
O bem-estar é complexo e multifatorial, que envolve inúmeras questões, como a satisfação com a vida, a capacidade de lidar com o estresse e de criar laços afetivos e sociais. Pesquisas recentes revelam que práticas simples, como compartilhar refeições e dançar, têm um impacto significativo na saúde mental e emocional das pessoas. Os trabalhos sugerem que participar de atividades coletivas pode ser a chave para o bem-estar. Sentir-se bem e realizado também corrobora em diferentes aspectos do cotidiano, como no sucesso acadêmico.
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Um estudo realizado por uma equipe internacional e liderado pela University College London (UCL), no Reino Unido, revelou que pessoas que compartilham refeições relatam mais qualidade de vida, além de serem mais contentes. No capítulo Sharing Meals with Others (compartilhando refeições com outros) do Relatório Mundial da Felicidade, publicado pelo Centro de Pesquisa de Bem-Estar da Universidade de Oxford, em parceria com a Gallup — empresa de pesquisa de opinião dos Estados Unidos, e a Organização das Nações Unidas, os cientistas descobriram que dividir os alimentos é um indicador tão forte quanto a renda.
O estudo usou dados de mais de 150 mil entrevistados de 142 países, coletados pela Gallup World Poll entre 2022 e 2023. A pesquisa destacou que, em média, as pessoas que compartilhavam refeições com frequência relataram um ponto extra em sua avaliação de vida, uma diferença considerada significativa.
Países da América Latina e do Caribe, onde as pessoas compartilham mais refeições, mostraram altos níveis de satisfação com a vida. Já em nações como os Estados Unidos, a população tem optado por se alimentar sozinha. O estudo sugere que a diminuição das refeições compartilhadas pode estar associada ao declínio do "capital social", ou seja, a coesão comunitária, e às mudanças nas estruturas sociais ao longo do tempo.
Alberto Prati, coautor do estudo da UCL, sublinhou que a descoberta tem implicações políticas importantes, além de evidenciar o que já era investigado pela ciência. "Já sabíamos o quão importantes as conexões sociais são para o bem-estar, mas ficamos surpresos com a força da conexão do compartilhamento de refeições com avaliações de vida e emoções positivas", afirmou.
Comida e sentimentos
Conforme Wanderson Neves, psicólogo do grupo Mantevida, compartilhar momentos do cotidiano, especialmente refeições, tem um impacto significativo no bem-estar psicológico e emocional. "Se reunir ao redor de uma mesa para compartilhar uma refeição além de promover uma sensação de pertencimento, facilita a troca de emoções, experiências e apoio social. As conexões interpessoais são essenciais para a saúde mental, pois as interações positivas estimulam a liberação de hormônios como a ocitocina, conhecida como hormônio do amor, associada a sentimentos de confiança, alegria e relaxamento."
Juliana Gebrim, psicóloga clínica e neuropsicóloga pelo Instituto de Psicologia Aplicada e Formação de Portugal (Ipaf), reforça que o bem-estar vai muito além da saúde física. "Envolve nossas emoções, relações e até mesmo como nos conectamos com os outros no dia a dia. Ter boas interações sociais é essencial para a saúde mental, ajudando a reduzir o estresse e trazendo mais leveza para a nossa rotina, que muitas vezes é tão estressante. O isolamento pode ter o efeito contrário, aumentando a ansiedade e afetando até mesmo o corpo. Por isso, buscar conexões mais próximas e cultivar momentos de troca é tão importante."
Espantando males
A pesquisa sobre o impacto das atividades físicas no bem-estar também tem mostrado resultados. Um estudo realizado por universidades do Reino Unido e da Dinamarca sugeriu que dançar pode ser eficiente para melhorar o bem-estar emocional e reduzir o estresse. Publicado na revista Psychology of Sport & Exercise, o estudo investigou a relação entre dança e regulação do estresse, demonstrando que sacudir o esqueleto reduz a ansiedade, o nervosismo e os níveis de cortisol, enquanto promove a liberação de hormônios associados à felicidade, como endorfinas e ocitocina.
Jonathan Skinner, coautor do estudo e cientista da Universidade de Surrey, no Reino Unido, destacou os benefícios. "É fascinante ver como algo tão agradável quanto a dança pode ter efeitos profundos em nossa saúde mental". Ele detalhou que, ao dançar, as pessoas acessam um mecanismo natural de alívio do estresse, o que aumenta a resiliência e ajuda a lidar com os problemas do dia a dia.
