Nutrição

População global tem ingestão insuficiente de ômega-3, mostra estudo

Revisão com dados de 100 países, incluindo o Brasil, mostra que 76% da população global não alcança a recomendação mínima para o consumo de ômega-3, uma gordura saudável obtida por meio da alimentação

Suplemento de ômega-3: a OMS considera adequada ingestão de 250 mg por dia dessa gordura -  (crédito: PXHere/Divulgação )
Suplemento de ômega-3: a OMS considera adequada ingestão de 250 mg por dia dessa gordura - (crédito: PXHere/Divulgação )

A ingestão de ácidos graxos EPA, DHA e DPA — os mais ativos da família ômega-3 — é insuficiente em três quartos da população global, segundo uma revisão de 42 estudos publicada na revista Nutrition Research Reviews. A análise de dados de 100 países, incluindo o Brasil, mostra que 76% das crianças, adultos e idosos no mundo não alcança a recomendação diária dessa gordura saudável, produzida por meio da alimentação. Além disso, as diretrizes nacionais variam consideravelmente, alertam os autores, da Universidade de East Anglia e da Universidade de Southampton, no Reino Unido. 

Fique por dentro das notícias que importam para você!

SIGA O CORREIO BRAZILIENSE NOGoogle Discover IconGoogle Discover SIGA O CB NOGoogle Discover IconGoogle Discover

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras agências internacionais consideram adequada a ingestão de 250mg por dia para pessoas saudáveis. Como o corpo não produz ômega-3 naturalmente, para obtê-lo é necessário consumir peixes gordurosos, como salmão, sardinha, cavala e atum, ou microalgas. Em casos específicos, como o de vegetarianos e gestantes, é possível usar suplementos, embora apenas com recomendação de um especialista da área de saúde. 

"Nossa revisão destaca que a suplementação é frequentemente necessária para atingir as ingestões recomendadas, especialmente durante a gravidez e em pessoas com baixo consumo de peixe", atesta Abbie Cawood, pesquisadora da Universidade de Southampton e um dos autores do artigo. "Esperamos que a publicação possa servir como um facilitador para informar as diretrizes dietéticas sobre ômega-3 e moldar as futuras políticas de nutrição e estratégias de saúde pública." 

Desenvolvimento

Os ácidos graxos ômega-3 são importantes em todas as fases da vida, e a insuficiência pode afetar desde o desenvolvimento do cérebro à saúde cardiovascular. "Embora a deficiência clínica grave seja rara, a ingestão insuficiente costuma aparecer como pior perfil inflamatório, triglicerídeos elevados, menor proteção cardiovascular e, no caso de gestantes e bebês, pior suporte ao desenvolvimento cerebral e visual", observa o nutricionista Leandro Rodrigues, professor da Universidade Católica de Brasília (UCB); 

Os benefícios cardiovasculares estão bem estabelecidos, observa Neylon Amorim, cardiologista da Rede Medical. "O ômega-3 é um dos suplementos mais estudados do mundo. Entre os benefícios comprovados, estão a redução de triglicérides — até 30%, com dose alta de suplementação —, a diminuição de até 25% do risco de infarto e derrame em quem já tem gordura no sangue, o controle da inflamação das artérias e a menor chance de rompimento das artérias", diz. Além disso, esses ácidos graxos reduzem de 2 a 5 mgHg a pressão arterial, afirma. 

O médico nutrólogo Felipe Gazoni, de São Paulo, aponta que gestantes/lactantes, crianças e adolescentes são os grupos populacionais mais vulneráveis à insuficiência de ômega-2. "O DHA é crítico para desenvolvimento fetal do cérebro e da retina; a baixa ingestão materna pode afetar reservas fetais e potencialmente o desenvolvimento neurocognitivo", alerta. "Por isso, muitas diretrizes enfatizam consumo de peixe rico em DHA ou suplementação quando a ingestão dietética é insuficiente", explica.

Cultura

Segundo Pâmela Cardoso, nutricionista da Supreme Clinic, em Goiânia, no caso de adolescentes e jovens, a vulnerabilidade ocorre especialmente devido ao baixo consumo das fontes de ômega-3. "Eles consomem menos pescados e, por padrão cultural, raramente atingem níveis adequados. Enquanto gestantes e crianças são os grupos de maior vulnerabilidade fisiológica, os adolescentes e adultos jovens são vulneráveis por hábitos alimentares", resume. 

"Nossa pesquisa analisa as recomendações para gorduras ômega-3 e como elas se comparam ao que as pessoas realmente consomem. Encontramos grandes discrepâncias entre o que é recomendado e o que a maioria de nós consome", comenta Anne Marie Minihane, pesquisadora da Escola de Medicina da Universidade de East Anglia e coautora do estudo. "Para reduzir essa lacuna, precisamos de maneiras mais fáceis e sustentáveis de obter esses nutrientes importantes, como alimentos enriquecidos com ômega-3 ou suplementos", acredita. 

