Visão do Direito

Inovação com responsabilidade: o papel estratégico do Sistema S nas contratações

"Insistir na aplicação indiscriminada da nova lei de licitações ao Sistema S representa um retrocesso institucional"

 Eixo Capital.  Karina Macedo Marra Leal, sócia do escritório Deborah Toni Advocacia. Advogada com sólida formação em direito administrativo, pós-graduada em direito público e em licitações e contratos, com mais de 22 anos de experiência na administração pública -  (crédito:  Divulgação )
Eixo Capital. Karina Macedo Marra Leal, sócia do escritório Deborah Toni Advocacia. Advogada com sólida formação em direito administrativo, pós-graduada em direito público e em licitações e contratos, com mais de 22 anos de experiência na administração pública - (crédito: Divulgação )

Por Karina Macedo Marra Leal* — O Sistema S há muito habita a zona de transição entre o público e o privado, desafiando classificações simplistas e exigindo maturidade institucional para lidar com sua complexidade jurídica. Compostas por entidades como Sebrae, Sesi, Senac, Senai e outras, essas instituições voltadas à educação profissional, inovação e desenvolvimento social não integram a Administração Pública e, portanto, não se submetem automaticamente ao regime legal das contratações estatais.

Com a entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021, reacendeu-se o debate: o Sistema S estaria subordinado à nova legislação de licitações e contratos? A resposta é negativa. O Supremo Tribunal Federal (STF), em diversas ocasiões, foi claro ao reconhecer a autonomia administrativa, regulatória e de gestão dessas entidades, inclusive no que se refere à contratação de pessoal e à adoção de regulamentos próprios para licitações. O dever de licitar existe, sim, mas nasce do compromisso com o interesse público e da responsabilidade com os recursos administrados, não da sujeição automática ao regime jurídico estatal.

Insistir na aplicação indiscriminada da nova lei de licitações ao Sistema S representa um retrocesso institucional. Não por rejeitar boas práticas, muitas delas já antecipadas pelos próprios regulamentos internos dessas entidades, mas porque desconsidera a prerrogativa constitucional de inovar com responsabilidade. É preciso compreender que as normas próprias do Sistema S são instrumentos construídos com base em princípios constitucionais, benchmarking internacional e experiência institucional, e não mecanismos de flexibilização oportunista.

Nesse cenário, a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) deve ser celebrada quando respeita os limites da legalidade e atua como indutor de boas práticas, e não como instância que substitui, pela via administrativa, a autoridade das decisões do Supremo. A fiscalização é necessária e legítima, desde que não anule avanços jurídicos já consolidados judicialmente.

O Brasil vive um momento em que soluções jurídicas precisam ser ágeis, eficientes e adaptadas à realidade. Esperar que o Sistema S peça licença para fazer o certo é desperdiçar seu potencial transformador. O país não precisa que essas entidades sejam meras cópias da administração direta — precisa que elas liderem, com ousadia e responsabilidade, a construção de uma governança mais inteligente, flexível e comprometida com sua missão.

Essa missão não é trivial: formar profissionais, fomentar a inovação, fortalecer a competitividade empresarial e melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores. São objetivos constitucionais, que exigem modelo regulatório próprio, vocacionado para resultados, e não um simples transplante de normas pensadas para outras realidades institucionais.

Ampliar esse debate exige valorizar a governança jurídica construída ao longo de décadas. Os regulamentos internos do Sistema S não são apenas manuais operacionais, são motores de inovação, que garantem conformidade legal, mas também liberdade institucional para contratar com eficiência, fomentar a competitividade e gerar impacto social. Isso só é possível quando a norma interna deixa de ser um obstáculo burocrático e passa a ser uma aliada estratégica.

Ao impor a aplicação automática de regras voltadas à Administração Pública, cria-se um ambiente de insegurança jurídica que desestimula a criatividade e paralisa iniciativas legítimas, mesmo quando amparadas pelo STF e referendadas pelo TCU. Essa insegurança compromete o papel do Sistema S como espaço legítimo de experimentação regulatória e responsabilidade institucional diferenciada.

Autonomia normativa não é fragilidade — é maturidade. E maturidade institucional exige coragem para inovar com consistência, transparência e foco no interesse público. Recuar por medo da responsabilização é abrir mão da missão transformadora que o Estado delegou a essas entidades.

A resposta esperada do Sistema S, portanto, não é a submissão silenciosa, mas um protagonismo regulatório firme. Suas entidades devem consolidar-se como referência nacional em boas práticas de contratação, demonstrando que é possível conjugar legalidade, eficiência e inovação sem abrir mão da integridade. Esse é o tipo de liderança que o país precisa para enfrentar com responsabilidade os desafios da modernização da gestão pública.

Advogada administrativa, pós-graduada em direito público e em licitações e contratos sócia do escritório Deborah Toni Advocacia*

 

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Por Opinião
postado em 21/08/2025 03:00
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