
Por Artur Muxfeldt* e Caio Espíndola** — Desde 2020, a transação tributária tem ganhado destaque como um dos instrumentos mais eficazes na resolução de conflitos entre o Fisco e os contribuintes. Conforme dados divulgados em dezembro de 2024 pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a União arrecadou, em 2023, R$ 48,3 bilhões inscritos em dívida ativa, sendo que, desse total,
R$ 20,7 bilhões foram oriundos de transações.
A efetividade do instituto decorre de sua capacidade de alinhar, de forma consensual, interesses historicamente contrapostos entre a Fazenda Pública e os contribuintes. Além de permitir a regularização do passivo tributário, a transação tributária pode ter reflexos importantes na responsabilização criminal de contribuintes investigados pela prática de crimes contra a ordem tributária.
Com o encerramento do processo administrativo fiscal, em que há indícios de crimes contra a ordem tributária, a autoridade fiscal tem o dever de encaminhar ao Ministério Público (MP) uma representação fiscal para fins penais. No caso de débitos originários de pessoa jurídica, a representação fiscal pode recair sobre os respectivos sócios e administradores.
Após o recebimento da representação fiscal, o MP poderá dar início à persecução penal, requisitando a instauração de inquérito policial, o que poderá resultar no oferecimento de denúncia. O art. 83, §2º, da Lei 9.430/96 prevê que o pedido de parcelamento tributário é causa de suspensão da pretensão punitiva do Estado, desde que formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.
Embora a transação tenha efeitos práticos muito semelhantes aos do parcelamento, tanto para fins de suspensão da cobrança tributária, após convenção entre as partes, quanto para a extinção do crédito tributário após o cumprimento integral do acordo, não há previsão expressa em relação aos efeitos de suspensão da pretensão punitiva do Estado na esfera criminal.
Diante dessa lacuna legislativa, em fevereiro deste ano, a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) publicou a Orientação nº 53, que aplicou às transações tributárias os mesmos efeitos já previstos em lei para os parcelamentos tributários. Isso significa que, se a transação for celebrada antes do recebimento da denúncia, haverá a suspensão da pretensão punitiva e o impedimento do ajuizamento de ação penal.
Embora essa orientação não tenha efeitos vinculantes aos membros do MP, representa um importante alinhamento institucional do órgão, pois oferece maior previsibilidade e segurança jurídica aos contribuintes alvos de investigações criminais. Espera-se que, com a entrada em vigor da referida orientação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) revise seu posicionamento atual, marcado pela resistência em equiparar os efeitos do parcelamento tributário às hipóteses de transação ou a qualquer forma de garantia da execução fiscal.
Nesse aspecto, não se deve confundir os efeitos penais do parcelamento tributário — e da formalização do pedido de transação tributária — com aqueles advindos do pagamento integral do tributo. Isso porque, enquanto o parcelamento e a transação tributária supostamente precisariam ocorrer antes do recebimento da denúncia — peça que inaugura o processo criminal — e têm como efeito a suspensão da pretensão acusatória criminal, o pagamento integral do tributo extingue a punibilidade do agente e pode ser realizado a qualquer tempo, conforme vem reconhecendo a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal (STF).
Por essa razão, muito embora se reconheça que a Orientação nº 53 do MPF representa um marco significativo na regulação dos efeitos penais da transação tributária, trazendo maior segurança jurídica aos contribuintes, seu texto poderia ser menos restritivo, estendendo a concessão do benefício de suspensão da pretensão acusatória em matéria criminal para a adesão à transação em qualquer das etapas da persecução penal. Isso porque não parece producente movimentar toda a máquina estatal para, ao final, caso o tributo seja pago, declarar extinta a punibilidade. Portanto, considerando a eficácia do instituto e a importância de garantir um equilíbrio entre a arrecadação fiscal e a responsabilidade penal, seria recomendável que futuras regulamentações ou interpretações jurisprudenciais ampliassem o alcance da suspensão da pretensão punitiva, promovendo uma aplicação mais adequada e coerente da transação tributária na esfera penal.
Sócio da área tributária do escritório BVZ Advogados*
Advogado criminalista e sócio fundador do escritório Espíndola Fonseca Advocacia**