Embate

Na seara do Legislativo, STF mira as big techs

Por falta de iniciativa do Congresso, o ministro Dias Toffoli anunciou que vai dar andamento ao julgamento do recurso extraordinário 1.037.396/SP, paradigma do Tema 987

Elon Musk, dono do X (antigo Twitter): embate entre livre expressão e democracia  -  (crédito: kleber sales)
Elon Musk, dono do X (antigo Twitter): embate entre livre expressão e democracia - (crédito: kleber sales)
postado em 11/04/2024 06:00

Em meio ao duelo entre o bilionário Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal (STF) mais uma vez vai entrar em uma seara do Legislativo. Por falta de iniciativa do Congresso, o ministro Dias Toffoli anunciou que vai dar andamento ao julgamento do recurso extraordinário 1.037.396/SP, paradigma do Tema 987.

Neste processo, o STF analisa a constitucionalidade do disposto no artigo 19 da Lei 12.965/14, o Marco Civil da Internet. O dispositivo trata da responsabilização civil de provedores de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos de terceiros.

Segundo o artigo em questão, a responsabilidade civil dos provedores de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros só pode ser cobrada quando há prévia e específica ordem judicial que determine a remoção da postagem ilícita. É o modelo chamado judicial notice and takedown. O resultado do julgamento terá repercussão geral.

De acordo com o que prevê o Marco Civil da Internet, as plataformas e provedores não podem ser responsabilizadas por conteúdos indevidos, ofensivos e fake news e cabe ao Poder Judiciário fazer essa moderação. As big techs pagam por irregularidades apenas na hipótese de descumprimento da decisão judicial. A exceção são cenas de nudez e sexo em ambiente privado.

O artigo 21 do Marco Civil da Internet estabelece que o provedor que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de remover o conteúdo. 

Para o especialista Marco Antônio da Costa Sabino, o juiz, no caso do judicial notice and takedown, age como um terceiro imparcial, em que submete a demanda a um processo judicial, assegurado o contraditório e a ampla defesa, e determina a remoção de conteúdo. "Esse é um tema deveras grave porque pode caracterizar censura", avalia o advogado, que é professor doutor da FIA, IBMEC, Ensino Einstein e Dom Cabral.

Sabino exemplifica: "Imagine que o Instagram fosse responsabilizado por um conteúdo ofensivo. Se ele tem alguma dúvida quanto à ofensividade desse conteúdo, ele vai remover o conteúdo automaticamente porque não vai querer tomar sanções. Mas como fazer isso se são bilhões e bilhões de conteúdos?".

Toffoli havia suspendido o julgamento em maio do ano passado porque aguardava a apreciação de projeto em discussão no Congresso com novas regras para as plataformas digitais. O texto aprovado no Senado está parado há quatro anos na Câmara e, nesta semana, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), anunciou a criação de uma comissão para debater o tema e chegar a um consenso que viabilize a aprovação da matéria.

Para quem acompanha as discussões, a medida adotada por Lira é um caminho para não decidir. Os ataques de Musk, dono da plataforma X, o antigo Twitter, ao ministro Alexandre de Moraes criaram um clima de polarização entre aliados e críticos do ex-presidente Jair Bolsonaro que inviabiliza qualquer debate no Congresso sem a contaminação ideológica. Virou uma guerra de torcidas depois que o ministro Alexandre de Moraes incluiu o bilionário Musk no inquérito das milícias digitais.

Nos últimos dias, Musk iniciou uma cruzada contra o STF, com foco em Alexandre de Moraes. O empresário sul-africano, radicado nos Estados Unidos, acusa o ministro de censurar o X e virou o líder de um grupo que já era crítico ao STF e de uma suposta onda de cerceamento da liberdade de expressão.

Moraes também arbitrou multa de R$ 100 mil pela reativação de cada perfil bloqueado por determinação judicial. O advogado Thiago Turbay, criminalista sócio do Boaventura Turbay Advogados, entende que a penalidade pode ser aplicada. "A empresa X tem representação no país e deve responder por eventuais irregularidades, sendo submetida à legislação nacional. As plataformas compõem elementos essenciais ao conteúdo à medida em que estabelecem a forma e distribuição das mensagens lá difundidas", afirma.

Turbay avalia que a plataforma pode incorrer em dois crimes neste caso. "Havendo determinação de extração de conteúdo ou acesso, com maior razão, a plataforma se avoca nas obrigações a elas extensivas. No caso, o descumprimento de decisão judicial incidiria em outro ilícito, para além das obrigações inerentes a atividade de difusão de mensagens. A internet não deve ser um ambiente em que há incentivo para cometimento de ilícitos", explica.

Para o advogado, o interesse de Musk não é a defesa da democracia. "Há, aparentemente, um interesse em fragilizar as instituições brasileiras, visando potencializar negócios e infusão de informações em defesa dos seus interesses empresariais. Não me parece ser o motivador a afetação ideológica do caso, que entra no discurso oficial como mero instrumento de mobilização e apoio", analisa.

Para Rubens Beçak, professor de graduação e pós-graduação da USP, o ministro Alexandre de Moraes tomou uma decisão "ousada" ao incluir Elon Musk no inquérito das milícias digitais porque dificilmente o bilionário poderá ser alcançado pelas penalidades brasileiras. "Acho que o Supremo deu um passo um tanto ousado, porque ao incluir uma pessoa, como o Elon Musk, não vai conseguir extraditá-lo para cumprir pena no Brasil", afirma o mestre e doutor em direito constitucional. "O Brasil pode ficar ordenando, mas eu diria, não vou dizer que é impossível, mas é muito pouco provável que isso venha a acontecer. O Brasil, nessa perspectiva, pode passar um recibo que não precisava estar passando perante a comunidade internacional", acrescenta.

Apesar disso, Beçak defende que Musk precisa se sujeitar à legislação e às decisões da justiça brasileira e descumpri-las é uma afronta à soberania do país. "Mesmo aqueles estando radicados fora, sejam pessoas físicas ou jurídicas, quando estão em solo brasileiro atuando, se sujeitam às leis brasileiras. Isso é um princípio basilar da soberania estabelecido há séculos e é cumprido. Existem relativizações, hoje em dia, que a doutrina faz sobre a questão da soberania, mas acho que não é objeto agora de considerarmos isso", explica.

O ministro Alexandre de Moraes se manifestou sobre o embate e toda a controvérsia do controle das redes sociais: "Tenho absoluta convicção que a população brasileira, as pessoas de bem sabem que liberdade de expressão não é liberdade de agressão. Sabem que liberdade de expressão não é liberdade para proliferação do ódio, do racismo, da misoginia, da homofobia. A liberdade de expressão não é liberdade de defesa da tirania".

E ainda fez uma provocação a Elon Musk, dono da SpaceX — empresa do setor aeroespacial, que projeta, fabrica e lança foguetes ao espaço — : "Talvez alguns alienígenas não saibam, mas passaram a aprender e tiveram conhecimento da coragem e seriedade do Poder Judiciário brasileiro". 

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