SAÚDE PÓS-PARTO

Saúde pós-parto: a importância de acompanhar quadro psicológico das mães

No último dia da série de reportagens sobre pós-parto, mostramos a importância de olhar para a saúde mental materna. É necessária muita atenção sobre potenciais complicações que possam surgir após o nascimento

 Entre as condições mentais mais comuns após o nascimento do bebê estão
Entre as condições mentais mais comuns após o nascimento do bebê estão "baby blues", depressão pós-parto e psicose - (crédito: McKinsey/ Freepik)

A saúde mental também é afetada durante e após uma gravidez. Pensando nessa questão, cientistas de diferentes países buscam compreender melhor as doenças psiquiátricas que afloram nesse período. Um painel internacional de especialistas defende que a psicose pós-parto seja reclassificada como uma categoria própria de doença mental, separada de outros transtornos, para garantir diagnóstico mais rápido e tratamento adequado — em última instância, para salvar vidas de mães e bebês. Enquanto isso, outros cientistas desvendam quando há maior risco para a condição surgir, facilitando o rastreio.

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A psicose pós-parto é uma doença psiquiátrica grave, que afeta 2,6 em cada mil parturientes. Os sintomas incluem episódios de mania, depressão com características psicóticas, pensamento desorganizado, agitação, irritabilidade, alucinações, paranoia e insônia. Sem tratamento, o quadro pode evoluir para situações extremas, como suicídio ou homicídio do bebê, sendo considerada uma emergência psiquiátrica que frequentemente exige hospitalização. Agora um grupo de especialistas luta pela reclassificação da condição, conforme publicado na revista Biological Psychiatry.

Apesar do início rápido e de sinais clínicos bem definidos, a psicose pós-parto ainda não é reconhecida como um diagnóstico independente em dois instrumentos centrais da prática médica, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e a Classificação Internacional de Doenças. Atualmente, essas referências somente mencionam o "início periparto", uma definição considerada imprecisa por não contemplar casos que surgem semanas ou meses após o parto.

Segundo os especialistas, essa lacuna dificulta o diagnóstico e o acesso ao tratamento. "A psicose pós-parto é uma doença psiquiátrica muito rara e grave que requer uma abordagem de tratamento específica", afirmou Jennifer Payne, especialista em psiquiatria reprodutiva da Faculdade de Medicina da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, e autora principal da nova "declaração de consenso" sobre o tema. "O reconhecimento da psicose pós-parto como uma entidade clínica distinta promoverá um tratamento seguro, eficaz e baseado em evidências."

Os pesquisadores destacam que muitas mulheres respondem bem aos tratamentos já disponíveis. Estudos mostram que mulheres que desenvolvem psicose pós-parto têm cerca de 50% de chance de, ao longo da vida, desenvolver transtorno bipolar. Por outro lado, gestantes com diagnóstico de transtorno bipolar apresentam risco extremamente elevado de psicose após o parto.

Subdiagnósticos

Conforme a psiquiatra e integrante da equipe do Inki, plataforma de consultas médicas, Carolina Guedes, a ausência de uma categoria diagnóstica autônoma pode contribuir para subdiagnósticos ou atraso na identificação desses quadros, especialmente nos estágios iniciais. "Em contextos assistenciais, sintomas precoces como insônia grave, desorganização do pensamento, alterações abruptas de comportamento ou ideação delirante podem ser interpretados como manifestações emocionais esperadas do puerpério. Essa leitura equivocada pode retardar a avaliação especializada e a implementação de medidas terapêuticas adequadas, apesar de se tratar de um quadro de alta gravidade clínica, que exige intervenção rápida e estruturada."

Enquanto especialistas defendem mudanças nos critérios diagnósticos, novas evidências científicas reforçam a necessidade de maior atenção à condição. Um estudo conduzido por pesquisadores do Mount Sinai, nos Estados Unidos, e publicado na revista American Journal of Psychiatry, analisou dados de mais de 1,6 milhão de mulheres a partir de registros nacionais suecos. Entre elas, foram identificados 2.514 casos de psicose pós-parto nos três meses seguintes ao primeiro parto.

Os resultados revelaram que uma mulher tem pouco acima de 10 vezes mais chances de desenvolver psicose pós-parto se uma irmã tiver apresentado a condição previamente. O risco é ainda maior quando há histórico familiar de transtorno bipolar: gestantes com uma irmã diagnosticada com bipolaridade e psicose pós-parto têm risco 14 vezes maior. 