No caso de suplementação, porém, especialistas advertem que somente deve ser feita com indicação do profissional de saúde. O médico nutrólogo Felipe Gazoni destaca que há riscos associados a altas doses de ingestão de EPA e DHA. "O ômega-3 tem efeito antitrombótico; em doses altas, existe preocupação com sangramentos e interação com anticoagulantes, o que exige cautela, especialmente antes de cirurgias", diz. 

Gazoni também esclarece que alguns estudos encontraram uma associação aumentada entre doses maiores de suplementação e risco de fibrilação atrial. Ele também cita efeitos gastrointestinais e alterações no colesterol LDL como complicações em potencial. O professor da Universidade Católica de Brasília Leandro Rodrigues esclarece que há casos em que são necessárias dosagens altas. "Porém, devem ser usadas com indicação clara, como para tratamento de triglicerídeos elevados, depressão e doenças inflamatórias", observa. 

 

Três perguntas para

Murillo Monteiro, médico nutrólogo 

Como a falta de ômega-3 se reflete na saúde? 

Há reflexos clínicos, embora, na maioria dos casos, não apareçam como sintomas diretos, mas alterações sutis em marcadores de risco metabólico e cardiovascular. O baixo consumo de EPA e DHA, ácidos graxos de cadeia longa com ação anti-inflamatória e cardioprotetora, está associado a níveis mais altos de triglicerídeos, inflamação sistêmica leve e pior função endotelial (a "saúde" das artérias). Esses efeitos, cumulativamente, aumentam a vulnerabilidade a doenças cardiovasculares, metabólicas e neurodegenerativas ao longo do tempo. Na prática, não se trata de um quadro carencial clássico, mas de uma insuficiência funcional. A pessoa pode não estar doente, mas tem menor proteção biológica contra processos inflamatórios e oxidativos.

Quais grupos populacionais são mais vulneráveis à baixa ingestão de ômega-3?

São gestantes, crianças e adolescentes, seguidos por adultos com risco metabólico e vegetarianos/veganos. Durante a gestação e a amamentação, a demanda por DHA aumenta muito, pois ele é essencial para a formação do cérebro e da retina do bebê. Quando a dieta da mãe tem pouco peixe, o feto e o recém-nascido podem ter menor desenvolvimento cognitivo e visual. Em crianças e adolescentes, o DHA participa da maturação cerebral e da comunicação entre neurônios. Dietas modernas, com excesso de ultraprocessados e pouco peixe, tornam essa faixa etária especialmente vulnerável. Pessoas com obesidade, dislipidemias e resistência à insulina tendem a se beneficiar mais de níveis adequados de EPA/DHA, já que esses compostos reduzem triglicerídeos e inflamação crônica. No caso de vegetarianos e veganos, como EPA e DHA estão presentes principalmente em peixes gordos e algas, quem não consome esses alimentos geralmente tem níveis baixos e depende de suplementação vegetal (à base de microalgas).

Há riscos associados a altas doses de suplementação?

Sim, altas doses só devem ser usadas com acompanhamento médico. Em doses terapêuticas (acima de 2-3 g/dia de EPA DHA), o ômega-3 é eficaz para reduzir triglicerídeos e pode auxiliar no manejo de risco cardiovascular, mas pode trazer efeitos colaterais, como refluxo, náusea e, em alguns casos, sangramento, especialmente em quem usa anticoagulantes. Para a população em geral, o ideal é atingir a recomendação básica de cerca de 250 a 500 mg/dia de EPA DHA, preferencialmente por meio da alimentação (salmão, sardinha, cavalinha, atum, arenque), com suplementação apenas quando indicada. (PO)

Perda de proteção

Quando falamos em "deficiência", estamos nos referindo a uma ingestão muito abaixo do ideal de EPA e DHA — algo comum no mundo, já que a maioria das populações não atinge nem os 250 mg/dia recomendados para adultos saudáveis. O EPA e o DHA atuam no fígado, reduzindo a produção de VLDL, uma lipoproteína também responsável por transportar triglicerídeos na circulação. Quando consumimos pouco ômega-3, perdemos esse efeito protetor: os triglicerídeos tendem a ficar mais altos do que ficariam com uma ingestão adequada, favorecendo o acúmulo de gordura nas artérias e aumentando o risco cardiovascular. Em níveis muito altos, também cresce o risco de pancreatite. Além disso, EPA e DHA exercem um efeito modesto, porém consistente, na pressão arterial. Do ponto de vista inflamatório, são matéria-prima para moléculas chamadas resolvinas, protectinas e maresinas, que ajudam o organismo a reduzir o processo inflamatório. Os 250 mg/dia de EPA DHA representam uma ingestão mínima voltada à população saudável. Para pessoas com risco cardiovascular intermediário ou alto, essa quantidade funciona como um ponto de partida, mas dificilmente traz impacto clínico relevante sozinha. Nesses perfis, a prioridade continua sendo otimizar o tratamento padrão: uso de estatinas, controle da pressão arterial, glicemia e outros fatores de risco. 

Armindo Jreige Jr., cardiologista do Hospital Sírio-Libanês

  • Google Discover Icon
postado em 05/12/2025 05:02
x