Perder peso na meia-idade, mesmo que de forma modesta e sem intervenções cirúrgicas ou medicamentosas, beneficia a saúde a longo prazo, com efeitos protetivos contra doenças graves. Além disso, o emagrecimento entre os 40 anos e 50 anos pode reduzir o risco de morte precoce. É o que diz um estudo com mais de 23 mil pessoas publicado na revista Jama Network Open, da Associação Médica Norte-Americana.
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Os participantes foram acompanhados por até 35 anos em três grandes pesquisas epidemiológicas da Europa. Os cientistas, da Finlândia, investigaram como mudanças no peso corporal durante a meia-idade influenciaram o surgimento de doenças crônicas, como diabetes tipo 2, infarto, acidente vascular cerebral (AVC), câncer, asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Também avaliaram a mortalidade por todas as causas.
Os voluntários foram divididos em quatro grupos, com base no índice de massa corporal (IMC) registrado em duas avaliações iniciais: participantes com peso saudável (IMC < 25), os que emagreceram, engordaram ou permaneceram com sobrepeso. Em todas as análises, as pessoas que perderam os quilos a mais na meia-idade tiveram menos risco de desenvolver doenças crônicas, comparadas às que continuaram com IMC acima do considerado normal. As primeiras também viveram mais.
Impacto
Uma das descobertas mais importantes, na avaliação dos pesquisadores, foi que a perda de peso não precisou ser drástica para trazer benefícios. Em média, os participantes reduziram cerca de 6,5% do peso corporal — o que corresponde a, por exemplo, uma pessoa de 80kg perder 5,2kg. Ainda assim, o impacto na saúde foi significativo e duradouro, especialmente entre os que mantiveram a forma ao longo dos anos. "Mesmo perdas de peso modestas, alcançadas sem cirurgia ou medicamentos, foram associadas a uma redução expressiva nos riscos de doenças crônicas e mortalidade", escreveram os autores do artigo (leia entrevista).
"O estudo demonstra que perder peso na meia-idade por meios naturais, sem remédios ou cirurgia, continua sendo uma estratégia viável e benéfica, mesmo em tempos de avanço farmacológico", avalia o endocrinologista João Silva Mesquita Filho, professor da pós-graduação da Afya Educação Médica. "Apesar de termos um bom arsenal terapêutico para o tratamento da obesidade, que promove uma boa perda ponderal, as reduções modestas obtidas com mudanças de estilo de vida geram efeitos relevantes na prevenção de doenças e aumento da longevidade. E não se descarta que ocorram grandes perdas de peso sem uso de medicação, mas esse processo leva mais tempo e não é obtido por todos os pacientes."
Mariana Santana, médica e professora de endocrinologia do Grupo Medcof, ressalta que mesmo a perda de peso modesta pode ter impactos benéficos significativos. "A perda superior a 5%, 7% do peso corporal reduz muito a chance de o paciente evoluir de pré-diabete para diabete", exemplifica. "Um paciente que, por exemplo, tem 150kg e pensa: 'Ai, meu Deus, para poder ficar bem, eu tenho que chegar a 80kg' está enganado. A gente tem que conversar com ele, porque, justamente, se ele conseguir perder uns 10% do seu peso corporal, reduz bastante a chance de evoluir com diabete, hipertensão, dislipidemia, reduz morte cardiovascular. Então, nosso objetivo, quando a gente trata a obesidade, é mantê-la controlada, é reduzir desfechos, complicações relacionadas à obesidade."
Atividade física
Os dados do estudo mostraram, ainda, que o grupo que perdeu peso manteve níveis mais altos de atividade física, ao contrário dos demais, nos quais o sedentarismo aumentou com o tempo. Isso pode ter potencializado os efeitos positivos do emagrecimento, acreditam os autores.
Muitas pesquisas anteriores haviam mostrado que emagrecer ajuda a prevenir o diabetes tipo 2. Agora, os autores do novo estudo queriam saber se a perda de peso saudável traria outras vantagens de longo prazo, como reduzir risco cardiovascular, de câncer ou de doenças pulmonares.
Os resultados indicaram que sim. Mesmo quando excluíram o diabetes da análise, os pesquisadores encontraram reduções significativas nos riscos de outras doenças graves, inclusive, quanto à mortalidade. "Os efeitos benéficos só ficaram evidentes após um longo tempo de acompanhamento, o que pode explicar por que estudos anteriores mostraram resultados inconsistentes", observam.
