
Comer bem desde cedo ajuda no crescimento equilibrado — e, para as mulheres, isso ganha contornos ainda mais relevantes. Novos estudos apontam que uma dieta saudável na infância está associada não somente a uma puberdade mais tardia para as meninas, mas também a uma vida adulta mais longa e com menos risco de doenças crônicas. Além disso, outras análises evidenciam que menstruar antes dos 11 anos pode influenciar na saúde cardiometabólica feminina.
- Adeus a James Watson, um dos descobridores do mapa da vida
- Brasileiros desenvolvem composto químico para combater Alzheimer
Uma pesquisa conduzida pelo Fred Hutchinson Cancer Center, nos Estados Unidos, acompanhou cerca de 7.500 meninas entre 9 e 14 anos para verificar como a alimentação poderia interferir na menstruação. Os resultados revelaram que aquelas que seguiam uma dieta rica em frutas, vegetais, grãos integrais, leguminosas e gorduras saudáveis tiveram a menarca mais tarde do que as que consumiam comidas ultraprocessadas, carnes vermelhas e bebidas açucaradas.
O estudo, que faz parte do programa Growing Up Today Study (GUTS), mostrou que o efeito relatado não estava relacionado ao índice de massa corporal (IMC) nem à altura das participantes, sugerindo que a qualidade dos alimentos tem impacto real no desenvolvimento puberal. Para os cientistas, as descobertas, publicadas nas revistas Human Reproduction e eLife, reforçam o papel da nutrição e do momento reprodutivo na determinação da saúde ao longo da vida.
Segundo Holly Harris, autora principal do trabalho, os resultados destacam a importância de garantir às crianças e aos adolescentes o acesso a refeições equilibradas e baseadas em evidências científicas, especialmente nas escolas. "Uma dieta saudável não somente favorece o desenvolvimento adequado como pode ter repercussões duradouras na prevenção de doenças crônicas na vida adulta", afirmou.
Cláudia Lúcia Barbosa Salomão, ginecologista e membro da Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia, frisou a existência de algumas doenças vinculadas à menarca precoce, como o câncer de mama. "Vemos menores índices desse tumor em indivíduos que se alimentam melhor, com uma dieta rica em fibras, em grãos, e não inflamatória. Isso já foi comprovado em trabalhos anteriores."
Riscos maiores
Os dados revelaram que meninas com as dietas mais saudáveis tinham 8% menos probabilidade de menstruar precocemente, enquanto aquelas com padrões alimentares mais inflamatórios apresentaram risco 15% maior. A menarca antes do período normal, segundo Harris, é um marcador importante, pois está ligada a maior risco futuro de diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares, além do câncer de mama.
Essas conclusões dialogam com um estudo publicado na revista eLife por pesquisadores do Buck Institute for Research on Aging, nos Estados Unidos. Ao analisar dados genéticos de quase 200 mil mulheres, a equipe liderada pelo professor Pankaj Kapahi identificou que meninas que entram na puberdade antes dos 11 anos ou mulheres que têm filhos antes dos 21 apresentam o dobro de risco de desenvolver diabetes tipo 2, obesidade e insuficiência cardíaca, além de quatro vezes mais chances de sofrer distúrbios metabólicos graves.
A pesquisa também evidenciou que a puberdade e o parto tardios estão associados a uma expectativa de vida mais longa, envelhecimento mais lento e menor propensão a doenças como Alzheimer. Os cientistas identificaram 126 marcadores genéticos envolvidos nesses processos, muitos — como IGF-1, AMPK e mTOR — relacionados às vias de longevidade conhecidas e que regulam o metabolismo.
Para Kapahi, os resultados trazem implicações diretas para a saúde pública. "A idade da menarca e o histórico reprodutivo são dados rotineiramente coletados, mas raramente considerados fora da ginecologia. Nosso estudo mostra que eles têm peso significativo na saúde geral e deveriam orientar estratégias preventivas e personalizadas", afirmou. Ele acrescenta que o IMC parece atuar como mediador crítico, e eventos reprodutivos precoces tendem a elevar o peso corporal, o que, por sua vez, aumenta o risco de doenças metabólicas.
Cada vez mais cedo
Conforme Cristiane Kochi, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo, o início puberal antes do tempo tem sido mais frequente nas últimas décadas. "Em meninas, está muito associado ao ganho de peso excessivo. Portanto, estimular hábitos de vida saudáveis desde cedo na infância é muito importante."
Kochi destacou que alguns casos de menarca precoce têm origem em alterações nos genes MKRN3, DLK1, entre outros. "Mudanças no DLK1 estão associadas à puberdade prematura ligada à obesidade, portanto, maior risco cardiovascular. Além disso, há influência das modificações epigenéticas — quando o ambiente modula a expressão de genes."
A teoria da "pleiotropia antagônica", citada por Kapahi no trabalho, sugere que características genéticas que favorecem a reprodução precoce podem ter custos metabólicos e de longevidade na vida adulta. Assim, o mesmo impulso evolutivo que garante a sobrevivência da espécie pode acelerar o envelhecimento individual.
