Visão do Direito

Judicialização da saúde: um ano do julgamento do Tema 1234 do STF

"Segundo o painel do CNJ, mais de 40% das ações ajuizadas em 2025 referem-se a esse tipo de demanda"

Daiane Nogueira de Lira, Conselheira do CNJ e Supervisora do Fonajus -  (crédito: Divulgação)
Daiane Nogueira de Lira, Conselheira do CNJ e Supervisora do Fonajus - (crédito: Divulgação)

Por Daiane Nogueira de Lira* — Há um ano, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Tema 1234, estabelecendo critérios para a concessão judicial de medicamentos. A decisão marcou o equilíbrio entre o direito à saúde e a sustentabilidade do sistema público, culminando na Súmula Vinculante nº 60, de aplicação obrigatória em todo o Judiciário e administração pública.

O julgamento decorreu dos trabalhos da comissão especial, designada pelo ministro Gilmar Mendes, que resultou em três acordos interfederativos entre União, estados e municípios. Essa solução consensual é exemplo de governança judicial colaborativa, capaz de articular soluções dialógicas e efetivas.

Ao exigir evidência científica, deferência aos órgãos técnicos de saúde, impor limites de preço e repartir responsabilidades entre os entes federativos, o STF definiu novo paradigma para a judicialização da saúde. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus) assumiram papel estratégico, atuando na capacitação de magistrados e na articulação com gestores e profissionais de saúde, alinhando procedimentos e políticas públicas judiciárias.

Os efeitos já são perceptíveis. Entre janeiro e julho de 2025, foram protocolados 204.554 processos, uma queda de 6% em relação ao mesmo período de 2024. Destaca-se também a valorização da medicina baseada em evidências: a consulta obrigatória aos NatJus para medicamento não incorporados resultou no crescimento de 40% na emissão de notas técnicas, um dado que demonstra uma Justiça cada vez mais comprometida com critérios técnicos-científicos.

Outro avanço é a criação da plataforma nacional de medicamentos que reúne informações administrativas e judiciais, que permitirá melhor gestão, acompanhamento eficiente das ações e transparência para SUS, Judiciário e pacientes. Paralelamente, o CNJ, em parceria com o TJ-BA e o Hospital Albert Einstein, desenvolve o e-NatJus 4.0, agora com integração do Hospital das Clínicas da USP e InovaHC, aplicando inteligência artificial generativa para consulta em tempo real a jurisprudência e evidências científicas. Essas ferramentas serão integradas à PDPJ, conectando sistemas processuais de todos os tribunais, ampliando a troca de informações e facilitando o cumprimento do Tema 1234.

Os desafios permanecem. Persistem elevados índices de judicialização em situações que não deveriam depender do Judiciário, como fornecimento de medicamentos incorporados, consultas, cirurgias, internações, leitos de UTI, diálise, fraldas, cadeiras de rodas, curativos e outros insumos básicos. Segundo o painel do CNJ, mais de 40% das ações ajuizadas em 2025 referem-se a esse tipo de demanda. Nessas situações, muitas vezes não resta aos cidadãos alternativa senão recorrer ao Judiciário para obter soluções para problemas que deveriam ser prevenidos por uma gestão mais eficiente da saúde pública.

Com sensibilidade a essa realidade, o Fonajus Itinerante percorre os estados, em parceria com comitês estaduais de saúde, estabelecendo estratégias conjuntas para fortalecer políticas judiciárias. Paralelamente, promove capacitação de magistrados, servidores e equipes dos NatJus, alinhando a atuação judicial e extrajudicial às balizas do STF. As itinerâncias evidenciam os impactos sociais da judicialização, suas urgências e dilemas, além de mostrar que os padrões de litigiosidade variam entre os estados, exigindo respostas personalizadas, tempestivas e coerentes com o perfil das demandas de saúde em cada território.

A judicialização da saúde no Brasil é estrutural e multifacetada. O balanço de um ano do Tema 1234 revela avanços importantes na segurança jurídica, igualdade de acesso à saúde e respeito à expertise técnica. Apesar de iniciais, os resultados apontam para um Judiciário mais preparado, capaz de conciliar direitos individuais e interesses coletivos, transformando a judicialização em instrumento qualificado de cidadania.

Conselheira do CNJ e Supervisora do Fonajus*

 

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Por Opinião
postado em 18/09/2025 03:30
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