COP30

Trajetória lenta e perigosa na redução de emissões dos gases de efeito estufa

Relatório que acompanha metas nacionais mostra uma redução de apenas 10% das emissões de gases de efeito estufa até 2035. OMS alerta, em outro documento, que mudanças climáticas põe o mundo em uma crise sanitária sem precedentes

Logotipo da COP30 no Porto de Belém (PA), que sediará o evento global: momento para acelerar metas, segundo ambientalistas -  (crédito: Thomas MORFIN / AFP )
Logotipo da COP30 no Porto de Belém (PA), que sediará o evento global: momento para acelerar metas, segundo ambientalistas - (crédito: Thomas MORFIN / AFP )

Dez anos depois do Acordo de Paris e a poucos dias da COP30, em Belém (PA), a Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece progressos no combate às mudanças climáticas, mas enfatiza que o ritmo de redução de emissões está longe do necessário para manter o aquecimento global em 1,5°C até o fim do século. O Relatório Síntese das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), documento que reúne as novas metas nacionais de 64 países apresentadas entre janeiro de 2024 e setembro de 2025, foi divulgado ontem pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). 

Fique por dentro das notícias que importam para você!

SIGA O CORREIO BRAZILIENSE NOGoogle Discover IconGoogle Discover SIGA O CB NOGoogle Discover IconGoogle Discover
  • Como camisinhas ajudaram a estudar cigarras na Amazônia
  • Pesquisa mostra os patógenos que "derrotaram" o exército de Napoleão

 Os compromissos atualizados, que incluem os do Brasil, abrangem cerca de 30% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) e apontam para uma redução média de 17% — variando de 11% a 24% — no lançamento desses poluentes até 2035, em comparação com os níveis de 2019. Caso todas as metas sejam integralmente cumpridas, as emissões combinadas poderão cair até 24% — o que, embora positivo, ainda é insuficiente para estabilizar o clima global. A projeção é que, para esse grupo de países, as emissões atinjam o pico antes de 2030 e declinem significativamente até 2035.

Para ter um retrato mais fiel da situação, a ONU adicionou o anúncio da China e da União Europeia, que não apresentaram os planos a tempo. Porém, ambos divulgaram estimativas e, nesse caso, chegou-se a uma média global de cerca de 10%. No percentual está incluído o compromisso norte-americano assumido por Joe Biden antes de o presidente Donald Trump ser eleito para um novo mandato, e isso pode mascarar as conclusões, já que o magnata republicano retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. 

Velocidade

Simon Stiell, secretário-executivo da ONU para Mudanças Climáticas, admitiu que a imagem está "incompleta". Mas ressaltou que, com os acréscimos feitos pelos especialistas, as emissões globais cairão cerca de 10% no fim da próxima década. Em nota, Stiell afirmou que a humanidade está "claramente achatando a curva da trajetória das emissões", mas ressaltou que a velocidade é aquém da necessária.

"Embora a direção esteja melhorando a cada ano, há uma necessidade urgente de mais velocidade e de ajudar mais países a adotar ações climáticas mais fortes." Na semana passada, o secretário-executivo da ONU, António Guterres alertou que "não conseguiremos conter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC nos próximos anos".

Na avaliação de Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima, a síntese de dados, que inclui apenas um terço dos signatários do Acordo de Paris, impede uma avaliação real do que vai ocorrer. "Mas nos diz muito sobre o grau de comprometimento dos países com o maior desafio que a humanidade enfrenta. Temos uma enorme lacuna a fechar, e a COP30 é o momento para fazê-lo." A conferência, sediada pelo Brasil, começa em 10 de novembro. 

Economia 

Oitenta e nove por cento dos países analisados já adotaram metas que abrangem toda a economia, segundo o relatório — um avanço em relação às NDCs anteriores, que cobriam 81% dos setores produtivos. A ONU também cita o conceito de "transição justa", que aparece em 70% das NDCs. A maioria dos países afirma que pretende integrar políticas de inclusão social e geração de emprego verde ao processo de descarbonização, evitando que a mudança para economias de baixo carbono aprofunde desigualdades. 

Para Bruno H. Toledo Hisamoto, analista de diplomacia climática do Instituto ClimaInfo, o relatório, de fato, indica que os países estão no caminho certo, embora o movimento seja lento. "Se os compromissos nacionais apresentados até agora saírem do papel, teremos a primeira redução substancial de emissões de carbono desde a Revolução Industrial", admite. "Mas a queda estimada de 10% até 2035 é pequena quando comparada com os quase 60% de redução de emissões defendidos pelo IPCC para conter o aquecimento global em 1,5°C neste século."

