
Em um cenário global marcado por conflitos armados e disputas geopolíticas, os representantes dos países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) finalizaram, ontem, a versão final da declaração que será apresentada na reunião da cúpula de chefes de Estado do bloco, que começa oficialmente hoje, no Rio de Janeiro. Devem ser destacados temas que envolvem conflitos armados e o impacto da rivalidade entre Estados Unidos e China.
Os chamados sherpas — alto escalão que representa os presidentes nas negociações diplomáticas — conseguiram chegar ao que fontes diplomáticas definem como um "consenso possível" sobre três dos pontos mais sensíveis e que vinham travando o documento nas últimas rodadas. A redação final aguarda aprovação do Brics.
Os novos membros, como Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes também participaram da elaboração do texto. Embora ainda não tenha sido oficialmente divulgado, a movimentação dos bastidores indica que os temas mais delicados envolvem a guerra entre Rússia e Ucrânia, a escalada de violência em Gaza, e os efeitos econômicos da disputa comercial entre Estados Unidos e China. Essas questões afetam diretamente os interesses geopolíticos e diplomáticos dos membros do bloco.
A reunião da cúpula no Rio ocorre em um dos momentos mais turbulentos do cenário internacional dos últimos anos. De um lado, a Rússia, membro do Brics, segue envolvida em uma guerra que se arrasta há mais de três anos contra a Ucrânia. Do outro, os novos integrantes, Irã e Arábia Saudita, representam lados opostos em disputas regionais no Oriente Médio, incluindo a guerra em Gaza e a instabilidade no Iêmen.
O bloco tenta se firmar como alternativa ao G7 e à ordem internacional liderada pelos EUA e Europa, buscando promover um novo tipo de multilateralismo baseado na cooperação Sul-Sul. O fator torna ainda mais complexa a construção de um texto consensual, que precisa evitar condenações diretas ou posicionamentos que criem atritos internos.
Discurso de Lula
Na abertura do Fórum Empresarial do Brics, ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um pronunciamento, em defesa de um novo modelo de desenvolvimento baseado em justiça social, transição ecológica e soberania tecnológica. Diante de empresários, representantes de governo e lideranças internacionais, o petista destacou que o bloco, que reúne 11 países, tem, atualmente, um papel estratégico no futuro da economia global.
"Fortalecer o complexo industrial da saúde amplia o acesso a medicamentos e é fundamental para superar doenças socialmente determinadas que afligem os mais vulneráveis", afirmou o presidente brasileirto, ao defender maior protagonismo dos países do grupo em áreas sensíveis ao bem-estar social e ao desenvolvimento humano.
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Com forte ênfase na inovação, o chefe do Executivo destacou que a revolução tecnológica passa por todos os setores econômicos e que, por isso, é preciso criar condições equitativas para que startups e pequenas empresas também possam inovar. Ele propôs que os países do bloco atuem para construir diretrizes claras e multilaterais sobre o uso da inteligência artificial (IA).
Transição verde
Outro eixo central do discurso foi a transição ecológica. O presidente Lula reiterou que a descarbonização das economias é "um processo irreversível" e lembrou que o Brasil apresentou novas metas climáticas (NDCs), com previsão de redução entre 59% e 67% das emissões de gases de efeito estufa. "Estamos comprometidos com uma transição ecológica justa e inclusiva, especialmente às vésperas da COP 30", completou.
Segundo o presidente, os países do Brics estão entre os maiores investidores globais em energia renovável e concentram reservas estratégicas para a transição energética: 84% das terras raras, 66% do manganês e 63% do grafite do mundo.
"A demanda por esses minérios vai triplicar até 2040. Queremos ir além da extração dessas riquezas e qualificar nossa participação em toda a cadeia de suprimento", afirmou, destacando o potencial do Brasil no refino sustentável desses materiais, com energia limpa, marcos regulatórios estáveis e mão de obra qualificada.
Lula também ressaltou o papel do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o banco do Brics, criado em 2014. De acordo com ele, a instituição aprovou mais de US$ 40 bilhões em 120 projetos de infraestrutura e energia limpa. "O NDB tem contribuído para reduzir custos de transação ao impulsionar o uso de moedas locais", observou.
Outro avanço citado foi a criação de um sistema de pagamentos transfronteiriços instantâneos e seguros, em articulação entre os bancos centrais dos países do grupo. O presidente ainda celebrou o desempenho do BNDES, que destinou mais de US$ 50 bilhões desde 2023 para projetos de transformação produtiva sustentável. (Colaborou Renata Giraldi)
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