ingeridas migram para o cérebro em cerca de quatro horas e, em um período de uma a duas semanas após a ingestão, se incubam definitivamente, espalhando-se pelos hemisférios cerebrais. Depois, provocam reação aguda grave. “Em humanos, os sintomas gerais da meningite eosinofílica devido à angiostrongilíase incluem dor de cabeça, náusea e vômito, e febre” — além de anormalidades sensoriais como queimação ou formigamento.
Ao entrarem no sistema nervoso central, as larvas podem causar, além de dor de cabeça, confusão, doenças que alteram o funcionamento do cérebro, convulsão e envolvimento ocular.
Enviada ao National Institutes of Health para teste de ácido nucleico (NAAT, na sigla em inglês), a amostra de LCR da paciente revelou presença do DNA da lombriga causadora da angiostrongilíase — a Angiostrongylus cantonensis.
De acordo com a equipe médica do Massachusetts General Hospital, que redigiu o estudo de caso, dados que orientam o tratamento da meningite por infecção do A. cantonensis ainda são muito limitados.
A paciente foi tratada com glicocorticoides, que amenizam rapidamente os sintomas, junto a anti-helmínticos, que tratam vermes multicelulares. O tratamento combinado diminuiu a dor de cabeça e as queimações, que foram tratadas com outros medicamentos indicados, e, no sexto dia de internação, a paciente recebeu alta.
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