 


Mitigação e adaptação

 "O relatório Síntese é sempre um dos documentos mais aguardados antes das COPs, porque permite avaliar o nível de ambição e implementação das NDCs e o quanto estamos, de fato, no caminho para limitar o aquecimento a 1,5°C, conforme o Acordo de Paris. O que vemos é um cenário preocupante: apenas 63 países apresentaram novas NDCs, e mesmo no melhor cenário, a redução projetada das emissões até 2035 é de apenas 24%, muito abaixo dos 60% necessários com base nas emissões de 2019. Por outro lado, há avanços importantes, como o fortalecimento das sinergias entre mitigação e adaptação, especialmente em ações baseadas na natureza. Essas soluções reduzem custos, aumentam a resiliência das comunidades e trazem benefícios que vão muito além do carbono, como a manutenção da biodiversidade, da água e do equilíbrio climático. No caso do Brasil, conservar a Amazônia é essencial não só para o clima global, mas para garantir água e qualidade de vida nas regiões Centro-Oeste e Sudeste."

Alexandre Prado, líder de mudanças climáticas do
WWF-Brasil

Consequências catastróficas para a saúde

O Brasil é o epicentro latino-americano da crise climática, e também da esperança por ações que combatam o impacto sem precedentes do aquecimento global na saúde pública. A conclusão é do relatório Lancet Countdown Latin America 2025, divulgado ontem, paralelamente à publicação do cenário global, na revista The Lancet. 

O documento regional, elaborado por 51 pesquisadores de diversas instituições, incluindo a Fundação Oswaldo Cruz e a Universidade de São Paulo (USP), mostra que o aquecimento médio na América Latina chegou a 1°C acima do período 2001-2010, com aumento de 1,2°C no Brasil. A consequência direta é um salto de 450% na exposição de bebês a ondas de calor e de 1.000% entre pessoas com mais de 65 anos, em relação à média de 1981-2000.

O número de mortes relacionadas ao calor na América Latina dobrou em uma década, chegando a cerca de 13 mil por ano. "O que observamos nesse relatório, infelizmente, é que os impactos na saúde humana têm piorado e o cenário não parece mudar", lamentou, em uma coletiva de imprensa on-line, Stella Hartinger, diretora do Centro de Pesquisa Lancet Countdown para a América Latina. 

O Brasil é destaque no relatório, que lembra os eventos climáticos extremos simultâneos de 2024, com enchentes e secas recorde. Segundo o Observatório de Clima e Saúde da Fiocruz, os incêndios na Amazônia Legal triplicaram as internações por problemas respiratórios, que passaram de 3,3 mil em 2021 para 9,3 mil em 2023. 

Planos

Apesar da gravidade do cenário, apenas 53% dos países latino-americanos têm planos nacionais de adaptação em saúde, e menos da metade realizou avaliações de vulnerabilidade desde 2020. No Brasil, a integração das ações é considerada frágil pelos autores do relatório e depende de ciclos políticos e orçamentários curtos. 

Com a realização da conferência climática COP30 em Belém (Pará), o Brasil é visto no relatório como símbolo de esperança e "farol para uma ação equitativa e centrada na saúde". O documento cita a proposta da presidência do evento de um Plano de Ação em Saúde, para fortalecer a vigilância integrada de riscos climáticos, criar sistemas de alerta precoce e ampliar a cooperação regional em financiamento e pesquisa.

Mundo

No cenário global, o relatório Lancet Countdown sobre Saúde e Mudanças Climática revela que 12 dos 20 indicadores que monitoram ameaças à vida atingiram níveis sem precedentes. Com a falta de combate aos efeitos do aquecimento do planeta, a taxa de mortes relacionadas ao calor aumentaram 23% desde a década de 1990, totalizando 546 mil por ano. 

Os autores afirmam que 2,5 milhões de mortes a cada ano são atribuíveis à poluição do ar causada pela queima contínua de combustíveis fósseis. Além disso, somente em 2024, a má qualidade atmosférica devido à fumaça de incêndios florestais foi associada a um recorde de 154 mil óbitos mortes, enquanto o potencial médio global de transmissão da dengue aumentou em até 49% desde a década de 1950.

"O balanço da saúde deste ano pinta um quadro sombrio e inegável dos danos devastadores à saúde que atingem todos os cantos do mundo - com ameaças recordes à saúde causadas pelo calor, eventos climáticos extremos e fumaça de incêndios florestais, matando milhões", comentou Marina Romanello, diretora-executiva da Lancet Countdown na Universidade College London, no Reino Unido. "A destruição de vidas e meios de subsistência continuará a aumentar até que acabemos com nossa dependência de combustíveis fósseis e melhoremos drasticamente nossa capacidade de adaptação." (PO)

 


  • Google Discover Icon
postado em 29/10/2025 06:00
x