Para Veerle Bergink, diretora do Centro de Saúde Mental da Mulher do Mount Sinai e coautora do estudo, a conscientização é fundamental. "Toda mulher em idade fértil e seus médicos precisam saber sobre a existência, a gravidade, os sintomas e o risco familiar da psicose pós-parto para que ela possa ser diagnosticada precocemente e, com sorte, prevenida", afirmou. "Atualmente, muitas mulheres com maior risco desconhecem a condição e ficam sozinhas com um recém-nascido, sem nenhum apoio."

Os resultados também reforçam a ideia de que, embora exista sobreposição com o transtorno bipolar, a psicose pós-parto apresenta características próprias. "Esses achados corroboram a visão de que, embora haja sobreposição entre a psicose pós-parto e o transtorno bipolar, tratam-se, na verdade, de condições distintas", disse Bergink.

Segundo a coordenadora do pronto socorro de ginecologia e obstetrícia do Hospital Anchieta Taguatinga, Mayara Duques, um ponto essencial é lembrar que a psicose pós-parto, apesar de rara, é uma emergência psiquiátrica tratável. "O maior risco não é o diagnóstico em si, mas o atraso no reconhecimento, muitas vezes causado por estigma, medo ou desconhecimento. Falar abertamente sobre saúde mental no pós-parto, ainda durante o pré-natal, é uma forma eficaz de impedir desfechos negativos."

Projeto pioneiro no SUS dá suporte digital a mães no pós-parto

Para fornecer apoio a mães no puerpério, um novo programa foi incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Chamado Aurora, o projeto desenvolvido pela L2D Saúde Digital oferece suporte 24 horas a mulheres no pós-parto e recém-nascidos, no interior de São Paulo. A iniciativa combina telemonitoramento, conteúdos educativos e equipe multidisciplinar, incluindo psicólogo.

O programa gratuito oferece um suporte contínuo a mães e bebês nos primeiros 60 dias após o parto, combinando tecnologia e uma abordagem multidisciplinar humanizada. A Santa Casa de Tatuí, que foi palco do projeto-piloto, é uma das principais maternidades da região. Dos cerca de 140 partos por mês, 60% são de pacientes de populações vulneráveis, o que dificulta o acompanhamento após o nascimento do bebê.

O programa, que já está completamente implementado na rede pública, acompanha atualmente 192 puérperas. Segundo dados oferecidos pela iniciativa, 69% dos atendimentos são feitos pela enfermagem, com atuação integrada de psicologia e nutrição. O suporte psicológico remoto tem foco em acolher insegurança, sobrecarga emocional e prevenir quadros como baby blues e depressão pós-parto.

Ao Correio, a psicóloga clínica e coordenadora de psicologia do Programa Aurora da L2D Saúde Digital, Tatiana Barbosa, o acompanhamento permite que a mãe exponha o que está sentindo no momento. “Isso sem julgamentos e com liberdade para dizer o que pensa, tirar dúvidas de maneira sigilosa, acolhedora e de fácil acesso, além de receber orientações de uma pessoa habilitada e capacitada. Com isso, o profissional pode identificar de maneira precoce sinais de Projeto pioneiro no SUS dá suporte digital a mães no pós-parto Atendimento do programa acontecendo ao vivo Divulgação que a puérpera apresenta sintomas compatíveis com o quadro de baby blues ou depressão pós-parto, podendo intervir diretamente.”

"O projeto Aurora trouxe para nós um feedback essencial sobre uma lacuna que existia no atendimento pós-parto. As mães passam pelo pré-natal e pelo parto, mas o acompanhamento depois da alta sempre foi limitado. Muitas vezes, as dúvidas e inseguranças delas não eram sequer percebidas. Agora, com o suporte técnico e o acolhimento que o projeto oferece, conseguimos reduzir a ansiedade materna e até identificar precocemente quadros como baby blues e depressão pós-parto", detalha a médica ginecologista, obstetra e interventora da Santa Casa de Tatuí, Maria Laura Matias.

Desde a alta hospitalar, as mães são acompanhadas por uma equipe de enfermagem, nutrição e psicologia. Quando necessário, o monitoramento pode ser iniciado ainda durante a internação, assegurando maiores cuidados desde os primeiros momentos. Além dos telemonitoramentos agendados, o programa oferece suporte contínuo para esclarecer dúvidas e orientaras mães, prevenindo complicações evitáveis. Casos que exijam auxílio presencial são orientados e encaminhados às unidades de saúde.


