Três anos de debates intensos e duas reuniões internacionais depois, o tratado global contra a poluição por plásticos nem chegou a "entrar no papel". Com a rejeição dos dois rascunhos apresentados pela presidência das negociações em Genebra, na Suíça, sequer há um texto-base a ser discutido. Caso o assunto volte à mesa — ainda não há cronograma definido —, as delegações dos 185 países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) que se comprometeram com um "documento ambicioso", terão de voltar ao esboço traçado em Busan, na Coreia do Sul, no fim de 2024.
Nos 10 dias da segunda etapa de negociações (CNI5-2), encerrada ontem, não se chegou perto de um consenso, frustrando especialmente os Estados insulares do Pacífico, margeados por toneladas de poluição plástica despejada nos oceanos. De um lado, estava o bloco dos países empenhados em medidas concretas para a redução da produção do material e o banimento de aditivos químicos conhecidamente maléficos para a saúde e o meio ambiente. Do outro, os grandes produtores de petróleo, que insistiram em focar mais na gestão dos resíduos.
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O Brasil, quarto maior produtor mundial de plástico e líder do setor na América Latina, posicionou-se ao meio, frustrando quem esperava do país uma postura combativa, como a assumida nas negociações da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC). "O país tem uma posição mais equilibrada em relação a essa discussão, ele entende a importância de um tratado que considere todo o ciclo de vida do produto plástico, incluindo a produção. Mas, não necessariamente, tem uma postura definitiva em relação à limitação da produção", define Alexander Turra, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), professor titular do Instituto Oceanográfico da USP e responsável pela Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano.
Banimento
Turra acredita que a postura da delegação brasileira em Genebra "traz, eventualmente, questionamentos entre a dualidade de como o Brasil se posiciona da discussão da COP (das mudanças climáticas) e na dos plásticos". O país, por exemplo, voltou atrás sobre a exigência do banimento de aditivos perigosos, já proibidos em alguns países, e apoiou a adoção de ações voluntárias para o tratado do plástico, em desacordo com o posicionamento do bloco que defendia medidas vinculantes.
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No ano passado, em Busan, as delegações construíram o texto sobre o qual se debruçaram nos últimos 10 dias. Havia cerca de 100 pontos que deveriam ser discutidos, revistos e acordados para se chegar à redação do tratado. Porém, os dois rascunhos apresentados pelo embaixador equatoriano Luis Vayas Valdivieso, presidente das negociações, agradaram a poucos, como a Arábia Saudita, que se mostrou disposta a debater o projeto. Em entrevista à agência de notícias France Presse (AFP), Valdivieso garantiu que o encontro de Genebra não terminou. "A Secretaria trabalhará para encontrar uma data e um local para celebrar a CNI5-3", acrescentou.
Em nota, a ministra francesa de Transição Energética, Agnès Pannier Runacher, lamentou o fracasso da reunião na Suíça. "Alguns países, guiados por interesses financeiros de curto prazo e não pela saúde de suas populações e pela sustentabilidade de suas economias, bloquearam a adoção de um tratado ambicioso contra a poluição por plásticos."
Kate Lynch, chefe da delegação australiana, também divulgou um texto sobre o tratado frustrado. "Sabemos que se trata de uma questão importante para a comunidade global, particularmente para o Pacífico, onde se sente um impacto descomunal da poluição por plástico", disse. "Estamos muito decepcionados, como outros já disseram, por não termos conseguido avançar como comitê para finalizar um tratado aqui em Genebra."
Social
Organizações não-governamentais que acompanharam a CNI5-2 também se posicionaram sobre a ausência de acordo. "Cada dia sem um acordo ambicioso significa mais plástico nos oceanos, mais riscos silenciosos e duradouros à saúde humana e mais perda irreversível de biodiversidade. Não se trata apenas de um problema ambiental, é também uma questão econômica, social e de justiça entre gerações. O tempo para concessões acabou: precisamos de um tratado forte, vinculante e efetivo, à altura da emergência que vivemos, e que seja capaz de mudar o rumo dessa história", disse Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil.
Na véspera da abertura do encontro em Genebra, uma comissão de cientistas internacionais publicou um artigo na revista The Lancet sobre os impactos nocivos do plástico à saúde ambiental e humana. No texto, que compara a Terra a um "cemitério de plástico", os especialistas afirmam que a produção do material deve triplicar até 2060, passando de 475 milhões para 1,2 bilhão. Atualmente, 8 bilhões de toneladas métricas de lixo formado por diversos tipos de polímeros sintéticos poluem a Terra.