Harris ressaltou que, embora os resultados ainda precisem de confirmação, as evidências apontam para um benefício imediato de hábitos alimentares saudáveis. "Sabemos que dietas equilibradas reduzem o risco de doenças crônicas, mas agora vemos que também podem influenciar positivamente o desenvolvimento reprodutivo."
Saiba Mais
Como até a luz artificial pode interferir na menstruação
Fatores internos e externos influenciam o ciclo menstrual, impactando o desempenho cognitivo e a saúde reprodutiva. De um lado, um estudo conduzido por pesquisadores da University College London, na Inglaterra, revelou que as mulheres apresentam mais facilidade de realizar tarefas mentalmente exigentes durante a ovulação. De outro, cientistas da Universidade de Würzburg, na Alemanha, apontam que a exposição crescente à luz artificial pode interferir no ciclo hormonal.
No estudo britânico, publicado na revista Sports Medicine, 54 mulheres entre 18 e 40 anos participaram de testes que avaliaram atenção, tempo de reação e precisão — habilidades essenciais na vida cotidiana. As voluntárias foram monitoradas ao longo das quatro principais fases do ciclo menstrual.
Os resultados indicaram que, no pico da ovulação, os tempos de reação foram mais rápidos — cerca de 30 milissegundos melhores do que durante a fase lútea média, que antecede a menstruação. "Essa diferença pode parecer pequena, mas em contextos esportivos ou em situações do dia a dia, como tropeçar na calçada, pode ser decisiva", explicou Flaminia Ronca, autora principal do estudo.
Segundo Hitomi Nakagawa, ginecologista, especialista em reprodução assistida, membro da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e vice-presidente da Rede Latinoamericana de Reprodução Assistida (Redlara), o ciclo menstrual envolve variações hormonais que afetam não somente o sistema reprodutivo, mas também funções neurológicas, físicas e emocionais, "como se observa na tensão pré-menstrual." Além disso, ela frisa que o estudo descrito é observacional, "e ainda há necessidade de aprofundar a compreensão das diferenças entre ciclos de uma mesma mulher e entre mulheres distintas, considerando também fatores externos, como o tipo e a intensidade da atividade física praticada".
Efeitos da luz
Enquanto isso, uma equipe liderada pela cientista Charlotte Förster, da Universidade de Würzburg, na Alemanha, analisou registros menstruais de mulheres ao longo dos últimos 50 anos. Os dados mostraram que, antes da popularização de tecnologias como LEDs e smartphones, os ciclos femininos estavam mais sincronizados com os lunares. A partir de 2010, essa sintonia diminuiu visivelmente.
A explicação mais plausível, segundo os pesquisadores, é a crescente exposição à iluminação artificial durante a noite, em especial à luz azul emitida por telas. "O LED tem um impacto mais forte sobre o nosso sistema biológico do que fontes de luz mais antigas, como lâmpadas incandescentes. Isso atrapalha a sincronia entre o relógio biológico humano e os ritmos naturais da Lua", afirmou Förster.
Segundo Flávia do Vale, professora de obstetrícia da Universidade Federal Fluminense e coordenadora da maternidade Perinatal Glória D'or, antes da era elétrica, a variação entre noites muito claras e escuras criava um ritmo ambiental constante. "Essa alternância de luminosidade noturna poderia, ao longo da evolução, ter ajudado a sincronizar os ciclos biológicos femininos. Com o aumento da iluminação artificial — que 'ofusca' o brilho da Lua —, esse estímulo natural se perdeu. LEDs e telas emitem luz azul de alta energia, à qual o olho humano é especialmente sensível. Esse tipo de estímulo interfere na produção de melatonina, que regula o sono e os ritmos hormonais."
Para Flávia, se futuras pesquisas confirmarem essa ligação, compreender como a luz artificial interfere nos ritmos pode abrir novas abordagens para o cuidado hormonal, a fertilidade e até o planejamento contraceptivo. "Por enquanto, é ciência básica, mas o estudo reforça a importância de reconhecer a influência ambiental sobre o corpo feminino, algo que a medicina moderna começa a redescobrir."
Olhar especial para os jovens
A medicina preventiva deve ser praticada e ensinada nas escolas de medicina para que se tenha uma atenção muito especial à questão da dieta e da prática esportiva na população de crianças e adolescentes. Falando de adolescentes, eles fazem parte de uma lacuna que, infelizmente, não preenchida na assistência à saúde de uma maneira geral. Eles são indivíduos que adoecem pouco, por isso, acabam ficando 'abandonados'. A Febrasgo tem uma preocupação muito grande em relação à saúde desses jovens, e por isso temos uma nossa comissão voltada para essa faixa etária.
Cláudia Lúcia Barbosa Salomão, ginecologista e membro da Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo)

Brasil
Flipar
Flipar