Oportunidade
O estudo também reforça a importância de iniciar mudanças durante a meia idade, enquanto a maioria das pessoas ainda está saudável. O emagrecimento de indivíduos mais idosos pode estar associado a doenças subjacentes e à perda de massa muscular, o que pode confundir os resultados.
Para os autores, as descobertas reforçam o papel das intervenções comportamentais — como alimentação saudável e exercícios físicos — no combate ao sobrepeso, mesmo em uma era marcada pelo crescimento de medicamentos à base de GLP-1, como as "canetas emagrecedores" e pelas cirurgias bariátrica. "Trata-se de um estímulo para que as pessoas busquem estratégias sustentáveis e acessíveis de perda de peso na vida adulta", afirmam.
O trabalho indica ainda que pessoas que tiveram sobrepeso na juventude e conseguiram normalizar o IMC até o fim da puberdade parecem não manter o risco aumentado de doenças cardiovasculares. Segundo os pesquisadores, isso indica que há tempo e chance real de reversão dos danos potenciais do excesso de peso.
O endocrinologista João Silva Mesquita Filho lembra que a avaliação da obesidade é individual, portanto, a decisão de incluir ou não uma medicação depende da particularidade de cada paciente. "Depende de quanto peso ele precisa perder, se existe compulsão alimentar, se está obeso há muito tempo, entre outras questões relevantes. Portanto, o tratamento não medicamentoso tem o seu valor, mas isso não muda o fato de que alguns pacientes precisarão de intervenção medicamentosa."
TRÊS PERGUNTAS PARA
TIMO STRANDBERG, professor de Geriatria no Hospital de Helsinque, na Finlândia, e autor do artigo publicado na Jama
Como os resultados encontrados no estudo se comparam aos de pessoas que perdem peso por meio de medicamentos ou cirurgia?
Medicamentos e cirurgia induzem uma maior perda de peso e têm efeitos específicos sobre os hormônios intestinais. A intervenção no estilo de vida envolve vários efeitos além da perda de peso — dieta saudável, redução de calorias, atividade física — e esses têm efeitos benéficos próprios. Para medicamentos e cirurgia, é importante ter mais dados sobre os riscos potenciais de grandes perdas de peso relacionadas a possíveis deficiências nutricionais, perda de massa magra, osteoporose, etc. É claro que isso também pode ser um problema com a redução unilateral de calorias.
Quais são as recomendações práticas do estudo?
Não engorde e, se você estiver acima do peso, emagreça. Um peso saudável ao longo da vida é a melhor opção, mas a intervenção no estilo de vida para sobrepeso/obesidade também produz benefícios à saúde a longo prazo, inclusive, para a longevidade. Manter um peso saudável é essencial.
Em termos de políticas públicas, quais as implicações principais?
Ações educativas são muito importantes para promover um peso saudável, como incentivo à redução de alimentos ricos em calorias e incentivo à prática de atividade física. Ganhar peso antes da meia-idade, na juventude e até mesmo na infância, é muito preocupante e causa um fardo pesado para a sociedade. (PO)
Manter a massa muscular é essencial
A partir dos 30 anos, começa a haver perda de massa muscular, um fenômeno acelerado na meia-idade. Por isso, ao iniciar o processo de emagrecimento, os especialistas recomendam um cuidado especial. "A primeira preocupação que a gente tem que ter para existir uma perda de peso saudável e que o paciente consiga manter a massa muscular é, justamente, ter uma reeducação alimentar adequada e manter a prática de atividades físicas resistidas", diz a endocrinologista Mariana Santana, professora do Grupo Medcof.
Segundo a médica, é preciso orientar o paciente sobre o consumo adequado diário de proteínas, assim como a importância da prática de exercícios com resistência, como musculação. Assim, é possível eliminar gordura corporal com o mínimo de perda de massa muscular.
"A gente sabe que perder massa muscular, além de aumentar o risco de reganho de peso, reduz a qualidade de vida", alerta a médica. "Sabemos o quão importante é a massa muscular, principalmente à medida em que o paciente vai envelhecendo. O idoso sarcopênico é aquele que, de fato, tem a maior taxa de mortalidade. Obesidade sarcopênica é uma coisa que a gente não quer de jeito nenhum, principalmente, para o paciente idoso, devido ao risco de quedas e outras complicações relacionadas a isso."
O mais importante, ensina Mariana Santana, é manter uma reeducação alimentar orientada por um profissional de nutrição, garantindo uma dieta equilibrada e sustentável a longo prazo. "E fazer atividade física, principalmente resistida, acompanhada de um bom profissional de educação física, que, com certeza, vai ajudar bastante na redução da perda de massa muscular nesse processo de emagrecimento." (PO)
