
Um marco para o clima. Assim, especialistas definem a opinião da mais alta instância judicial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre as responsabilidades legais dos países em relação às mudanças climáticas. O aguardado parecer consultivo — fruto de uma campanha de 2019 de estudantes de direito da Universidade do Pacífico Sul — deve orientar a tomada de decisões locais e orientar negociações globais, como a Conferência da ONU para Mudanças Climáticas (COP) que, neste ano, é sediada pelo Brasil.
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Pareceres consultivos são declarações oficiais de direito internacional, com "substancial peso jurídico", esclarece o Centro de Leis Ambientais Internacionais (Ciel), organização sediada em Genebra, na Suíça, que participou do processo. Embora o documento de 500 páginas não seja vinculante — não determina obrigações —, o entendimento é que servirá de base para ações legais.
Na manifestação unânime dos 15 juízes da Corte Internacional de Justiça (CIJ), violar obrigações climáticas é ilícito e pode originar indenização para os países afetados. "Este parecer orientará litígios climáticos nos tribunais locais, regionais e nacionais e fornecerá uma base para a formulação de políticas climáticas, fundamentando a legislação local e as negociações globais em obrigações legais", diz Rebecca Brown, presidente da Ciel.
Audiência
Na audiência, em Haia (Holanda), o presidente da Corte Internacional de Justiça, Yuji Iwasawa, destacou que as mudanças climáticas afetam tanto os ecossistemas naturais quanto as populações humanas. "O tribunal apresenta este parecer com a esperança de que suas conclusões permitam que informe e oriente as ações sociais e políticas para resolver a atual crise climática", disse.
"A falha do Estado em tomar as medidas adequadas para proteger o sistema climático das emissões de GEE (gases de efeito estufa), inclusive por meio da produção e do consumo de combustíveis fósseis, da concessão de licenças de exploração de combustíveis fósseis ou da concessão de subsídios a combustíveis fósseis, pode constituir um ato internacionalmente ilícito atribuível a esse Estado."
Segundo Iwasawa, "as consequências jurídicas decorrentes da prática de um ato ilícito internacional podem incluir (...) a reparação integral dos danos sofridos pelos Estados lesados na forma de restituição, indenização e satisfação". O juiz reconheceu a dificuldade de se provar, em tribunais, o "nexo causal direto e certo". Por exemplo, que uma enchente tem associação direta com a produção de combustíveis fósseis. Porém, destacou que isso "não é impossível".
Estados Unidos
Em dezembro do ano passado, uma audiência com representantes de mais de 100 países e de organizações internacionais expôs as divergências entre os maiores poluidores mundiais e as nações mais afetadas pelas mudanças climáticas. Os Estados Unidos e a Índia argumentaram que a legislação existente, como Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), é suficiente para orientar decisões globais e locais. Meses depois, já sob a administração de Donald Trump, os norte-americanos se retiraram da UNFCCC e do Acordo de Paris.
Para Delta Merner, que integra a União dos Cientistas Preocupados e líder do setor de litígio climático da instituição, embora o parecer não seja juridicamente vinculativo, adicionar "pressão jurídica, científica e moral" para que os Estados Unidos, maior emissor histórico do mundo, cumpra suas obrigações climáticas. "À medida que o governo Trump toma medidas extremas para priorizar os poluidores corporativos em detrimento da saúde pública e do meio ambiente, a irresponsabilidade jurídica de fazê-lo foi exposta pelo novo parecer consultivo. Isso enfatiza ainda mais o que as empresas de combustíveis fósseis já sabem: a falha em abordar significativamente as mudanças climáticas corre o risco de sérias responsabilidades legais para elas."
Comemoração
O posicionamento da Corte Internacional de Justiça foi comemorado por organizações não governamentais, especialmente do sul global. "Hoje (ontem), os menores países do mundo fizeram história. A decisão da CIJ nos aproxima de um mundo onde os governos não podem mais ignorar suas responsabilidades legais", disse, em nota, Vishal Prasad, diretor dos Estudantes das Ilhas do Pacífico Lutando Contra Mudanças Climáticas. "(A Corte) reafirma uma verdade simples de justiça climática: aqueles que menos contribuíram para alimentar essa crise merecem proteção, reparação e um futuro."
Em entrevista à agência France-Presse (AFP), o ministro da Mudança Climática de Vanuatu, Ralph Regenvanu, destacou que o documento da CIJ é um "marco histórico para o clima". Foi na nação insular que iniciou a mobilização para levar o assunto da responsabilidade dos Estados à mais alta Corte internacional. "É uma mudança de rumo muito importante neste momento crítico", afirmou.
Mensagem clara
Trata-se do início de uma nova era de responsabilização climática no nível global. O parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça marca um ponto de inflexão para a justiça climática, pois esclareceu, de uma vez por todas, as obrigações climáticas internacionais dos Estados e, mais importante, as consequências do descumprimento dessas obrigações. Isso abrirá caminho para novos casos e, espera-se, trará justiça àqueles que, apesar de terem contribuído menos para as mudanças climáticas, já estão sofrendo suas consequências mais graves. A mensagem da Corte é clara: a produção, o consumo e a concessão de licenças e subsídios para combustíveis fósseis podem ser violações do Direito Internacional. Os poluidores devem parar de emitir e pagar pelos danos que causaram. O documento também esclarece que o descumprimento das obrigações climáticas dá origem a reparações integrais, incluindo a interrupção de ações danosas e a concessão de indenização financeira por quaisquer perdas e danos relacionados. Essas reparações podem incluir indenização por danos climáticos e até mesmo a necessidade de cessação imediata das emissões de gases de efeito estufa acima de um limite de segurança com base científica.
Danilo Garrido, consultor jurídico do Greenpeace Internacional
O que diz a Corte
- O Tribunal afirma que os Estados têm obrigações em áreas relevantes do direito internacional, incluindo direitos humanos, direito ambiental e compromissos relevantes de tratados, que devem ser implementados em conjunto e harmoniosamente.
- A Corte Internacional de Justiça manifesta que os Estados e os principais poluidores históricos têm uma obrigação legal clara de reduzir as emissões, prevenir danos graves e trabalhar em conjunto para proteger aqueles que estão em maior risco, tanto dentro de suas fronteiras quanto além delas.
- O Tribunal reconhece que as decisões locais e globais devem ser guiadas pela melhor ciência disponível, especialmente pelos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). O limite de temperatura de 1,5°C do Acordo de Paris é o ponto de referência legal para determinar ambição, ação e responsabilidade suficientes.
- O Tribunal entende que os governos são obrigados a proteger os direitos das pessoas à vida, à saúde, a um meio ambiente saudável e à autodeterminação. Atenção especial é necessária para os povos indígenas, pequenos estados insulares em desenvolvimento, jovens e gerações futuras.
- A Corte considera que os Estados com altas emissões históricas e atuais têm obrigações maiores de remediar os danos climáticos, inclusive por meio de reparações, apoio e regulamentação de atores privados.
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Mariana Morais
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