AGRICULTURA

Fim do chocolate? Escassez de cacau afeta produtores; ciência busca solução

Planta da fruta que dá origem a um dos doces mais famosos do mundo tem sofrido com mudanças climáticas e doenças em locais de cultivo, como a África e o Brasil

Escassez de cacau torna mais alto o preço do chocolate, doce do qual é principal matéria-prima  -  (crédito: freepik)
Escassez de cacau torna mais alto o preço do chocolate, doce do qual é principal matéria-prima - (crédito: freepik)

Pesquisa divulgada este ano por revista da Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos, revela preocupação com o futuro de um dos doces mais populares do mundo: o chocolate. A planta do cacau, de onde vem a iguaria, está sob ameaça de doenças e de mudanças climáticas em locais de cultivo, como a África Ocidental e o Brasil.  

Combinação de grãos fermentados e moídos do fruto do cacaueiro com açúcar e leite em pó, o chocolate passa por processos de secagem, aquecimento e resfriamento antes de chegar ao consumidor.  

De acordo com o estudo, 70% do produto vêm de países como a Costa do Marfim e Gana. A safra dessas nações, porém, enfrenta dificuldades, entre elas chuvas excessivas causadas pelo agravamento das mudanças climáticas. 

Ao Correio, Leandro Isaías, empresário da LaBarr Chocolate de Origem, explica que a produção brasileira que depende do cacau “vem sentindo há uns anos os efeitos da instabilidade” do clima, principalmente em solo baiano.  

“Produzimos chocolates desde 2016 e a safra de 2024 foi a pior delas em relação à falta de cacau”, conta. “O sul da Bahia foi castigado por excesso de chuva, prejudicando consideravelmente a produção de cacau no ano.” 

Outros obstáculos 

Além das mudanças climáticas, o estudo aponta que o cultivo na África Ocidental é prejudicado por doenças, como uma infecção por vírus transmitida por insetos, que eliminam anualmente de 20% a 30% da produção.  

Quando a planta do cacau é infectada pelo chamado Cacao Swollen Shoot Virus (CSSV), os caules dela incham, as nervuras ficam vermelhas e as folhas, amarelas. A árvore cujas plantas foram infestadas morrem em um período entre três e quatro anos, uma vez que até o momento não há cura para a enfermidade. 

Esses obstáculos provocaram diminuição da oferta da fruta nos últimos anos — o que, consequentemente, levou a aumento dos preços e prejudicou não apenas consumidores, mas pequenos agricultores e produtores de todo o mundo. Em matéria publicada em revista da universidade, um dos responsáveis pelo estudo, Myeong-Je Cho, reforça que a cultura do cacau é “uma das principais para os países em desenvolvimento”. 

Como comprador de cacau no Brasil, Leandro acompanha as dificuldades que os produtores têm enfrentado de uns anos para cá sem poder fazer muita coisa”. Ainda assim, é afetado pela falta do material. 

“Ano passado, por exemplo, chegamos a ficar umas semanas sem cacau até conseguir um produtor do interior do Amazonas que ainda tinha em estoque”, relembra. “Quando falta cacau, ficamos sem produzir, pois é a matéria-prima principal dos nossos produtos.” 

Sobre os custos, o empresário explica que o encarecimento enfatizado pela diminuição da oferta tem impacto na produção nacional. “Quando há escassez de cacau, o preço da matéria-prima sobe, o que impacta diretamente a economia das regiões produtoras, gerando desemprego e reduzindo a oferta de chocolate no mercado”, esclarece.  

Com a fruta e os produtos derivados dela, como a manteiga por exemplo, mais caros, Leandro afirma que a grande indústria do setor “tende a cortar custos” e produzir um chocolate com menos qualidade e maior preço para o consumidor final — o que restringe, inclusive, o acesso do doce a parcela menor da população, que conseguiria arcar com os valores mais altos. 

“Com toda essa alta de preço, produzir cacau fino para muitos produtores já não está mais compensando, pois eles conseguem vender o cacau buck (aquele que não é selecionado) para a grande indústria com muita facilidade e com muito menos trabalho na produção, gerando também a escassez de cacau fino no mercado.” 

Apesar disso, o empresário não acredita na extinção da fruta que permite a produção de um dos doces mais famosos do mundo. “O que tende a ocorrer é a mudança do eixo da produção de cacau”, reforça. “No Brasil, por exemplo, o cacau tem sido levado para regiões como o Oeste da Bahia e para o interior e litoral de São Paulo. Mas ainda é muito cedo para se falar em falta de chocolate no mundo.” 

Solução 

Embora de fato não seja o fim do chocolate, pesquisadores da Universidade da Califórnia apostam em uma tecnologia baseada em engenharia genética para proteger o cultivo de cacau de obstáculos que diminuem as safras. De nome Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Interespaçadas e Agrupadas, ou simplesmente CRISPR (sigla em inglês), a técnica engloba sequências reais de DNA encontradas em bactérias que podem ser adaptadas para determinados propósitos. 

Especialista em engenharia genética e responsável pelo Instituto de Genômica Inovadora (IGI), que lidera a pesquisa, Brian Staskawicz define o CRISPR como “um sistema imunológico natural”: ele pode ser usado para produzir moléculas antivirais que são inseridas em outros organismos a fim de estimular a defesa contra vírus. 

Na planta do cacau, por exemplo, seria “arma poderosa” contra o CSSV — que vem dizimando cacaueiros na África Ocidental e dificultando a produção de chocolate — e fonte de resistência contra outras doenças. Fabricante de doces como Snickers e Twix, a empresa Mars Inc. entrou em contato com o IGI para discutir possíveis saídas para a crise que deve atingir o ápice em 2050. 

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Para além da sobremesa, o CRISPR seria fundamental para melhorar a segurança alimentar no mundo inteiro, conforme aponta Staskawicz. “Se você puder usar essa tecnologia para salvar uma cultura de consumo como o chocolate, que todos adoram, provavelmente começará a ganhar mais aceitação desses métodos”, diz à revista da universidade. “Acho que as pessoas não entendem que temos um problema sério. Se não houver comida, não haverá segurança alimentar, e isso causará guerras.” 

Atualmente, o IGI é uma das poucas instituições no mundo que conseguem transformar e editar o genoma do cacau. Ao superar o CSSV, a pesquisa realizada pelo instituto, se amplificada, pode auxiliar produtores do mundo inteiro. 

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postado em 10/07/2025 15:06 / atualizado em 10/07/2025 15:07
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