Visão do Direito

Carbono Oculto e os paralelos da tokenização: entre a inovação e o colapso

"Esse quadro não constitui fato isolado, mas sim prenúncio de turbulências futuras, caso a tokenização imobiliária seja introduzida de maneira desregulada"

 Eixo Capital.  Lucas Paes Koch, advogado e professor, doutorando e mestre em Ciência Jurídica, além de especialista em Direito Imobiliário e Direito Notarial e Registral -  (crédito:   Divulgação)
Eixo Capital. Lucas Paes Koch, advogado e professor, doutorando e mestre em Ciência Jurídica, além de especialista em Direito Imobiliário e Direito Notarial e Registral - (crédito: Divulgação)

Por Lucas Paes Koch* — A denominada Operação Carbono Oculto revelou um esquema bilionário de lavagem de capitais,estruturado por meio de fintechs, fundos de investimento que atuavam como verdadeiros bancos paralelos, funcionando à margem do sistema regulado. O episódio evidenciou de forma incontestável que a transferência de funções próprias de instituições tradicionais para estruturas privadas destituídas de supervisão estatal não resulta em inovação genuína, mas sim em fragilidade sistêmica.

Esse alerta incide diretamente sobre o debate em torno da tokenização imobiliária, anunciada como promessa de liquidez e democratização do investimento, mas que, se implementada sem regras claras e fiscalização efetiva, poderá acabar reproduzindo —em proporções potencialmente devastadoras —os riscos já expostos pelas fintechs, desestabilizando assim o próprio sistema financeiro nacional. O que se apresenta como avanço tecnológico pode, na ausência de freios institucionais, converter-se em vulnerabilidade estrutural, atingindo um dos pilares da ordem econômica e da sociedade: a propriedade.

Esse quadro não constitui fato isolado, mas sim prenúncio de turbulências futuras, caso a tokenização imobiliária seja introduzida de maneira desregulada. A retórica da chamada "desintermediação" tecnológica revela-se não apenas ingênua, mas também perigosa, pois ameaça dissolver os pilares de confiança que sustentam a circulação de riquezas e a proteção jurídica dos indivíduos, abrindo um espaço amplo e fértil para práticas típicas de mercados paralelos informais, fora do radar das autoridades, fomentando a lavagem de dinheiro, a sonegação fiscal e as fraudes envolvendo a propriedade.

O Cofeci, com uma preocupação legítima, mas apressada, de oferecer diretrizes para a escalada das transações imobiliárias digitais, buscou responder à pressão por segurança e previsibilidade, por meio da Resolução Cofeci nº 1.551/2025. No entanto, ao adotar essa postura, acabou por ultrapassar os limites de sua competência normativa, projetando efeitos regulatórios sobre matérias que, pela ordem jurídica brasileira, dependem de disciplina em lei federal e da atuação institucional do Congresso Nacional e do Conselho Nacional de Justiça - CNJ.

No campo específico da tokenização de ativos imobiliários, o conjunto de regras ainda envolve, a depender do modelo adotado, a atuação coordenada de diversos atores do mercado financeiro — Comissão de Valores Mobiliários, Conselho Monetário Nacional e Banco Central— responsáveis pela disciplina do mercado de capitais e da intermediação financeira.

O Provimento nº 43/2025 da Corregedoria-Geral do Foro Extrajudicial do TJSC reafirmou essa lógica institucional aoproibir de forma expressa a prática de atos relacionados a tokens nos cartórios de Santa Catarina. Mais que uma orientação administrativa,é uma norma voltada a resguardar a ordem jurídica,aoreiterar que a matrícula não pode ser usada para conferir aparência de legitimidade a ativos digitais sem base legal.

Nesse contexto, a decisão da corte catarinense mostrou-se de rara precisão, sobretudo à luz do caso dasfintechs. Ao impedir a vinculação da matrícula a tokens digitais, deixou claro que a transparência e eficácia do registro da propriedade não pode legitimar experimentos à margemdo conjunto de leis e que uma tokenização desregulada representa risco concreto, capaz de gerar bolhas especulativas e até mesmo uma crise financeira nacional, operando, portanto, exatamente no sentido inverso ao pretendido.

