
Por Eduardo Berbigier* — Ao fazermos uma retrospectiva do ano de 2024, constatamos um número recorde de pedidos de recuperação judicial no agronegócio. Segundo a Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial entre produtores rurais, como pessoa física, aumentaram 523%. Um número preocupantemente elevado.
O ano de 2024 não foi favorável para o agronegócio, com problemas que já se manifestavam desde 2023. Duas safras consecutivas ficaram abaixo do ideal devido a questões climáticas, preços e fatores externos, como guerras e oscilações políticas. Contudo, esses fatores isoladamente não justificariam um aumento tão expressivo nos pedidos de recuperação judicial. É inegável que alguns escritórios de advocacia também atuaram para convencer produtores rurais em dificuldades (ou não) de que esse processo seria uma alternativa viável a ser considerada.
Vale ressaltar que o instituto da recuperação judicial, nas mãos erradas, pode ser sinônimo de planejamento financeiro equivocado. Existem casos de empresas que utilizam a recuperação judicial de forma antiética e temerária. Essas empresas obtêm descontos forçados, a qualquer custo, porque os credores são obrigados a conceder os abatimentos por decisão judicial. Agem assim como estratégia financeira: renovam a frota, compram produtos dos fornecedores, substituem o maquinário e, em seguida, pedem recuperação judicial. Há muitos casos de uso inadequado desse mecanismo.
Muitos produtores, sem experiência com esse tipo de situação ou sem acesso a uma boa assessoria, acabaram optando pela recuperação judicial.
A Lei nº 14.112/2020 alterou a Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005), permitindo que produtores rurais pessoa física pudessem requerer um plano de recuperação judicial similar ao destinado a microempreendedores individuais. Antes disso, apenas produtores rurais registrados na Junta Comercial por pelo menos dois anos podiam solicitar o benefício.
De forma simplificada, a recuperação judicial é o que antes era conhecido como concordata. Trata-se de um mecanismo para situações em que uma pessoa ou empresa não consegue mais cumprir seus compromissos financeiros de forma convencional. O processo busca a reestruturação da empresa em dificuldades, permitindo a renegociação das dívidas mediante apresentação de um plano, que deverá ser seguido para o pagamento dos credores.
Antes que a empresa quebre ou venha a falir, há a possibilidade de solicitar a recuperação judicial. A legislação atual é mais avançada que a antiga concordata, e seu principal objetivo é permitir a reestruturação da empresa. Contudo, no setor agropecuário, essa medida, muitas vezes, não era realmente necessária. Além disso, o processo pode abalar a credibilidade da empresa e até do mercado como um todo.
A recuperação judicial organiza os débitos, com exceção de tributos e dívidas garantidas por alienação fiduciária. Por isso, atualmente, os bancos utilizam amplamente esse instituto. No passado, era comum a hipoteca de terras; hoje, adota-se a alienação fiduciária, que transfere a propriedade ao banco, exercendo-se os direitos sobre ela apenas em caso de inadimplência.
Se o juiz deferir o pedido, o solicitante, em regra, dispõe de seis meses para obter a aprovação do plano, prazo que, em alguns casos, pode ser prorrogado. A aprovação depende da votação dos credores em assembleia, onde podem ser negociados descontos e prazos mais longos.
Muitas vezes, advogados conseguem para os agricultores reduções de até 80% das dívidas, com prazos de pagamento de até 20 anos. No entanto, em vários casos analisados, vimos que o recurso era desnecessário.
Normalmente, o devedor, quando o processo é bem conduzido. Em casos extremos, os credores também podem se beneficiar, já que a recuperação judicial organiza as dívidas e permite que todos recebam algo, evitando a falência do devedor.
Em algumas situações, os credores assumem parte da operação do devedor, o que nem sempre é uma solução ideal, especialmente em casos de mau uso do mecanismo.
Por exemplo, um devedor que pede recuperação judicial pode negociar com um banco sem alienação fiduciária, obtendo redução de 50% do débito e parcelamento em 10 anos. No entanto, essa empresa ou produtor rural dificilmente conseguirá operar com esse banco no futuro.
Se praticamente todos os financiadores forem incluídos no processo, como o produtor rural ou empresário trabalhará no curto prazo? Quais serão suas fontes de financiamento? Muitas vezes, produtores ou empresas que entram em recuperação judicial não têm caixa ou lastro para operar após o processo.
Todas as etapas, desde a gestão do processo até a manutenção da atividade posterior, são essenciais. Embora o mecanismo permita que a empresa saia mais forte, ele não deve ser utilizado de forma precipitada. Infelizmente, muitos casos recentes mostraram que o uso inadequado inviabilizou atividades futuras.
Há outras soluções antes de recorrer à recuperação judicial, como parcerias comerciais. Em algumas regiões, o produtor pode firmar parcerias locais para adquirir insumos ou escoar a produção. Essa alternativa, quando bem planejada, pode ser menos onerosa e mais viável.
*Advogado tributarista, especialista em agronegócio, membro dos Comitês Jurídico e Tributário da Sociedade Rural Brasileira e CEO do Berbigier Sociedade de Advogados
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