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Nancy Andrighi, ministra do STJ: vocacionada para a justiça

Oriunda do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), a magistrada chegou à corte que forma a jurisprudência do país desbravando caminhos

Andrighi foi a primeira mulher a assumir a corregedoria da Justiça Eleitoral -  (crédito: kleber sales)
Andrighi foi a primeira mulher a assumir a corregedoria da Justiça Eleitoral - (crédito: kleber sales)
postado em 11/04/2024 06:00

A ministra Nancy Andrighi completa 25 anos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em outubro. É a mais antiga mulher em atuação nas cortes superiores do país. Oriunda do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), a magistrada chegou à corte que forma a jurisprudência do país desbravando caminhos.

Nancy foi a segunda mulher a ingressar no STJ, seis meses depois de Eliana Calmon. As duas foram nomeadas em 1999 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso que inaugurou no seu segundo mandato a nomeação de mulheres para o STJ. E também ao Supremo Tribunal Federal (STF) com a escolha de Ellen Gracie Northfleet, em dezembro de 2000.

Andrighi foi a primeira mulher a assumir a corregedoria da Justiça Eleitoral. Também foi corregedora nacional de Justiça. Passou por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado com elogios de parlamentares de diferentes partidos. "É uma mulher extraordinária com presença de grande autoridade, integridade e cultura na magistratura brasileira", disse na época o então senador José Sarney (MDB-AP).

Aos 71 anos, Fátima Nancy Andrighi — seu nome completo — ainda tem três anos e meio pela frente, se optar pela aposentadoria compulsória, aos 75 anos. Ela não deve se retirar de cena antes. Defende que os magistrados colaborem com a Justiça mesmo depois da aposentadoria.

Gaúcha de Soledade, a ministra é considerada uma grande debatedora, defensora de suas posições. Firme, porém sensível em relação principalmente às questões sociais e causas humanitárias. É também apontada como "grande processualista". Muitas vezes deixa transparecer a emoção em votos e posicionamentos, mas as lágrimas não significam fragilidade.

Em julgamento realizado em fevereiro de 2022, ela justificou a voz embargada: "Eu realmente me emociono quando temos de julgar casos que exigem do magistrado um olhar mais humano". Foi no julgamento sobre o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Nancy Andrighi votou, na 2ª Seção, em defesa do rol exemplificativo, de forma a abrir a possibilidade de consumidores de planos de saúde acionarem a Justiça quando se sentirem lesados em seus direitos de realizar procedimentos com cobertura negada pelos planos de saúde.

Referência em direito de família, Nancy Andrighi é autora do voto que deu origem à lei e à jurisprudência em vigor relacionada à guarda compartilhada dos filhos em caso de separação. O voto foi apresentado em agosto de 2011, na 3ª Turma. Prevaleceu o entendimento de que a guarda compartilhada deveria ser uma regra e não uma possibilidade de divisão dos cuidados com as crianças e adolescentes.

Em decisão de 2022, a ministra foi relatora de um processo em que a filha pedia uma indenização pelo abandono do pai. A 3ª Turma do STJ o condenou a pagar R$ 30 mil à filha, por danos morais, em razão do rompimento abrupto da relação entre os dois quando a menina tinha apenas seis anos de idade. "O recorrido ignorou uma conhecida máxima: existem as figuras do ex-marido e do ex-convivente, mas não existem as figuras do ex-pai e do ex-filho", afirmou a ministra ao julgar o recurso da filha, considerado procedente.

Marcou também a trajetória de Nancy Andrighi o processo em que ela reconheceu a responsabilidade civil de uma empresa de transporte por assédio sexual dentro do veículo. Seguindo o voto da ministra, a 3ª Turma considerou que a vítima do assédio deveria ser indenizada pelo abalo físico e psíquico causado.

Para a ministra, era dever da empresa transportar a passageira com conforto e segurança. "O momento é de reflexão, pois não se pode deixar de ouvir o grito por socorro das mulheres, vítimas costumeiras dessa prática odiosa", disse a ministra ao justificar sua posição.

Ao descrevê-la, o amigo ministro Sidnei Beneti, já aposentado, diz que a magistrada sempre está antenada nos avanços que a tecnologia propicia ao direito. "Sempre a primeira na aceitação da modernidade tecnológica ou instrumental inovadora, como, em apenas dois exemplos, o fez, ainda no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ao inaugurar a assinatura e imediata liberação do acórdão e, ultimamente, com fragoroso sucesso, ao instalar a audiência virtual a advogados para explicação de memoriais sem terem de vir a Brasília", afirma.

Nancy Andrighi também foi uma precursora dos julgamentos em juizados especiais federais que aliviaram as varas federais. A ministra fez parte das primeiras experiências de conciliações realizadas no país, antes da criação dos juizados. Foi na década de 1970, quando era juíza no Rio Grande do Sul e começou a atender os cidadãos, fora do horário de trabalho, para buscar um acordo.

A ministra iniciou a carreira na magistratura em 1976, no Rio Grande do Sul. Em 1980, assumiu o cargo de juíza do Distrito Federal e Territórios e alcançou o posto de desembargadora até ser nomeada como ministra do STJ, 19 anos depois, em vaga destinada aos Tribunais de Justiça.

Com 24 anos no STJ, ela poderia assumir a presidência em 2016, quando finalizou seu mandato como corregedora nacional de Justiça. Mas ela declinou o posto que tantos magistrados sonham ocupar.

Em carta dirigida aos colegas, Nancy negou que o motivo fosse alguma doença ou problema pessoal e justificou que preferia voltar para a jurisdição. "Percorri todos os degraus da carreira e posso concluir com segurança e serenidade que o melhor tempo profissional foi aquele enquanto estive no primeiro grau de jurisdição", afirmou.

A ministra disse que se sentia realizada no trabalho de juíza. "Sempre tive e tenho absoluta devoção e me sinto realizada na atividade de estudar e julgar, por isso, decidi retornar à jurisdição". E acrescentou na carta: "Dedico minha escolha de retornar à jurisdição à magistratura brasileira, especialmente aos devotados juízes do primeiro grau de jurisdição, convicta de que o nosso trabalho poderá verdadeiramente contribuir para a paz social".

A vocação para a magistratura é um caso de família. A desembargadora Vera Andrighi, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, é irmã da ministra. E como Nancy optou por não concorrer à presidência da Corte no DF.

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