Qualidade de Vida

Hábito de fumar interfere em procedimentos cirúrgicos, alerta estudo

Fumar está associado a uma incidência até 51% maior de complicações pós-cirúrgicas, inclusive em casos de procedimentos estéticos, pois há aumento de probabilidade de trombose, rompimento da incisão e má cicatrização, entre outros

No cigarro, há mais de 4 mil substâncias tóxicas que impactam negativamente na microcirculação e na oxigenação dos tecidos -  (crédito: Freepix/Divulgação)
No cigarro, há mais de 4 mil substâncias tóxicas que impactam negativamente na microcirculação e na oxigenação dos tecidos - (crédito: Freepix/Divulgação)

Fumantes têm um risco significativamente maior de complicações em cirurgias, incluindo as estéticas, segundo estudos independentes que, juntos, avaliaram dados de milhares de pacientes submetidos a procedimentos diversos na Europa, no Canadá e nos Estados Unidos. O mais recente, publicado na revista The Lancet por pesquisadores da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, constatou que mesmo quem parou com o hábito seis semanas antes de encarar a sala de operações teve 51% mais intercorrências dentro de 30 dias, comparado aos não-tabagistas. 

Leia mais:

Pesquisa brasileira abre debate sobre tratamentos alternativos para insuficiência cardíaca

Estradiol pode ser o antídoto que ativa a memória na menopausa

A pesquisa britânica avaliou dados de 16.327 pacientes submetidos a cirurgias abdominais eletivas em 442 hospitais de 29 países europeus. "Pacientes que pararam de fumar até seis semanas antes da cirurgia ainda tiveram risco mais elevado de intercorrências", explica Sivesh Kathir Kamarajah, principal autor do estudo.  "Observamos complicações aumentadas até naqueles que pararam de fumar semanas ou meses antes da operação. Isso desafia a ideia de que basta uma pausa curta para reduzir os riscos", afirma. 

Atualmente, as diretrizes internacionais recomendam parar de fumar pelo menos quatro a seis semanas antes de uma cirurgia. Para os pesquisadores de Birmingham, porém, os novos dados sugerem que isso pode não ser suficiente. "O Isso mostra que os efeitos do cigarro no organismo não desaparecem rapidamente. O impacto sobre o sistema imunológico e sobre a cicatrização pode persistir por meses", destaca Kamarajah. 

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

Necrose

Enquanto o estudo britânico investigou especificamente as complicações associadas a cirurgias abdominais, uma equipe da Universidade de McGill, no Canadá, comparou as intercorrências em procedimentos estéticos. O estudo, publicado recentemente na Revista da Sociedade Canadense de Cirurgiões Plásticos, analisou dados de 82 artigos científicos produzidos no país norte-americano. Os resultados mostraram que fumantes e pessoas que pararam de fumar pouco tempo antes das operações tiveram uma incidência significativa de complicações como necrose da pele, infecções e má cicatrização. 

Segundo os autores, esse é o maior levantamento já realizado sobre a associação entre tabagismo e procedimentos estéticos. As cirurgias mais estudadas foram abdominoplastia e paniculiectomia (redução de pele do abdômen), além de mamoplastia redutora. Em todos os casos, a incidência de complicações foi maior entre fumantes. "Os efeitos nocivos do tabaco na microcirculação e na oxigenação dos tecidos explicam a maior propensão a necrose, deiscência de suturas (abertura das incisões) e infecções", destacam os autores. Isso ocorre porque as mais de 4 mil substâncias tóxicas do cigarro prejudicam o fluxo sanguíneo, comprometendo o processo de cicatrização.

A revisão mostrou ainda que o tabagismo está ligado a piores resultados também em outros procedimentos, como implantes de mama, lifting facial e lipoaspiração. "O cigarro é irritante à mucosa respiratória, o que causa acúmulo de secreção, podendo complicar a anestesia. Além disso, a tosse pode atrapalhar a recuperação de algumas cirurgias como abdômen e face. Do ponto de vista vascular, o risco de trombose também é maior em pacientes fumantes", explica Beatriz Lassance, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. 

Segundo a médica, dados recentes da Sociedade Norte-Americana de Cirurgia Plástica sugerem estatísticas alarmantes de complicações pós-cirúrgicas em tabagistas. "Alguns estudos, como um publicado em fevereiro, apontam um aumento de até quatro vezes o número de complicações e intercorrências em decorrência do tabagismo, tanto no aparelho respiratório como em relação ao risco de necroses e de dificuldade de cicatrização da área operada", observa Beatriz Lassance. 

Trombose

A cirurgiã vascular Aline Lamaita, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, lembra que a nicotina reduz a espessura dos vasos sanguíneos, o que eleva o risco de trombose. "O monóxido de carbono oferece um fator adicional de risco ao diminuir a concentração de oxigênio no sangue. Todo esse processo pode causar complicações para o normal funcionamento dos vasos, que ficam mais suscetíveis ao entupimento, principalmente quando há fatores de risco envolvidos", afirma. 

Os autores da meta-análise canadense observam que a maior contribuição de estudos sobre tabagismo e complicações pós-cirúrgicas é reforçar a necessidade de orientar pacientes sobre os riscos do cigarro. "O tabagismo é um fator de risco modificável. Intervenções de cessação podem reduzir complicações, melhorar a satisfação dos pacientes e otimizar os resultados cirúrgicos", afirmam, no artigo.  

Sivesh Kathir Kamarajah, da Universidade de Birmingham, concorda. "Cirurgias eletivas (não emergenciais) são uma oportunidade única para os profissionais de saúde implementarem estratégias eficazes para os pacientes tabagistas pararem de fumar, melhorando tanto os resultados cirúrgicos a curto prazo quanto a saúde a longo prazo", diz. "A incorporação de programas robustos para ajudar as pessoas a parar de fumar em casos de cirurgias eletivas pode levar a um atendimento preventivo mais eficiente em todo o sistema de saúde", defende.

Duas perguntas para  Armando Lobato, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular

O estudo da Universidade de Birmingham mostrou que fumantes têm mais complicações no pós-operatório de cirurgias eletivas. No caso específico das vasculares, por que o tabagismo representa um risco ainda maior?

O cigarro é um agressor direto do sistema arterial. Ele provoca inflamação, disfunção endotelial, vasoconstrição e favorece a coagulação, exatamente os mecanismos que originam e agravam as doenças arteriais. Nas cirurgias vasculares, isso significa maior risco de trombose em enxertos e stents, mais infecções de ferida e pior perfusão em tecidos que já sofrem com isquemia. Por isso, para nós, o tabagismo não é apenas um fator de risco, mas parte da própria doença que tratamos.

Muitos pacientes acreditam que parar de fumar dias antes da cirurgia já basta. Quanto tempo antes seria seguro?

Qualquer período sem fumar já traz benefícios, mas do ponto de vista cirúrgico precisamos de mais tempo para reduzir complicações. Em 48 a 72 horas já há queda de monóxido de carbono e nicotina no organismo, mas para ter impacto real na cicatrização e nas complicações pulmonares é necessário pelo menos quatro semanas de abstinência. O ideal, quando possível, é suspender o cigarro de quatro a oito semanas antes da cirurgia eletiva. Essa janela aumenta a segurança e melhora muito o resultado pós-operatório.

  • Google Discover Icon
postado em 02/09/2025 05:10
x