A psicóloga Cláudia Melo, do Espaço Crer Ser, no Rio de Janeiro, frisa que essa busca não pode ser reduzida a um conjunto de regras ou hábitos. "Carl Rogers, um dos grandes nomes da psicologia humanista, ensina que o caminho para o florescimento humano passa pela aceitação de quem somos e pela liberdade de expressão. Assim, atividades como a dança e a arte não são somente lazer, mas canais para a autorregulação emocional e desenvolvimento pessoal. Ao dançar, nos conectamos com o presente, acessamos emoções reprimidas e permitimos que o corpo expresse o que as palavras não alcançam. O mesmo acontece em outras práticas que envolvem criatividade e presença plena."
Segundo os autores, o exercício é uma oportunidade de socialização que viabiliza a criação de laços entre as pessoas e proporciona um ambiente de apoio mútuo. "Em um momento em que a saúde mental é mais crítica do que nunca, nossas descobertas defendem a integração da dança em iniciativas de saúde comunitária", afirmou Skinner.
Estímulo para o aprendizado
Estar de bem com a vida ajuda no desempenho acadêmico. Em um trabalho pioneiro, realizado com mais de 215 mil estudantes, pesquisadores da Universidade do Sul da Austrália (UniSA) descobriram que ter prontidão para a aprendizagem — o que inclui habilidades como persistência, confiança e engajamento — não é somente desejável, mas, sim, um impulsor para o sucesso acadêmico.
Rebecca Marrone, pesquisadora da UniSA e coautora do estudo, publicado na revista Journal of Learning Analytics, afirma haver uma relação complexa entre sentir-se bem e ter um bom desempenho. "O bem-estar é cada vez mais reconhecido como um fator crucial que pode moldar o sucesso acadêmico e o desenvolvimento geral dos alunos. No entanto, ele é frequentemente negligenciado porque os sistemas educacionais tendem a se concentrar em conquistas acadêmicas padronizadas."
Segundo os pesquisadores, a prontidão para aprender se refere a quão preparada uma criança está para absorver conhecimento, não apenas academicamente, mas também permanecer focada, superar desafios e acreditar em sua chance de ter sucesso. "É sobre ter bons hábitos de aprendizagem e uma motivação para aprender, que juntos podem ajudá-los a ter um melhor desempenho na escola", detalhou Marrone.
O estudo se baseou em dados de alunos do 4º ao 9º ano para avaliar o impacto do bem-estar e do engajamento dos estudantes. Benjamin Lam, cientista da Universidade da Austrália do Sul (UniSA), destacou que os resultados mostram que as escolas precisam mudar para um modelo que valorize tanto o bem-estar dos discentes quanto o desempenho acadêmico como componentes integrais da educação.
"Quando os alunos estão mental e emocionalmente saudáveis, eles têm mais probabilidade de se envolver e se motivar, além de ter melhor desempenho acadêmico. Mas a relação certamente não é linear, e não podemos inferir que alunos de baixo desempenho têm baixos níveis ou alto desempenho por causa (dos níveis) de bem-estar. Isso significa que as escolas devem olhar além das notas dos testes e adotar uma abordagem mais pessoal e holística para apoiar a confiança, a perseverança e a prontidão para o aprendizado dos alunos", frisou Lam.
Valéria Cardoso, psicóloga, neuropsicóloga e coautora do livro Bem me quero, bem me cuido, frisa que aprender vai muito além de decorar conteúdos e tirar boas notas.
"Para que o aprendizado aconteça de forma eficaz, o cérebro precisa funcionar em harmonia, e isso depende de fatores como atenção, memória, regulação emocional e do nosso bem-estar físico. Não existe uma única estrutura ou mecanismo neuronal responsável pela aprendizagem. Pelo contrário, ela depende da interação de diversas funções cognitivas, como planejamento e organização, velocidade de processamento, flexibilidade cognitiva e diversas outras questões."
