Dormir bem é uma questão de saúde pública. Pesquisas recentes revelam que fatores ambientais podem influenciar diretamente a qualidade do sono e o metabolismo. Um estudo europeu associou a poluição atmosférica à gravidade da apneia obstrutiva. Outro trabalho, com participação brasileira, busca usar a ciência para aprimorar a qualidade do descanso: pesquisa recente demonstrou que uma molécula sintética chamada Pep19 pode melhorar o cochilo.
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Apresentado no Congresso da Sociedade Respiratória Europeia (ERS), em Amsterdã, um estudo multinacional liderado por Martino Pengo, da Universidade de Milano-Bicocca e do Istituto Auxologico Italiano, analisou dados de 19.325 pacientes de 25 cidades em 14 países europeus. O objetivo foi investigar se a exposição prolongada à poluição do ar, especialmente às partículas conhecidas como PM10, está relacionada à gravidade da apneia obstrutiva do sono (AOS).
A doença é caracterizada por pausas repetidas na respiração durante o sono, acompanhadas de ronco, despertares noturnos e sonolência diurna. A condição aumenta o risco de hipertensão, AVC, doenças cardíacas e diabetes tipo 2. Embora a AOS seja mais frequente em pessoas idosas ou com sobrepeso, o estudo indica que fatores ambientais, como a poluição, podem agravar os sintomas.
Os pesquisadores cruzaram informações clínicas dos pacientes com dados de concentração de PM10 fornecidos pelo Serviço de Monitoramento da Atmosfera Copernicus. As partículas PM10, com diâmetro de até 10 micrômetros, são liberadas principalmente por escapamentos de veículos e processos industriais. A análise evidenciou que, para cada aumento de uma unidade na concentração desses poluentes, houve crescimento médio de 0,41 eventos respiratórios por hora de sono, o chamado índice de apneia-hipopneia (IAH).
Vias inflamadas
Conforme Monica Andersen, diretora de ensino e pesquisa do Instituto do Sono, a poluição, sobretudo as PM10, pode causar irritação nas vias respiratórias, fazendo com que o ar passe com mais dificuldade. "Durante o sono, essa inflamação e o estreitamento das vias aéreas facilitam o colapso da garganta, o que pode aumentar os episódios de AOS."
Além disso, Andersen detalhou que essas partículas também prejudicam a "barreira protetora" natural do nariz e da faringe, formada por células que se unem como se fossem "tijolinhos" bem colados. "O PM10 danifica as proteínas que mantêm essas células unidas, deixando a parede pulmonar mais 'vazada'. Isso permite que substâncias inflamatórias penetrem na corrente sanguínea, provocando reações em todo o corpo e aumentando o estresse oxidativo, processos intimamente relacionados à gravidade da AOS e às suas complicações cardiovasculares."
Os resultados também revelaram diferenças regionais. Em cidades como Lisboa, Paris e Atenas, a correlação entre poluição e gravidade da apneia foi mais forte, o que pode estar relacionado a características locais, tipo de poluentes, clima ou diferenças na detecção da doença.
Biotecnologia aliada
Enquanto a poluição mostra um efeito negativo sobre o sono, a ciência avança em busca de soluções para melhorar o descanso e o metabolismo. Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), do Pennington Biomedical Research Center, nos Estados Unidos, e da Proteimax Biotechnology, em Israel, revelou que o peptídeo sintético Pep19 pode reduzir gordura visceral e melhorar a qualidade do sono em adultos obesos.
A molécula é uma versão sintética de um peptídeo naturalmente presente nas células humanas. O estudo, publicado na revista Diabetes Metabolism Research and Reviews, mostrou que o composto atua no sistema endocanabinoide, responsável por regular o metabolismo, o apetite, a quebra de gordura e a liberação de energia.
O ensaio clínico contou com 24 voluntários com idades entre 46 e 59 anos. Durante 60 dias, os participantes foram divididos em três grupos: um recebeu placebo, outro 2 mg de Pep19 e o terceiro 5 mg, em cápsulas ingeridas diariamente antes de dormir.
Ao fim do estudo, o grupo que recebeu 5 mg apresentou redução média de 17% na gordura visceral, sem perda de massa magra. Além disso, todos os voluntários que receberam o Pep19 relataram melhora significativa na qualidade do sono. Nenhum efeito colateral foi observado, o que reforça a segurança do composto.
Conforme Emer Suavinho Ferro, coautor do estudo e pesquisador da Universidade de São Paulo, a administração de Pep19 melhorou a qualidade do sono, principalmente por seus efeitos periféricos. "Isso incluiu a redução do tecido adiposo visceral e do peso corporal, e não por uma ação direta no sistema nervoso central. No entanto, os dados atuais não permitem estabelecer uma correlação definitiva entre a redução da gordura visceral e a melhora da qualidade do sono."
Ferro afirmou ainda que os achados ressaltam a necessidade crucial de abordagens integradas que considerem a melhora tanto do sono quanto da saúde metabólica no tratamento e na prevenção da obesidade. "Assim, o Pep19 oferece uma nova e importante estratégia terapêutica para reduzir a gordura visceral e melhorar o sono em indivíduos obesos com baixa qualidade do sono."
Os autores destacaram também que, embora os resultados sejam promissores, ainda são necessários estudos clínicos mais amplos e de longo prazo para confirmar os efeitos observados. A segurança, a eficácia e a facilidade de administração da molécula indicam que o Pep19 pode se tornar uma alternativa prática e inovadora no combate à obesidade e aos distúrbios do sono.
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