Entrevista

Mauro Campbell Marques, ministro do STJ: "O juiz precisa ter coragem"

Ministro Mauro Campbell Marques é o diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), responsável pelo 1º Exame Nacional da Magistratura (Enam) de 2024

Ministro Mauro Campbell -  (crédito: Edy Amaro/Esp. CB/D.A Press)
Ministro Mauro Campbell - (crédito: Edy Amaro/Esp. CB/D.A Press)
postado em 11/04/2024 06:00

Com o sonho de vestir a toga, 39.853 candidatos se inscreveram para participar no próximo domingo do primeiro Exame Nacional da Magistratura (Enam) de 2024. Trata-se de uma pré-seleção para a carreira de juiz, uma prova inédita no país que vai testar a vocação de graduados em direito. Entre os inscritos, há 1.328 pessoas com deficiência, 8.017 negros e 49 indígenas.

Responsável pelo processo, o diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), ministro Mauro Campbell Marques, acredita que este seja um momento histórico para ampliar e uniformizar a qualidade dos magistrados brasileiros.

Mais do que tudo, o Judiciário realiza as provas para avaliar a capacidade de candidatos para julgar.

O ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirma que o juiz não é um servidor público qualquer. Ele descreve os atributos de um bom magistrado: "Conhecimento técnico nos vários ramos do direito exemplar, reputação absolutamente ilibada, pública e privadamente, recato, além de eficiência, probidade, competência, tirocínio lógico e, sobretudo, num país com esse avassalador deficit social, o juiz brasileiro tem de ter coragem".

Com o resultado que sairá em 28 de maio, o país terá um raio X do perfil e da preparação dos candidatos. Esta não é uma fase que se exaure. Quem conseguir responder corretamente 70% das questões estará apto a disputar concursos. Como política afirmativa de inclusão, negros e indígenas serão aprovados se alcançarem um índice de acerto de 50%. O mesmo ocorre com as pessoas com deficiência.

O primeiro Exame Nacional da Magistratura é um momento histórico do Judiciário?

Sem dúvida. É um momento histórico. É mais um bom momento histórico do Judiciário nacional. O que se busca com o exame prioritariamente é dar um conteúdo isonômico aos juízes nacionais. De Norte, Sul, Leste, Oeste e Centro-Oeste, todos terão uma mesma base de conhecimento técnico. Isso já é muito alvissareiro. Além disso, queremos resgatar vocações porque o Brasil, como nação em desenvolvimento, tem deficits de emprego e renda muito elevados. E isso faz com que a busca do mercado de trabalho dos bacharéis em direito seja algo proporcional a esse deficit. Mas não se recruta qualquer pessoa para ser juiz. Não é um cargo qualquer. O cargo de juiz é diferenciado.

Exige uma vocação muito grande…

Vocação e, aliado a isso, um aprimoramento constante de contenção pessoal. Porque, ao contrário dos outros servidores públicos que podem naturalmente em qualquer lugar expor seus pontos de vistas, o juiz não pode. O juiz tem de ter o comportamento diferenciado também sob esse aspecto. Eu sempre falo sobre isso aos jovens juízes que ingressam na magistratura, vêm fazer o curso de formação conosco na Enfam e têm comigo a sua primeira aula. Eu agradeço primeiro pela coragem deles de buscar serem juízes e juízas num país como o nosso, com tamanhas desigualdades sociais, estimulando-os a reduzir essa desigualdade social por meio de suas decisões pautadas, ou obviamente balizadas, pela lei e pela Constituição. Agora, cito sempre esse exemplo. Observem que agora, naquele almoço de domingo, nos seus lares, quando a opinião de vocês for chamada ao debate, ela será tratada de forma diferente.

Por que surgiu essa ideia do Enam? Havia dúvidas sobre a qualidade dos juízes e dos concursos públicos?

Não é questão de haver dúvida ou não haver. O fato é que se você fizer pesquisas no próprio site do STJ e colocar lá "concurso público, magistratura", você vai encontrar várias e várias demandas, vários e vários questionamentos sobre os concursos públicos de todos os níveis em quase todos os tribunais. Isso sempre ocorreu. Então, o Enam vem também com esse desiderato: dar uma certificação isenta e distante daquele locus, daquele tribunal específico, já que o plantel de candidatos chegará nos tribunais certificado pela Efam e pelo CNJ. E há tribunais que já pensam em suplantar a primeira fase do concurso, aquele provão preambular, eliminatório, porque o candidato já vai passar pelo filtro e poderá entrar direto nas provas de conhecimento subjetivas.

Podemos comparar com o exame da OAB?

Sim, podemos comparar, até porque, a exemplo do exame da Ordem, não temos limite de vagas. É um exame que habilita ou não habilita para o exercício da advocacia, e, no nosso caso, habilita ou não habilita para a pessoa submeter-se ao exercício da jurisdição. Então, é comparável, sim, embora, repito, se certificado pelo exame da ordem, você poderá dar como todo. E, no nosso caso, uma vez habilitada, a pessoa não poderá ingressar na magistratura, terá ainda que se submeter a concurso.

Os negros e indígenas terão de alcançar o índice de 50% de acertos, enquanto os demais precisam obter 70%. Gostaria de saber a sua opinião sobre esse critério.

É uma política afirmativa inclusiva. Não está fazendo nada a mais do que o preconizado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Sempre recordando que nós estamos atuando nesse caso por delegação do CNJ. Agora eu não posso deixar de forma alguma de registrar o empenho de uma equipe de magistrados e servidores muito profissionais que atuaram nesse processo. Tudo aquilo que o contribuinte espera do serviço público essa equipe vai transferir à altura, para que a sociedade tenha esse avanço paradigmático no Judiciário nacional.

Como são as provas? O que é exigido?

São 80 questões problematizadas, exatamente para despertar vocações e não haver aquela mera memorização de certo ou errado. Nós não estamos recrutando um servidor qualificado, estamos recrutando juízes. E não há nada comparável a juiz. O senso crítico, a capacidade decisória, o tirocínio, a coragem, além de todos os demais atributos de honestidade, probidade, moralidade, competência, eficiência que o servidor tem de ter. O magistrado agrega essas virtudes inexoráveis.

Que qualidades o senhor enxerga como essenciais para um bom juiz ou uma boa juíza?

Conhecimento técnico nos vários ramos do direito exemplar, reputação absolutamente ilibada, pública e privadamente, recato, além de eficiência, probidade, competência, tirocínio lógico, e sobretudo num país com esse avassalador deficit social, o juiz brasileiro tem de ter coragem. Coragem porque vai ter em suas mãos decisões para tomar que dizem respeito à saúde pública, à educação, ao meio ambiente…Tudo isso ainda em formação e deficitário no Brasil.

O senhor diz que os juízes devem solucionar conflitos e não criar conflitos. O que o senhor quer dizer?

Me permita uma obviedade: aquilo que é o o catecismo de qualquer juiz, o recato e absoluto respeito a precedentes. Isso faz com que o juiz seja um protagonista de solução de conflitos, um pacificador na sua essência porque ele só vai contentar 50% dos demandantes. Por exemplo, o juiz criminal não precisa de forma alguma tecer considerações desairosas ao réu. Ele tem de ter a capacidade de ser sempre alguém sereno, rigorosamente técnico. O magistrado não é um garantista. É um garantidor absoluto.

O senhor está realizado por participar da organização do primeiro Enam?

Muito. O presidente Luis Roberto Barroso me perguntou o que eu achava de participar. Eu disse que era sonho de consumo, como profissional do direito, ajudar a qualificar ainda mais e melhor a magistratura nacional.

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