Entrevista

Preocupação com a soberania nacional: Empresas estrangeiras devem seguir legislação no Brasil

Tatiana Bonatti Peres, Doutora e mestre em direito civil pela PUC-SP explica regras para que empresas estrangeiras e multinacionais possa fazer negócios no Brasil

 Tatiana Bonatti Peres é advogada atuante há mais de 20 anos na área de Direito Imobiliário, Agronegócio e M&A. -  (crédito:  Arquivo Pessoal)
Tatiana Bonatti Peres é advogada atuante há mais de 20 anos na área de Direito Imobiliário, Agronegócio e M&A. - (crédito: Arquivo Pessoal)

Advogada atuante há mais de 20 anos na área de direito imobiliário, agronegócio e M&A, Tatiana Bonatti Peres acompanha como estudiosa os debates sobre negócios envolvendo a compra de propriedades no Brasil por empresas estrangeiras. A advogada entende que a legislação do país é clara e estabelece a necessidade de autorização governamental prévia para que estrangeiros possam adquirir ou arrendar grandes áreas do território nacional, sob pena de nulidade de pleno direito dos contratos de aquisição. Para a doutora e mestre em direito civil pela PUC-SP, com pós-doutorado em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC — Centro de Direitos Humanos da Universidade de Coimbra, trata-se de uma questão que envolve a soberania nacional.

A disputa em torno da Eldorado Celulose tem suscitado debates sobre a legislação que trata da aquisição de terras por empresas estrangeiras. O que deve ser considerado num negócio como esse?

Em primeiro lugar, não há nada de novo ou inédito neste caso. A lei estabelece a necessidade de autorização governamental prévia para que estrangeiros possam adquirir ou arrendar grandes áreas do território nacional, sob pena de nulidade de pleno direito dos contratos de aquisição. As restrições se aplicam às compras diretas de imóveis rurais, a arrendamentos e, também, é importante destacar, às compras indiretas, como na aquisição por estrangeiros de controle acionário de empresa brasileira que seja proprietária e/ou arrendatária de imóveis rurais. É considerada estrangeira para fins das leis vigentes a sociedade brasileira que seja controlada por estrangeiros com sede ou residência no exterior. A Eldorado é uma empresa brasileira proprietária e arrendatária de extensas áreas rurais. A compra de seu controle acionário por estrangeiros, portanto, depende da autorização governamental e do Congresso Nacional.

Empresas estrangeiras podem adquirir terras no Brasil? Em que condições?

Sim, basta seguir algumas regras previstas nas leis vigentes. Aliás, várias empresas estrangeiras respeitam as leis brasileiras na aquisição e arrendamento de terras. Conforme as leis vigentes, a compra ou o arrendamento de grandes extensões de terras depende de autorização prévia para a aquisição ou arrendamento por estrangeiros de forma direta ou indireta, depende da área do imóvel, definida em módulos de exploração indefinida (Mei). O Mei é uma unidade de medida, expressa em hectares, que varia entre 5 e 100 hectares, a depender da localização do imóvel. O pedido de autorização prévia direcionado ao Incra somente é dispensável para a aquisição de imóveis rurais com até três Mei por pessoa natural estrangeira, desde que seja a primeira aquisição ou arrendamento. Empresas estrangeiras ou brasileiras equiparadas a estrangeiras por ter capital votante majoritário estrangeiro, qualquer que seja a dimensão do imóvel rural, devem obrigatoriamente apresentar projeto de exploração da área para avaliação prévia pelo Incra.

Qual é o risco para a soberania nacional?

Não existe nação sem território e não existe território sem terra. O território é o campo de exercício da soberania de uma nação. Por isso, não é de hoje que se estabelecem certos cuidados à venda ou arrendamento de terras para estrangeiros. É um bem de extrema relevância e, por isso, protegido pela Constituição. As regras para a aquisição de terras são fundamentais para que uma Nação exerça sua soberania na produção de alimentos, na preservação das áreas verdes e no abastecimento de água potável, entre outros bens essenciais à vida. Assim como as operações de atos de concentração empresarial em geral dependem de autorização prévia do CADE, também na hipótese de operações de concentração de terras em favor de estrangeiros, a análise é prévia. Não é uma análise casuística a ser feita a posteriori, mas a violação da lei já é considerada de tamanha gravidade a ensejar a nulidade da contratação. Foi o legislador que definiu a gravidade da conduta por entender que a alienação irrestrita do território nacional, sem controle prévio, é uma temeridade danosa aos interesses brasileiros.

Acredita que seria necessária a aprovação de uma nova lei que trate do tema?

Vejo uma necessidade de maior regulamentação para viabilizar maior controle e fiscalização das aquisições indiretas, de modo a assegurar que o regramento fixado em lei seja obedecido. De outro lado, é possível que se chegue à conclusão de que as leis atuais não atendem os interesses atuais da nação brasileira. Por exemplo: é muito ou pouco 25% de cada município brasileiro estar em poder de estrangeiros? É muito ou pouco 10% estar em poder de estrangeiros de uma mesma nacionalidade? Acredito que o debate sobre o tema, tendo em vista a atualização da legislação é salutar. Entretanto, vejo com preocupação projetos de lei que simplesmente eliminam os limites qualitativos e quantitativos da lei vigente, sem maiores estudos quanto ao impacto disso para os interesses nacionais.

Acredita que o desfecho desse caso será a base para outras decisões jurídicas envolvendo o tema?

Já existe uma consolidação das leis no Brasil sobre esse tema, tratado reiteradas vezes nos tribunais. A nulidade de pleno direito é decorrente de lei. Logo, um desfecho diferente do que está ancorado nas leis, ou seja, um resultado diferente da nulidade, poderia gerar estranheza. Não se pode mudar a lei para atender a interesses individuais, já que o Estado estaria premiando o descumprimento da lei.

 


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postado em 02/05/2024 04:01
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