Visão do direito

Souza Prudente: Não há liberdade para os que morrem de fome

A nossa Carta Magna garante aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade

Souza Prudente é desembargador federal aposentado, mestre, doutor e pós-doutor. -  (crédito: Mariana Lins/CB/D.A Press )
Souza Prudente é desembargador federal aposentado, mestre, doutor e pós-doutor. - (crédito: Mariana Lins/CB/D.A Press )
postado em 14/03/2024 03:00 / atualizado em 14/03/2024 03:00

Por Souza Prudente* — A Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor, destaca como um de seus fundamentos, dentre outros, a dignidade da pessoa humana (CF, Art. 1º, inciso III), estabelecendo, entre seus objetivos fundamentais, construir uma sociedade livre, justa e solidária, visando erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos (CF, Art. 3º, incisos I, III e IV).

A nossa Carta Magna também garante aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (CF, Art. 5º, caput), determinando que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante (CF, Art. 5º, inciso III).

No Capítulo dos Direitos Sociais, o Texto Magno estabelece que são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (CF, Art. 6º, caput), afirmando que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF, Art. 196, caput), na determinação de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (CF, Art. 225, caput), com a garantia fundamental de que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (CF, Art. 205, caput).

O Brasil, a rigor, não é um país pobre, mas um país de milhões de pobres e de miseráveis, abaixo da linha de pobreza, segundo dados oficiais do IBGE, ainda que a Carta Política Federal, em vigor, estabeleça expressamente que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (CF, Art. 5º, § 1º).

Os direitos e garantias, expressos na Constituição, em referência, harmonizam-se com os objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), visando acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente sustentável e o equilíbrio climático, bem assim, garantir que as pessoas habitantes deste planeta possam ter paz e prosperidade, respeitando-se mutuamente.

Neste contexto, não haverá liberdade nem dignidade aos que morrem de frio e fome, perante as omissões criminosas de nossos governantes e da insensibilidade de todos os indivíduos e organismos sociais, que esqueceram as palavras piedosas do Sermão da Montanha, que se refletem nas letras fundamentais da República Federativa do Brasil, a nos determinar, em termos cogentes e de eficácia imediata, para a construção de uma sociedade solidária, justa e livre, promovendo o bem de todos das presentes e futuras gerações.

Ao refletir sobre o odioso contraste entre a proteção dos Direitos Humanos e o contexto normativo dos Direitos e Garantias fundamentais, de eficácia imediata, da Constituição da República Federativa do Brasil, em harmonia com os objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, ante os cenários de pobreza e miséria extrema de milhões de pessoas, neste nosso país continental, com imensas riquezas naturais, inexploradas ou mal exploradas, ainda, tentei traduzir nas letras de um simples soneto alexandrino, este meu sentimento de desconforto intelectual, na forma seguinte: "Não haverá liberdade onde existe fome/com pessoas dormindo no frio das calçadas/pois há muita gente morrendo, ali, sem nome,/sem pão e sem abrigo já desesperadas./Ninguém será livre com a fome que o consome,/ jogado na sarjeta ou nas margens da estrada,/a receber esmolas de quem dá e some,/deixando o infeliz sofrendo sem ter nada./ Não poderá jamais gozar a liberdade,/quem vive a mendigar nos campos e cidades,/só tendo sede e fome até vir a morrer./ Pois aos que nada têm, nem mesmo a caridade/pode torná-los livres dessa iniquidade,/para poder sonhar com esta arte de viver."

*Desembargador federal aposentado, mestre, doutor e pós-doutor pela UFPE, Salamanca (Espanha) e Pisa (Itália)

 

 

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