
Jair Bolsonaro se tornou o primeiro ex-presidente do país a ser condenado por tentativa de golpe de Estado, recebendo pena de 27 anos e três meses de prisão em regime fechado, fixada pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ex-presidente permanece em casa, cumprindo prisão domiciliar, determinada em 4 de agosto após descumprimento de medidas cautelares impostas pelo ministro Alexandre de Moraes. Isso ocorre porque o cumprimento da pena não é imediato: os réus ainda podem recorrer da decisão e tentar reverter a condenação.
De acordo com Guilherme Augusto Mota, advogado criminalista e sócio do escritório Guilherme Mota Advogados, em ações penais originárias a execução da pena só se inicia após o trânsito em julgado do acórdão condenatório, ou seja, quando não há mais recursos pendentes. Assim, medidas cautelares de outros processos, como a prisão domiciliar, correm em paralelo e não se confundem com a execução da pena fixada na Ação Penal 2668. "A cautelar de outro processo não antecipa o cumprimento da nova condenação", afirma.
Com o fim do julgamento, o STF tem até 60 dias para publicar o acórdão, documento que reúne os votos dos ministros. A partir dessa publicação, as defesas terão cinco dias para apresentar embargos de declaração, recurso destinado a esclarecer omissões ou contradições no texto final e, excepcionalmente, ajustar a dosimetria da pena. A expectativa é de que esse recurso seja analisado pela própria 1ª Turma entre novembro e dezembro.
Segundo o advogado, também seriam cabíveis embargos infringentes quando a decisão da Turma não é unânime. Nesse caso, o recurso levaria o processo ao plenário apenas no ponto em que houve divergência.
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Entretanto, para que isso ocorra, seria necessário pelo menos dois votos pela absolvição, ou seja, placar mínimo de três a dois. Somente assim seria possível interpor embargos infringentes contra a decisão. "Esse filtro é conhecido, de forma didática, como a 'teoria do voto de mérito qualificado': só vai ao Plenário aquilo que realmente pode levar a uma revisão da condenação", explica Mota.
Como houve apenas um voto pela absolvição, os embargos infringentes não deverão ser admitidos, por faltar a divergência qualificada. A defesa pode até apresentá-los para resguardar a tese, mas na prática, o foco recursal tende a se concentrar nos embargos de declaração, que ainda podem corrigir a dosimetria ou esclarecer trechos do acórdão.
Após o trânsito em julgado no próprio STF, caso todos os recursos sejam rejeitados, o Supremo determinará a execução imediata da pena até dezembro deste ano, conforme previsão do Tribunal.
Regime da pena
Segundo Mota, a regra é o cumprimento em regime inicial fechado, com recolhimento em unidade prisional. Exceções, como a prisão domiciliar humanitária, só podem ser concedidas diante de quadro clínico devidamente comprovado e mediante decisão específica do juízo da execução.
No caso de Bolsonaro, que carrega uma bolsa de colostomia graças a facada recebida durante sua campanha eleitoral de 2018, sua condição de saúde poderia alterar a forma de cumprimento, mas não o regime fixado. Havendo laudos médicos consistentes, o juiz da execução pode determinar adaptações, como transferência para unidade com estrutura hospitalar, hospital de custódia ou, em situações extremas, prisão domiciliar humanitária, sempre condicionada à comprovação técnica e à fiscalização judicial.
Um paralelo pode ser feito com o ex-presidente Fernando Collor, preso em abril deste ano por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele iniciou o cumprimento em presídio comum, mas dias depois obteve prisão domiciliar em razão de fatores médicos e etários.
"O precedente não garante a mesma solução em outros casos, mas indica o procedimento: avaliação médica, pedido fundamentado e decisão do relator. O caso Collor serve, portanto, como referência processual, não como promessa de resultado idêntico", ressalta o advogado.
Três perguntas para Guilherme Augusto Mota
Ainda é possível reduzir a pena?
Sim. Os embargos de declaração podem ajustar a dosimetria, desde que haja ponto objetivo a corrigir. Se a pena for reduzida, refazem-se o regime inicial, os marcos de progressão, a pena de multa e o prazo prescricional. A execução acompanha automaticamente o novo título. No entanto, segundo Mota, considerando a maioria formada na 1ª Turma, a probabilidade de alteração é bastante reduzida.
Há risco de prescrição ou outros entraves?
A prescrição, após a condenação, é calculada de acordo com a pena aplicada e sofre interrupções a cada acórdão condenatório. Com pena elevada e sucessivas interrupções, a prescrição a curto prazo é improvável. Outros entraves, como alegações de nulidade ou incompetência, podem ser levantados, mas em regra, não impedem a execução após o trânsito em julgado: são enfrentados em incidentes próprios.
A anistia poderia impedir o cumprimento da pena?
A anistia é ato político-legislativo, tradicionalmente utilizado em contextos de transição, como em 1945 (pós-Estado Novo) e em 1979 (abertura do regime militar). Em 2010, o STF manteve a interpretação ampla da anistia de 1979 para crimes políticos e conexos, em cenário excepcional de reconciliação institucional. O contexto atual é distinto: discute-se perdão para crimes contra a ordem democrática, após julgamentos extensos e colegiados. A tendência majoritária no debate jurídico, e em manifestações públicas de ministros, é de que uma anistia ampla, geral e irrestrita para esses fatos seria inconstitucional, sujeita a veto e a controle judicial imediato. Mesmo uma formulação mais restrita enfrentaria alto risco de judicialização por desvio de finalidade, violação da separação de Poderes e afronta à coerência do sistema penal. Em termos práticos: é possível propor, mas incerta a aprovação (sobretudo de forma ampla e irrestrita), é altamente provável o controle de constitucionalidade.
Direito e Justiça
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