Seres sociais
"O cotidiano é repleto de pequenas experiências que, quando compartilhadas, tornam-se mais significativas. Conversar sobre como foi o dia, dividir conquistas e vitórias, desafios e momentos simples da rotina, cria uma sensação de conexão e pertencimento. O bem-estar não é apenas sobre cuidar do corpo e da mente, mas também sobre nutrir relações autênticas e verdadeiras. O bem-estar, de forma geral, está ligado ao equilíbrio entre corpo, mente e energia. Cuidar da alimentação, movimentar o corpo, reservar momentos de descanso e praticar o silêncio interior são aspectos fundamentais. Mas tão importante quanto isso é reconhecer o poder das conexões humanas e o compartilhamento sincero do dia a dia. Afinal, somos seres sociais e, quando nos abrimos para viver e sentir juntos, a vida se torna mais leve e significativa.
Daniely Britto, terapeuta da clínica Niroda, em Brasília
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Seres sociais
"O cotidiano é repleto de pequenas experiências que, quando compartilhadas, tornam-se mais significativas. Conversar sobre como foi o dia, dividir conquistas e vitórias, desafios e momentos simples da rotina, cria uma sensação de conexão e pertencimento. O bem-estar não é apenas sobre cuidar do corpo e da mente, mas também sobre nutrir relações autênticas e verdadeiras. O bem-estar, de forma geral, está ligado ao equilíbrio entre corpo, mente e energia. Cuidar da alimentação, movimentar o corpo, reservar momentos de descanso e praticar o silêncio interior são aspectos fundamentais. Mas tão importante quanto isso é reconhecer o poder das conexões humanas e o compartilhamento sincero do dia a dia. Afinal, somos seres sociais e, quando nos abrimos para viver e sentir juntos, a vida se torna mais leve e significativa.
Daniely Britto, terapeuta da clínica Niroda, em Brasília
Satisfação estimula o aprendizado
Estar de bem com a vida ajuda no desempenho acadêmico. Em um trabalho pioneiro, realizado com mais de 215 mil estudantes, pesquisadores da Universidade do Sul da Austrália (UniSA) descobriram que ter prontidão para a aprendizagem — o que inclui habilidades como persistência, confiança e engajamento — não é somente desejável, mas, sim, um impulsor para o sucesso acadêmico.
Rebecca Marrone, pesquisadora da UniSA e coautora do estudo, publicado na revista Journal of Learning Analytics, afirma haver uma relação complexa entre sentir-se bem e ter um bom desempenho. "O bem-estar é cada vez mais reconhecido como um fator crucial que pode moldar o sucesso acadêmico e o desenvolvimento geral dos alunos. No entanto, ele é frequentemente negligenciado porque os sistemas educacionais tendem a se concentrar em conquistas acadêmicas padronizadas."
Segundo os pesquisadores, a prontidão para aprender se refere a quão preparada uma criança está para absorver conhecimento, não apenas academicamente, mas também permanecer focada, superar desafios e acreditar em sua chance de ter sucesso. "É sobre ter bons hábitos de aprendizagem e uma motivação para aprender, que juntos podem ajudá-los a ter um melhor desempenho na escola", detalhou Marrone.
O estudo se baseou em dados de alunos do 4º ao 9º ano para avaliar o impacto do bem-estar e do engajamento dos estudantes. Benjamin Lam, cientista da Universidade da Austrália do Sul (UniSA), destacou que os resultados mostram que as escolas precisam mudar para um modelo que valorize tanto o bem-estar dos discentes quanto o desempenho acadêmico como componentes integrais da educação.
"Quando os alunos estão mental e emocionalmente saudáveis, eles têm mais probabilidade de se envolver e se motivar, além de ter melhor desempenho acadêmico. Mas a relação certamente não é linear, e não podemos inferir que alunos de baixo desempenho têm baixos níveis ou alto desempenho por causa (dos níveis) de bem-estar. Isso significa que as escolas devem olhar além das notas dos testes e adotar uma abordagem mais pessoal e holística para apoiar a confiança, a perseverança e a prontidão para o aprendizado dos alunos", frisou Lam.
Valéria Cardoso, psicóloga, neuropsicóloga e coautora do livro Bem me quero, bem me cuido, frisa que aprender vai muito além de decorar conteúdos e tirar boas notas.
"Para que o aprendizado aconteça de forma eficaz, o cérebro precisa funcionar em harmonia, e isso depende de fatores como atenção, memória, regulação emocional e do nosso bem-estar físico. Não existe uma única estrutura ou mecanismo neuronal responsável pela aprendizagem. Pelo contrário, ela depende da interação de diversas funções cognitivas, como planejamento e organização, velocidade de processamento, flexibilidade cognitiva e diversas outras questões." (IA)