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Biópsia líquida avança na detecção de mutações no câncer de pulmão

Estudo brasileiro mostra que biópsia líquida identifica alterações genéticas em até dois dias e revela potencial para rastreamento da doença; custo ainda limita acesso no SUS

Pulmão
       -  (crédito: Freepik)
Pulmão - (crédito: Freepik)

Um simples exame de sangue pode encurtar em semanas o caminho entre o diagnóstico do câncer de pulmão e o início do tratamento. A chamada biópsia líquida, técnica que identifica fragmentos de DNA tumoral circulando na corrente sanguínea, tem avançado como uma ferramenta promissora para detectar mutações genéticas, monitorar a evolução da doença e orientar terapias-alvo de forma mais rápida e precisa.

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Essa é a principal conclusão de um estudo conduzido no Hospital de Amor, em Barretos (SP), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e publicado na revista científica Molecular Oncology. A pesquisa mostrou que um painel multigênico comercial foi capaz de identificar mutações relevantes em pacientes com câncer de pulmão de não pequenas células (NSCLC), inclusive em indivíduos assintomáticos acompanhados em programas de rastreamento.

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O NSCLC representa cerca de 85% dos casos de câncer de pulmão e inclui subtipos como o adenocarcinoma e o carcinoma de células escamosas. O adenocarcinoma, mais comum, tornou-se o principal alvo das terapias personalizadas nos últimos anos por concentrar mutações que respondem a medicamentos específicos. Essa mudança transformou o prognóstico da doença: há pouco mais de uma década, a sobrevida mediana não passava de oito meses; hoje, pode chegar a dois ou três anos e, em casos selecionados, ultrapassar uma década.

“O adenocarcinoma é o subtipo que mais se beneficiou da genômica. Quando identificamos mutações específicas, conseguimos direcionar o tratamento de forma muito mais eficaz”, explica a pesquisadora Letícia Ferro Leal, cossupervisora do estudo.

Mutações detectadas antes mesmo dos sintomas

Os pesquisadores analisaram 32 amostras de plasma de 30 pacientes, incluindo pessoas sem tratamento prévio, pacientes já submetidos a terapias e quatro participantes de um programa de rastreamento de câncer de pulmão. O painel avaliou mutações em 11 genes associados ao desenvolvimento do tumor.

O resultado chamou a atenção: 65,6% das amostras apresentaram alterações genéticas detectáveis. Entre os pacientes que já haviam passado por tratamento, essa proporção subiu para 87,5%, indicando que a quantidade de DNA tumoral circulante tende a aumentar com a progressão da doença.

Um dos achados mais expressivos ocorreu no grupo de rastreamento. Um participante assintomático apresentou uma mutação no gene TP53 seis meses antes de receber o diagnóstico de câncer de pulmão. Para os pesquisadores, o dado reforça o potencial da biópsia líquida como ferramenta complementar para a detecção precoce da doença em populações de risco, como fumantes e ex-fumantes.

A técnica também se mostrou eficaz para identificar mutações associadas à resistência terapêutica. Em uma das amostras, foi detectada a mutação EGFR p.T790M, conhecida por surgir após um período de resposta inicial ao tratamento. “Essas mutações costumam aparecer antes mesmo de sinais clínicos claros de progressão da doença. Detectá-las precocemente pode permitir ajustes no tratamento e evitar a perda de tempo com terapias que já não são mais eficazes”, afirma Leal.

Ganho de tempo pode ser decisivo

Na prática clínica, o maior impacto da biópsia líquida está na agilidade. A biópsia convencional, que depende da retirada de fragmentos do tumor por cirurgia ou punção, pode levar semanas até a liberação do laudo molecular. Já a biópsia líquida permite coleta imediata e entrega de resultados em até dois dias.

“O câncer de pulmão é uma doença agressiva, e o tempo faz diferença. Antecipar o início do tratamento pode mudar completamente o desfecho do paciente”, destaca a pesquisadora.

Outro ponto favorável é a viabilidade logística. O estudo demonstrou que o painel genético foi capaz de detectar DNA tumoral mesmo em amostras congeladas, dispensando o uso de tubos especiais e transporte imediato, o que amplia a possibilidade de uso da técnica em hospitais públicos com estrutura limitada.

A pesquisadora ressalta ainda que a biópsia líquida não substitui completamente a biópsia de tecido. “Um resultado negativo no sangue não exclui mutações. Os exames são complementares, especialmente nos estágios iniciais, quando a quantidade de DNA tumoral circulante é muito baixa”, explica.

Custo ainda é o principal obstáculo

Apesar do potencial, a incorporação da biópsia líquida à rotina do Sistema Único de Saúde (SUS) ainda esbarra em barreiras econômicas. O teste utilizado no estudo custa cerca de R$ 6 mil por paciente. Embora o valor tenda a cair com a popularização da tecnologia, ainda está fora da realidade da maioria da população.

No sistema privado, várias terapias-alvo já fazem parte do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). No SUS, porém, o acesso é restrito a poucos centros de referência. “Muitas vezes, o paciente consegue pagar pelo teste, mas não pela medicação, que pode chegar a R$ 40 mil por mês. Isso acaba levando à judicialização”, relata Leal.

Mesmo com limitações, os pesquisadores avaliam que a biópsia líquida representa um passo importante para tornar a medicina personalizada mais acessível no tratamento do câncer de pulmão no Brasil.

 

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postado em 16/12/2025 16:28
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