Visão do Direito

Precatórios podem abrigar despesas ilegais

"Pagar parcela de contrato em precatório é a revelação que algo muito errado ocorreu. Que pelo menos nesses casos, busque-se a responsabilização por ordem do juiz da causa que o Ministério Público seja informado com vistas à ação regressiva retirando do contribuinte o pagamento do valor do precatório"

Por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes* — Cresci ouvindo um chavão: vá se queixar ao papa. Oriundo de integrantes da uma elite que confiavam na ausência de responsabilização; que nos balcões públicos humilhavam o contribuinte e o pagador de impostos.

O desenvolvimento da sociedade, o fortalecimento das instituições do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, a organização de Defensorias Públicas e Delegacias especializadas, somada à notável melhoria da legislação com uma imprensa livre, a partir da Constituição-cidadã, conseguiu conter abusos e inaugurar grandes avanços.

Surpreende, nesse cenário, o desenvolvimento de teses, organizadas (organizações criminosas?) que deveriam estar gerindo recursos públicos com responsabilidade fiscal desenvolverem teses contra a literalidade da lei, violando o Fisco e transferindo dívidas em valores para as décadas seguintes. O endividamento, causando a ruína de empresas e violação dos direitos chega a níveis que devem ser severamente apurados.

Dívidas de contratos pagas em precatório

Ao assinar um contrato administrativo, a Administração assume obrigações nos estritos limites permitidos pela Lei Orçamentária. O limite é a previsão anual; caso ultrapasse esse limite, a continuidade fica sujeita a existência de crédito; interfere na decisão da previsão no Plano Plurianual. O valor do orçamento a ser reservado na nota de empenho deve corresponder ao valor da obrigação; aditivado, em caso de reajuste ou reequilíbrio econômico-financeiro. O orçamento é um instrumento do planejamento. Pois bem.

Alguns criminosos, com conhecimento mínimo e inescrupulosamente cancelam o empenho. Isso mesmo. E o fazem, inclusive, para faturas cujo cumprimento foi atestado, com restos a pagar já processados. Em consequência, apresentam à sociedade e ao Tribunal de Contas um superavit ou equilíbrio de contas. Quando procurados, ludibriam os inocentes, continha orçamentário, mas não tinha financeiro ou o inverso. Com outro vocabulário, "vá se queixar ao papa".

Quem controla contas públicas, muitas vezes, não faz auditoria, confiando nas informações que chegam sem a causa do cancelamento do empenho. Outras vezes, não têm ferramentas para perceber que o empenho foi cancelado, quando já não era possível juridicamente. E, é assim que essa tese se prolifera, ensinando com agentes das fazendas municipais outros agentes de outros municípios. Enfim,leva tempo para ser descoberto só casuisticamente não se percebendo a sistemática padrão do crime. Cancelar empenho é crime. Seu titular deve ser denunciado, para que seja afastado de cargos públicos.

Pagar parcela de contrato em precatório é a revelação que algo muito errado ocorreu. Que pelo menos nesses casos, busque-se a responsabilização por ordem do juiz da causa que o Ministério Público seja informado com vistas à ação regressiva retirando do contribuinte o pagamento do valor do precatório.

Empenho mensal

Outro crime, na categoria dos novos, é o empenho mensal do valor dos contratos. O valor da nota de empenho deve corresponder ao valor do contrato no ano, reajustado e reequilibrado, quando couber.

Ao cumprir corretamente a obrigação, o contratado tem direito a ter a fatura atestada, com indicação de data, para que o pagamento se faça segundo a ordem cronológica.

Ao não ter a nota de empenho, o contratado não consegue associar a despesa ao orçamento. Com o empenho mensal, frustrasse não só o orçamento, como a ordem cronológica. E o crime contra as finanças públicas será ainda mais difícil de apurar. Será necessário que em auditoria programada se faça o confronto do valor do contrato, com o valor inscrito na nota de empenho: ambos pelo valor da despesa anual. Da forma como se faz essa irregularidade, os valores também vão para precatório.

Duodécimos

Em situações excepcionalíssimas, pode ocorrer de o orçamento não ser aprovado no prazo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal — LRF. Para essas situações, a Lei de Diretrizes Orçamentária prevê um conjunto de contratos e obrigações que podem ser mantidos e pagos, sem previsão orçamentária. Libera-se um duodécimo para o mês.

Certamente, isso não mais ocorre no Brasil, pois a LRF não permite o início da fruição do recesso parlamentar sem o cumprimento da obrigação de votar o orçamento. [sic]

Aplicando a regra do duodécimo, a nota de empenho não pode ser superior a essa fração. Estar-se-ia consumando as duas irregularidades. Somente a responsabilização política — crime de responsabilidade pode alcançar os responsáveis nesse cenário.

O cidadão não tem como avaliar os efeitos gravíssimos à ordem democrática, para as finanças públicas, para o equilíbrio fiscal. Enquanto os servidores são massacrados por falta de planejamento, atropelados e embrulhados numa apuração hipócrita, o aparelhamento do Estado e o fortalecimento das instituições parece falhar diante desse cenário.

Advogado, mestre em direito público, professor de direito administrativo, escritor, consultor, conferencista e palestrante*

 

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