Visão do Direito

Os escritórios brasileiros de advocacia e reconfiguração do comércio global

"A internacionalização das operações empresariais impõe, ainda, o fortalecimento da prática trabalhista em escala global, com due diligence preventiva em múltiplas jurisdições"

 Eixo Capital.  Antonio Tavares Paes, advogado especialista em direito societário, arbitragem e compliance, além de sócio fundador do Costa Tavares Paes Advogados -  (crédito:  Divulgação)
Eixo Capital. Antonio Tavares Paes, advogado especialista em direito societário, arbitragem e compliance, além de sócio fundador do Costa Tavares Paes Advogados - (crédito: Divulgação)

Por Antonio Tavares Paes* — O comércio internacional atravessa um momento de inflexão paradigmática, impulsionado por vetores geopolíticos, ambientais, tecnológicos e institucionais que estão remodelando, profundamente, as cadeias globais de valor, os fluxos de capitais e os arcabouços normativos que disciplinam as trocas transnacionais. A ascensão de novos polos de influência econômica, a intensificação de medidas protecionistas, o instrumentalismo de pautas ambientais como mecanismos de barganha e a fragmentação do multilateralismo tradicional inauguram um novo paradigma, exigindo dos escritórios de advocacia empresarial brasileiros uma reorientação estratégica de suas competências e práticas.

Destaca-se o protagonismo dos Brics na edificação de uma nova geopolítica comercial, com iniciativas como a Belt and Road Initiative (BRI), o fortalecimento do yuan como moeda de liquidação internacional e a liderança em fóruns como o RCEP (Regional Comprehensive Economic Partnership, envolvendo os 10 estados membros da Association of Southeast Asian Nations - Asean e os cinco sócios Austrália, China, Japão, Coreia do Sul e Nova Zelândia). A utilização de moedas locais (ex.: yuan, real) impõe desafios jurídicos relevantes, sobretudo no tocante à revisão de cláusulas de pagamento, garantias e mecanismos de resolução de disputas, diante da volatilidade cambial e da incipiente jurisprudência sobre contratos em moedas não conversíveis. A institucionalização do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), a proposição de novos sistemas de liquidação financeira e o crescimento de moedas digitais evidenciam a busca por autonomia financeira e impactam, diretamente, a estruturação de financiamentos, a eleição de foro e a arbitrabilidade de litígios.

Simultaneamente, a imposição de barreiras ambientais, como o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) europeu, é percebida por países em desenvolvimento como subterfúgios protecionistas, potencialmente violadores dos princípios da OMC, como o tratamento nacional e a não discriminação. Exportadores brasileiros, especialmente dos setores de aço e alumínio, enfrentam exigências de comprovação de pegada de carbono para acessar o mercado europeu, o que pode ensejar litígios perante a OMC ou arbitragens internacionais, sobretudo na ausência de certificação ambiental nacional robusta.

Nesse contexto, torna-se imperativa a formação de equipes jurídicas com fluência técnica nos sistemas jurídicos de países como China e Índia, bem como o estabelecimento de parcerias estratégicas com escritórios locais, a fim de monitorar alterações legislativas e sanções internacionais. A relocalização de cadeias produtivas (reshoring e nearshoring) motivada por tensões geopolíticas demanda reestruturações societárias complexas, operações de M&A transfronteiriças e revisão de contratos internacionais, com especial atenção às cláusulas de hardship e força maior, adaptadas a riscos geopolíticos e ambientais.

A instabilidade macroeconômica e o aumento do custo de capital têm impulsionado o crescimento de inadimplementos e reestruturações de dívida, exigindo domínio sobre mecanismos de insolvência transnacional (ex.: UNCITRAL Model Law), atuação em recuperações judiciais com credores estrangeiros e assessoria a fundos de distressed assets na aquisição de créditos inadimplidos. Empresas brasileiras com dívida emitida em Nova York enfrentam desafios na renegociação com bondholders dispersos, tornando essencial a atuação coordenada com escritórios americanos e o uso de collective action clauses(CACs).

A internacionalização das operações empresariais impõe, ainda, o fortalecimento da prática trabalhista em escala global, com due diligence preventiva em múltiplas jurisdições, atuação em litígios transnacionais envolvendo expatriados e assessoria em contratos internacionais de trabalho, além do gerenciamento de riscos de corresponsabilidade em terceirizações.

O Mercosul, apesar de suas limitações, emerge como plataforma para acordos com África e Ásia, impulsionando a necessidade de equipes jurídicas especializadas em negociações comerciais, assessoria a investimentos inter-regionais e atuação em contenciosos perante tribunais internacionais. A expansão geográfica dos clientes demanda acesso a sistemas jurídicos estrangeiros, como tribunais norte-americanos, OMC e outros fóruns internacionais. A jurisdição americana, embora estratégica em litígios com multinacionais, apresenta desafios como custos elevados e peculiaridades processuais, notadamente o julgamento por júri em matéria cível, o instituto do discovery e dificuldades de execução de sentenças estrangeiras.

Apesar da crise institucional da OMC, seus mecanismos de solução de controvérsias permanecem relevantes, oferecendo base normativa para contenciosos bilaterais e pressão diplomática. Contudo, a arbitragem internacional consolida-se como via preferencial para resolução de disputas comerciais, exigindo dos escritórios brasileiros expertise em soft law (ex.: Unidroid Principles), atuação em câmaras arbitrais de renome (ICC, LCIA, CIETAC, CAM-CCBC) e, preferencialmente, formação em Common Law.

A advocacia empresarial, nesse cenário de transição, deve antecipar riscos, compreender contextos culturais e jurídicos diversos e ofertar soluções jurídicas integradas, consolidando-se como protagonista em um mundo multipolar, fragmentado e volátil.

 

Advogado especialista em direito societário, arbitragem e compliance, além de sócio fundador do Costa Tavares Paes Advogados*

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Por Opinião
postado em 14/08/2025 04:00
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