Duas perguntas para

André Campbell, psiquiatra da Maternidade Brasília, da Rede Américas

Quais são os problemas de saúde mental mais comuns que podem surgir após o parto?

Os três principais problemas são o "baby blues" — melancolia leve nas primeiras duas semanas —; a depressão pós-parto, que afeta cerca de 1 em cada 7 mulheres com tristeza intensa, desinteresse e dificuldade para estabelecer vínculo com o bebê; e, mais raramente, mas algo gravíssimo, a psicose pós-parto, com sintomas como alucinações, delírios e comportamentos desorganizados. Também é comum a ansiedade pós-parto, que pode acompanhar qualquer uma dessas condições.

Como diferenciar mudanças emocionais normais do pós-parto de sinais de alerta para depressão ou psicose?

O "baby blues" apresenta tristeza leve e oscilante, que desaparece em duas semanas, enquanto a depressão pós-parto se mostra com sintomas mais intensos e duradouros, além de duas semanas, que prejudicam o cuidado com o bebê e consigo mesma, incluindo desinteresse persistente e culpa avassaladora. A psicose pós-parto é facilmente identificável pelo aparecimento súbito de alucinações — ver, ouvir, sentir na pele, no cheiro ou no paladar coisas que não existem —, delírios, envolvendo frequentemente o bebê, confusão mental extrema e comportamentos erráticos que configuram uma emergência médica imediata.

Projeto pioneiro no SUS dá suporte digital a mães no pós-parto

Para fornecer apoio a mães no puerpério, um novo programa foi incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Chamado Aurora, o projeto desenvolvido pela L2D Saúde Digital oferece suporte 24 horas a mulheres no pós-parto e recém-nascidos, no interior de São Paulo. A iniciativa combina telemonitoramento, conteúdos educativos e equipe multidisciplinar, incluindo psicólogo.

O programa gratuito oferece um suporte contínuo a mães e bebês nos primeiros 60 dias após o parto, combinando tecnologia e uma abordagem multidisciplinar humanizada. A Santa Casa de Tatuí, que foi palco do projeto-piloto, é uma das principais maternidades da região. Dos cerca de 140 partos por mês, 60% são de pacientes de populações vulneráveis, o que dificulta o acompanhamento após o nascimento do bebê.

O programa, que já está completamente implementado na rede pública, acompanha atualmente 192 puérperas. Segundo dados oferecidos pela iniciativa, 69% dos atendimentos são feitos pela enfermagem, com atuação integrada de psicologia e nutrição. O suporte psicológico remoto tem foco em acolher insegurança, sobrecarga emocional e prevenir quadros como baby blues e depressão pós-parto

Sem julgamentos

Ao Correio, a psicóloga clínica e coordenadora de psicologia do Programa Aurora da L2D Saúde Digital, Tatiana Barbosa, o acompanhamento permite que a mãe exponha o que está sentindo no momento. "Isso sem julgamentos e com liberdade para dizer o que pensa, tirar dúvidas de maneira sigilosa, acolhedora e de fácil acesso, além de receber orientações de uma pessoa habilitada e capacitada. Com isso, o profissional pode identificar de maneira precoce sinais de que a puérpera apresenta sintomas compatíveis com o quadro de baby blues ou depressão pós-parto, podendo intervir diretamente."

"O projeto Aurora trouxe para nós um feedback essencial sobre uma lacuna que existia no atendimento pós-parto. As mães passam pelo pré-natal e pelo parto, mas o acompanhamento depois da alta sempre foi limitado. Muitas vezes, as dúvidas e inseguranças delas não eram sequer percebidas. Agora, com o suporte técnico e o acolhimento que o projeto oferece, conseguimos reduzir a ansiedade materna e até identificar precocemente quadros como baby blues e depressão pós-parto", detalha a médica ginecologista, obstetra e interventora da Santa Casa de Tatuí, Maria Laura Matias.

Monitoramento 

Desde a alta hospitalar, as mães são acompanhadas por uma equipe de enfermagem, nutrição e psicologia. Quando necessário, o monitoramento pode ser iniciado ainda durante a internação, assegurando maiores cuidados desde os primeiros momentos. Além dos telemonitoramentos agendados, o programa oferece suporte contínuo para esclarecer dúvidas e orientar as mães, prevenindo complicações evitáveis. Casos que exijam auxílio presencial são orientados e encaminhados às unidades de saúde.

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postado em 28/12/2025 05:02
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