Em um mundo que demanda cada vez mais materiais sustentáveis e adequados a novas tecnologias, a Academia Real das Ciências da Suécia escolheu o trabalho de três cientistas pela criação de moléculas superversáteis, capazes de revolucionar desde a captura de gases de efeito estufa à obtenção de água em regiões áridas. O japonês Susumu Kitagawa, o britânico Richard Robson e o jordano-americano Omar M. Yaghi são os vencedores do Prêmio Nobel de Química de 2025 pelas pesquisas com as chamadas estruturas metalorgânicas, ou MOFs, iniciadas em 1989.
Cristais com espaços internos microscópicos, capazes de aprisionar ou liberar substâncias específicas, essa combinação de íons metálicos e moléculas orgânicas pode ser projetada para aplicações diversas. Como uma esponja, os MOFs, por exemplo, são capazes de retirar gases da atmosfera, armazenar compostos tóxicos e catalisar reações químicas, além de conduzir eletricidade.
Na coletiva de imprensa onde os nomes foram revelados, Olof Ramström, professor de química orgânica e membro da Academia Real das Ciências da Suécia, destacou que o trabalho independente do trio deu origem a "dezenas de milhares de novas redes moleculares criadas por outros cientistas". Em tom de brincadeira, ele comparou: "Uma pequena quantidade desse material pode ser quase como a bolsa da Hermione, em Harry Potter", em referência ao acessório da personagem, que parece sem fundo.
Desertificação
O Comitê do Nobel também lembrou que o grupo de pesquisa de Yaghi, que vem de uma família de refugiados palestinos nos Estados Unidos, pode ajudar a enfrentar um problema crescente: a desertificação e a demanda por água potável. "O grupo extraiu água do ar desértico do Arizona", disse . "Durante a noite, as estruturas metalorgânicas capturaram o vapor do ar. Quando chegou o amanhecer e o Sol aqueceu o material, foi possível coletar a água", narrou.
Professora da Universidade Federal de Ciências de Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e apoiada pelo Instituto Serrapilheira, a química Monique Deon explica que os muitos ambientes vazios dos MOFs podem hospedar "uma quantidade enorme de moléculas". A área de um cristal do tipo pode ultrapassar seis mil metros quadrados dentro de toda a sua estrutura porosa. "Seria como a área de um campo de futebol, concentrada em algo do tamanho de uma colher de chá", compara.
Como o tamanho das cavidades pode ser controlado durante a construção da estrutura, elas funcionam como filtros seletivos, selecionando quais moléculas podem entrar ou ficar de fora. Além da aplicação na captura de CO2 e na descontaminação da água, os MOFs têm utilidade na indústria farmacêutica, pois atua como veículos de medicamentos, liberando as substâncias no organismo. "Essa arquitetura química sofisticada e inteligente está sendo reconhecida pelo prêmio, mostrando como a química de materiais pode lançar ferramentas para os desafios futuros, como o enfrentamento das mudanças climáticas, o desenvolvimento sustentável e a inovação em saúde", resume Monique Deon.
Colapso
A trajetória da descoberta dos MOFs começa em 1989, quando Richard Robson, então na Universidade de Melbourne, na Austrália, experimentou ligar íons de cobre a moléculas orgânicas formando cristais porosos. O resultado era promissor, mas frágil: as estruturas colapsavam com facilidade. O trabalho ganhou novo impulso nos anos 1990, quando Susumu Kitagawa, da Universidade de Kyoto, no Japão, demonstrou que essas construções poderiam deixar gases entrarem e saírem livremente, prevendo inclusive que poderiam ser flexíveis.
Poucos anos depois, Omar Yaghi, da Universidade da Califórnia em Berkeley, conseguiu criar versões muito mais estáveis e com propriedades ajustáveis, abrindo caminho para aplicações práticas. Desde então, os MOFs deixaram de ser apenas curiosidades científicas e se tornaram ferramentas relevantes. Entre as frentes promissoras, estão os estudos das estruturas metalorgânicas como materiais condutores, com aplicações possíveis em sensores, baterias e dispositivos eletrônicos avançados.
No Brasil, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) pesquisa as modificações estruturais que o MOF pode sofrer durante a aplicação. "Se o resultado não for satisfatório, o pesquisador pode retornar à síntese química e formular novos compostos mais resistentes ou mais adequados ao gás de interesse", explica a cientista Cristiane Barbieri Rodella, que pesquisa as estruturas no acelerador Sirius, do CNPEM (leia entrevista nesta página).
Em entrevista à Fundação Nobel, o laureado Omar Yaghi destacou a importância de investimento em pesquisa em um cenário de cortes orçamentários implementados pelo presidente Donald Trump. "A ciência é uma joia do nosso país. Não podemos nos dar ao luxo de deixá-la cair." Yaghi também se referiu à origem palestina — ele imigrou para os Estados Unidos aos 15 anos. "Pessoas inteligentes, talentosas e competentes existem em todos os lugares. Devemos realmente nos concentrar em liberar seu potencial, oferecendo-lhes oportunidades", afirmou.
Os três laureados dividirão o prêmio de 11 milhões de coroas suecas, o equivalente a R$ 5,32 milhões. A cerimônia do Nobel será em Estocolmo, no próximo mês.
