
Por Ingrid Raunaimer* — O conceito de cargo de confiança é utilizado no ambiente corporativo, mas nem sempre de maneira correta. Essa classificação impacta diretamente os direitos dos trabalhadores, principalmente no pagamento de horas extras. Segundo a CLT, não basta que um funcionário tenha título diferenciado ou receba gratificação extra; ele precisa exercer funções de gestão com autonomia real para que seja excluído do controle de jornada.
Apesar disso, empresas adotam essa nomenclatura de forma indevida, buscando reduzir custos trabalhistas sem conceder ao empregado os poderes que caracterizam um verdadeiro cargo de confiança. Esse enquadramento exige três requisitos fundamentais: poder de mando, autonomia gerencial e um salário diferenciado.
A CLT, no artigo 62, inciso II, estabelece que apenas empregados que exercem atribuições de gestão, com responsabilidades comparáveis às dos diretores e donos da empresa, podem ser considerados de confiança. Na prática, isso significa que um funcionário que precisa de autorização superior para tomar decisões estratégicas, contratar ou demitir funcionários e alterar processos não pode ser enquadrado nessa categoria. Se essas características não estiverem presentes, o trabalhador pode questionar judicialmente sua classificação.
O problema surge quando as empresas modificam apenas o título do cargo ou concedem um adicional financeiro para mascarar a ausência de poder real de gestão. No entanto, a Justiça do Trabalho avalia a realidade dos fatos, e não apenas a descrição formal da função. Se for comprovado que o empregado não tem autonomia para exercer as funções típicas de um cargo de confiança, a empresa pode ser condenada a pagar todas as horas extras devidas, além de eventuais indenizações.
Diante desse cenário, trabalhadores que suspeitam de um enquadramento indevido devem reunir provas para contestar a situação. Registros de ponto, trocas de e-mails com superiores, organogramas da empresa e até testemunhos de colegas podem servir como evidências de que a autonomia exigida por lei não existe na prática. Se a Justiça reconhecer a irregularidade, a empresa poderá ser obrigada a pagar todas as horas extras acumuladas nos últimos cinco anos, incluindo reflexos em férias, 13º salário e FGTS.
A Justiça tem sido cada vez mais rigorosa nesse tipo de análise. Um exemplo recente é o de um banco condenado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) a pagar cinco anos de horas extras a um gerente de agência que, apesar do título, não tinha poder real de decisão, pois precisava seguir ordens da matriz. Outro caso envolveu uma grande rede de supermercados, que promovia funcionários a "chefes de seção" sem dar a eles autonomia. O Tribunal concluiu que esses trabalhadores não exerciam cargo de confiança e determinou o pagamento retroativo das horas extras.
O trabalhador que ainda está empregado pode ingressar com uma ação para reivindicar o reconhecimento da jornada de trabalho e o pagamento das horas extras devidas. Caso a empresa o demita em retaliação, ele pode exigir indenização por danos morais e, em alguns casos, até sua reintegração ao cargo.
Com a fiscalização cada vez mais intensa e decisões judiciais favoráveis aos trabalhadores, as empresas precisam estar atentas para evitar irregularidades. Para os empregados, conhecer seus direitos é fundamental para garantir que suas funções sejam corretamente reconhecidas e remuneradas. Além disso, manter um acompanhamento jurídico preventivo pode ser essencial para evitar prejuízos e assegurar que a legislação seja aplicada corretamente no ambiente de trabalho.
*Advogada trabalhista