A ilusão de que a tokenização, por si só, poderia substituir o papel central do registro de imóveis desconsidera que o direito de propriedade é uma criação jurídica baseada em leis, dependente do reconhecimento do Estado e das instituições. O registro não apenas garante a publicidade e a segurança das transações, mas também exerce funções sociais indispensáveis:fiscaliza o recolhimento de tributos, previne a lavagem de dinheiro, combate fraudes, assegura a independência e a estabilidade do sistema jurídico e ainda contribui para a tutela ambiental.

Nesse sentido, o Banco Central reforçou recentemente essa percepção ao anunciar que a próxima fase do Drexseguirá sem incorporar o blockchain, diante de limitações práticas relacionadas à privacidade e à interoperabilidade. A decisão frustrou parte do mercado, que via nessa tecnologia uma solução universal. A mensagem, no entanto, é clara: inovação tecnológica só se sustenta quando firmemente ancorada em regras sólidas e em uma estrutura de fiscalização confiável.

A tokenização, sem dúvida, tem espaço no cenário jurídico nacional, sobretudo como instrumento de inovação financeira e como mecanismo de ampliação do acesso a investimentos imobiliários. Todavia, deve ser compreendida como tecnologia complementar e não substitutiva.

Longe de se configurar como uma ruptura absoluta, a tokenização de ativos ligados a propriedade somente alcançará maturidade e confiabilidade quando dialogar com o sistema registral. Seu surgimento no Brasil, portanto, deve ser interpretadonão apenas como sinal de modernidade, mas também como um convite à prudência. Se a tecnologia pode — e deve — ser instrumento de progresso, é a força das instituições que lhe dará segurança e validade.

Compensações tributárias e a Quimera Fiscal

Recentemente, a Receita Federal do Brasil, em conjunto com a Polícia Federal, deflagrou uma nova operação para combater sonegação e lavagem de dinheiro relativas à recuperação de créditos tributários. A Operação "Quimera Fiscal" é uma continuação da Operação "Ornitorrinco", e o esforço das autoridades é de combate a falsas consultorias que usavam direito creditório indevido para quitar tributos, com efeitos imediatos por meio de compensações fraudulentas. Trata-se de uma modalidade grave de sonegação fiscal, entre outros crimes cometidos.

A compensação em si não é novidade no direito tributário brasileiro, e sua prática hoje gravita em torno do Pedido Eletrônico de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação (PER/DCOMP), ou simplesmente a mais conhecida "DCOMP", regulada sobretudo pela Lei nº 9.430 de 1996 e suas alterações.

O que as duas operações fiscais-policiais evidenciam são os sintomas de uma doença que acomete o sistema de declarações de compensações, qual seja, a existência de agentes nocivos que insistem em violentar as regras do jogo.

Por isso é necessário que os contribuintes que se pautam por práticas corretas sejam contundentes em repelir qualquer abordagem que pareça desrespeitar os pilares fundamentais das compensações legítimas, os quais, em resumo, são quatro no nível mais elementar: 1) o crédito deve ser líquido e certo, devendo existir de fato; 2) o débito a ser extinto com a compensação tem que ser próprio, de titularidade do contribuinte; 3) os tributos são da mesma esfera, isto é, federal com federal no que importa nessa análise, mas também há previsões de compensações estadual-estadual e municipal-municipal; e 4) trânsito em julgado para créditos judiciais, por imposição legal.

Do ponto de vista dos operadores do microssistema de compensações, inclusive, para a preservação do instituto, deve-se ter em mente que nenhuma proposta comercial, por mais agressiva e ousada que seja, pode vir na frente da segurança jurídica necessária à compensação tributária, que, apesar de ser orientada por consultor ou advogado, é, ao fim, do contribuinte.

Advogado e professor, doutorando e mestre em Ciência Jurídica, além de especialista em direito imobiliário e direito notarial e registral*

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Por Opinião
postado em 18/09/2025 03:00
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