CIÊNCIA

Cientistas querem ensinar humanos a identificar emoções dos cães

Pesquisadores descobrem que humanos têm dificuldade de identificar os sentimentos corretos dos cachorros. Grupo espera evitar que má-interpretação de sinais emocionais resulte em cuidados inadequados

Professor de psicologia da ASU, Clive Wynne posa para um retrato com sua galga, Ginger -  (crédito: Samantha Chow/Universidade Estadual do Arizona)
Professor de psicologia da ASU, Clive Wynne posa para um retrato com sua galga, Ginger - (crédito: Samantha Chow/Universidade Estadual do Arizona)

Segundo a ciência, se uma pessoa está feliz, ela provavelmente pensa que os outros ao seu redor também estão alegres. Quando alguém está contente, no entanto, olha para um cachorro, o sentimento é curiosamente oposto. Um estudo conduzido por cientistas comportamentais da Universidade Estadual do Arizona (ASU), nos Estados Unidos, revela que se sentir animado pode fazer com que você pense que seu cão está triste. Ainda segundo a pesquisa, publicada na revista PeerJ, se a emoção sentida pelo humano for negativa, ele tende a pensar que o animal está contente. O grupo queria justamente entender essa dificuldade de identificar emoções corretas nos pets.

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"Nesse domínio de como as pessoas entendem as emoções dos cães, fico constantemente surpreso", afirma o coautor Clive Wynne, professor de psicologia e diretor do Laboratório de Ciências Caninas da ASU. "Sinto que estamos apenas arranhando a superfície do que está se revelando um grande mistério."

A investigação integra um esforço mais amplo para compreender os vieses cognitivos que moldam como os humanos interpretam emoções em outras espécies. "Se pudermos entender melhor como percebemos as emoções dos animais, poderemos cuidar melhor deles", diz, esperançosa, a primeira autora, Holly Molinaro.

Três cães participaram da pesquisa. Oliver, um vira-lata de 14 anos; Canyon, um catahoula de 1 ano; e Henry, um buldogue francês de 3 anos. Para captar reações positivas, neutras e negativas, os tutores foram orientados a provocar diferentes estímulos emocionais.

Oliver respondeu a um petisco, e Canyon, a um brinquedo. Henry se animou ao ouvir que veria a "Vovó". Para induzir reações negativas, Oliver viu um gato, enquanto Canyon e Henry foram expostos a um aspirador de pó. As cenas neutras mostravam os animais apenas esperando ou descansando. Todos os vídeos foram editados para manter somente o cão visível sobre um fundo preto.

Alunos e cães

No primeiro experimento, 300 estudantes universitários foram expostos a imagens padronizadas usadas para induzir estados emocionais positivos, neutros ou negativos. Em seguida, avaliaram vídeos dos cães nessas mesmas condições, classificando o quão felizes, tristes, calmos ou animados os animais pareciam. Embora o material tenha alterado o humor dos participantes, isso não influenciou a forma como interpretaram o estado emocional dos cães.

Para esclarecer as descobertas, os pesquisadores criaram outro teste, investigando se a ausência de efeito se devia ao uso de imagens de pessoas. "Pensamos: e se usássemos imagens de preparação realmente de cães — um cão brincando no parque, um filhote em uma xícara de chá, por exemplo, ou um cão abandonado na rua?", explicou Molinaro.

Mais 300 estudantes participaram dessa nova etapa, influenciados apenas por imagens de cachorros. "Desta vez, o que descobrimos foi um efeito, mas na direção oposta", afirmou. "Todos aqueles que viram as imagens dos cães felizes classificaram os cães como mais tristes. E todos aqueles que viram as imagens dos cães tristes classificaram os cães nos vídeos como mais felizes."

Os pesquisadores também observaram que assistir aos vídeos dos cães, mesmo quando apresentavam expressões negativas, elevou o humor dos participantes. No conjunto, os resultados reforçam como ainda há lacunas na forma como interpretamos nossos companheiros de longa data.

Conforme a psicóloga clínica e neuropsicóloga pelo Instituto de Psicologia Aplicada e Formação de Portugal (Ipaf) Juliana Gebrim, ao avaliar emoções humanas existe um padrão bem conhecido. "Tendemos a interpretar o outro de acordo com o que sentimos. Se estou triste, percebo mais tristeza; se estou feliz, vejo mais alegria. Mas a pesquisa mostra que, com cães, esse mecanismo não funciona da mesma forma."

"Pessoas e cães convivem intimamente há pelo menos 14 mil  anos. E, nesse tempo, os cães aprenderam muito sobre como se relacionar com os seres humanos", disse Wynne. "No entanto, nossa pesquisa sugere que ainda existem grandes lacunas em nossa compreensão dos sentimentos dos cães."

Conforme o psicólogo clínico Miguel Bunge, os vieses na interpretação das emoções dos animais podem afetar o bem-estar dos tutores de maneira profunda. "O primeiro ponto a se pensar é que podemos interpretar errado o sinal dos nossos amigos de quatro patas, compreendendo sinais de estresse e desconforto como felicidade. É importante avaliarmos sempre nosso estado emocional e compreendermos que, para ler nossos pets, nossos mecanismos são pouco eficazes."

Segundo os cientistas, a má-interpretação de sinais emocionais pode resultar em manejo inadequado, falta de intervenção e necessidades comportamentais não atendidas. Molinaro e Wynne acreditam que o estudo pode aprimorar as relações humanos-animais e promover cuidados mais precisos, empáticos e alinhados ao bem-estar dos bichos.

Eles nos fazem bem

"Ao ler o estudo notei que interpretar emoções caninas pode nos levar a uma via de mão dupla, por dizer algo sobre o cão, mas também por dizer muito mais sobre quem observa. É importante compreender como esse filtro psicológico funciona. Isso nos ajuda a promover um cuidado mais responsável e empático com os animais. E um destaque que consigo fazer para os resultados é que só de assistir a um vídeo que traz cães como personagens principais, o humor das pessoas tende a melhorar. Pesquisas como as de Beetz et al., 2012, mostram que interações com animais podem reduzir o cortisol e aumentar a ocitocina. Temos de entender que os cães, gatos ou qualquer outro animal de estimação nos fazem pessoas melhores por regulagem, na maioria dos casos, nossas emoções, mesmo quando ainda estamos tentando aprender a interpretar as deles."

Flávia Marsola, psicóloga do Hospital Brasília Águas Claras, da Rede Américas

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postado em 06/12/2025 05:03
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