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Estudo inédito de hemofilia aponta barreiras na adesão ao tratamento

Painel reunindo especialistas de 13 estados mostra impacto da rotina exaustiva de aplicações na qualidade de vida, autonomia e mobilidade dos pacientes

Hemofilia -  (crédito: Freepik)
Hemofilia - (crédito: Freepik)

Um estudo inédito apresentado no Congresso Brasileiro de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (HEMO 2025) revelou que a frequência elevada de infusões intravenosas, tratamento padrão disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), é hoje o maior desafio para a adesão de pessoas com hemofilia no Brasil. Segundo o levantamento, 90% dos pacientes que realizam mais de duas infusões semanais consideram a rotina de tratamento um obstáculo para manter o cuidado adequado.

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A pesquisa Esquemas de profilaxia em hemofilia A e B sem inibidores no Brasil baseado em um painel Delphi ouviu 16 especialistas de 13 estados e mostrou que, apenas entre pacientes com hemofilia A sem inibidores, 90,8% fazem três ou mais infusões semanais, o que representa, ao menos, 156 aplicações ao ano. Já entre pessoas com hemofilia B sem inibidores, 94,3% realizam duas ou mais infusões semanais.

Os dados foram detalhados por Rodrigo Antonini, CEO da HEMAP Consulting e responsável pela consultoria técnica do estudo. Segundo ele, a metodologia Delphi permitiu que especialistas chegassem a um consenso sobre as barreiras que mais impactam o paciente brasileiro.

“A frequência de tratamento foi o primeiro do ranking como principal barreira”, explica. “Na hemofilia A, 90,1% fazem mais do que três infusões semanais. Isso significa que, na maior parte dos dias úteis, o paciente precisaria ir ao centro de tratamento ou se organizar para realizar o procedimento em casa.”

A segunda barreira apontada é a própria via de administração. “A via atual é endovenosa. Ela ficou como a segunda maior média no ranking, quase empatada com a frequência”, afirma Rodrigo. O procedimento exige técnica, boa condição venosa e, muitas vezes, deslocamento até centros especializados.

Para a hematologista Alessandra Prezotti, Coordenadora do Programa de Hemofilia do Hemoes (ES) e uma das especialistas participantes, esse cenário tem impacto direto na rotina dos pacientes. “Uma das principais barreiras são a frequência das infusões e o fato de ser uma medicação de ação endovenosa. Muitas crianças reclamam da dificuldade de acesso venoso. Adolescentes não querem fazer a medicação porque se sentem diferentes dos outros”, relata.

Além disso, fatores logísticos também dificultam o tratamento. “A dificuldade para pegar o remédio no centro é um problema. Morar longe significa ter de ir até o local, fazer consulta, pegar a medicação. Isso tudo pesa na adesão”, afirma Alessandra.

Consequências da não adesão

A hemofilia é uma condição genética causada pela deficiência de fatores de coagulação, fator VIII no caso da hemofilia A, e fator IX na hemofilia B. Os pacientes apresentam sangramentos prolongados e risco de sangramentos internos, especialmente nas articulações.

A profilaxia, baseada na reposição frequente desses fatores, previne sangramentos e complicações graves. Sem adesão adequada, as consequências podem ser irreversíveis.

O alerta de Alessandra é direto: "Um único sangramento grave pode levar a um dano irredutível para uma articulação. Se ele sangra mais, tem mais dificuldade de comparecer ao trabalho ou à escola. Isso interfere na empregabilidade e no aprendizado das crianças.”

A artropatia hemofílica, lesão articular causada por sangramentos recorrentes, pode levar à dor crônica, limitação de movimentos e até invalidez precoce. “Não fazer a profilaxia pode causar artropatia, necessidade de órteses e, em casos extremos, cadeira de rodas. Isso impacta seriamente a qualidade de vida”, explica.

Hemofilia A e B: diferenças

A hemofilia A é mais frequente e, em geral, mais grave. “Os pacientes costumam ser mais graves do que na hemofilia B. Por isso, a maioria precisa de infusões mais frequentes. Vemos até 3,6% dos pacientes fazendo fator diariamente”, explica Alessandra.

Na hemofilia B, a reposição dura mais tempo na circulação, o que reduz ligeiramente a necessidade de aplicações. “Na hemofilia B, a média é de duas vezes por semana. Três vezes semanais acontecem em cerca de 21% dos pacientes”, complementa Rodrigo.

Apesar dos avanços no tratamento, o diagnóstico precoce ainda apresenta lacunas, especialmente entre quem não tem histórico familiar. “Hoje, cerca de 50% dos pacientes não têm história familiar de hemofilia. Para essas pessoas, o diagnóstico, especialmente nos casos leves, é mais desafiador”, explica Alessandra. Em quadros menos graves, sintomas podem só surgir na vida adulta, dificultando a identificação.

O SUS oferece o tratamento padrão de forma universal e gratuita, o que coloca o Brasil entre os países referência no cuidado a pessoas com hemofilia. Ainda assim, necessidades não atendidas permanecem.

Rodrigo reforça que os dados nacionais produzidos pelo estudo são essenciais para orientar políticas públicas e análise de novas tecnologias em saúde. “Em termos de contribuição científica, esse tipo de informação é extremamente relevante. Permite comparar tratamentos atuais com novas tecnologias, considerando não só efetividade, mas a realidade dos pacientes, como quantos precisam se deslocar ao centro.”

O estudo foi selecionado para apresentação oral no HEMO 2025 — um reconhecimento de sua relevância na área. “Não foi apenas apresentado em pôster. Foi eleito para apresentação oral, o que mostra o impacto desses dados para a comunidade científica”, celebra Rodrigo.

Os especialistas concordam que avanços futuros devem priorizar tratamentos que reduzam a frequência de infusões e minimizem o impacto na rotina. “A gente precisa de tratamentos que impactem menos a qualidade de vida, melhorem a adesão e resultem em menos sequelas articulares, garantindo uma vida plena”, finaliza Alessandra.

 

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postado em 04/12/2025 12:45
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