
Uma combinação rara de eventos climáticos e decisões políticas tomadas sob a pressão da fome pode ter sido o estopim que introduziu a bactéria da peste bubônica na Europa em 1347. Segundo um estudo publicado na revista Communications Earth & Environment, o aumento da temperatura deflagrado por erupções vulcânicas está associado à Peste Negra, pandemia mais letal da história do continente, com historiadores afirmando que até 60% da população europeia foi dizimada.
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Segundo Martin Bauch e Ulf Büntgen, pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, um conjunto de erupções ainda não identificadas lançou quantidades elevadas de enxofre na atmosfera a partir de 1345. O fenômeno provocou verões excepcionalmente frios e úmidos até 1347, período que, de acordo com reconstruções climáticas e registros históricos, resultou em colheitas arruinadas, enchentes e escassez generalizada de alimentos em regiões como Itália, França, Espanha, Egito e Levante.
Com os estoques vazios e sob risco de fome, as repúblicas marítimas italianas — Veneza, Gênova e Pisa — recorreram à sua rede de comércio de grãos. Em 1347, levantaram um embargo que impedia transações com os mongóis da Horda Dourada e enviaram navios para buscar trigo na região do mar de Azov, no norte do Mar Negro. Documentos da época relatam que Veneza, à beira da inanição, ordenou a compra de grãos "a qualquer preço" e mobilizou agentes no Oriente para garantir carregamentos emergenciais.
Pulgas
O estudo mostra que esses navios, ao retornarem, não trouxeram apenas o trigo que salvou grande parte da população italiana da fome. Eles carregavam também o Yersinia pestis. A transmissão teria ocorrido por pulgas infectadas transportadas nos carregamentos de grãos — hipótese apoiada por relatos históricos e por evidências de como o patógeno viajava em navios mercantes do início do século 20. Menos de dois meses após a chegada das últimas embarcações, surgiram os primeiros casos em Veneza. Cidades abastecidas por Veneza, como Pádua e Trento, registraram surtos logo em seguida.
Mapas reconstruídos pelos autores revelam que municípios italianos que não importaram grãos do Mar Negro naquele ano — entre eles Milão, Verona, Ferrara e Roma — foram poupados da primeira onda da pandemia. Já portos como Messina, Marselha e Palma de Maiorca, abastecidos pela rota genovesa, registraram casos ainda em 1347. A coincidência geográfica e cronológica reforça, segundo os pesquisadores, o papel central do comércio emergencial na dispersão inicial da peste.
Para os autores, a tragédia do século 14 ilustra como crises climáticas podem reorganizar sistemas econômicos de forma abrupta — e, por vezes, catastrófica. "O sofisticado sistema de segurança alimentar que evitou a fome acabou se tornando a porta de entrada do maior desastre demográfico da Europa medieval", escreveram, no artigo.

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Revista do Correio