Visão do Direito

Licenciamento ambiental e justiça tributária: desafios de coerência normativa

"A questão vai além de um debate meramente procedimental. O que está em jogo é a definição do modelo de desenvolvimento que o Brasil pretende adotar"

 2025. Eixo Capital. Marco Antônio Ruzene, sócio do Ruzene Sociedade de Advogados. Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-graduado lato sensu em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária/SP. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas  -  (crédito:  Divulgação )
2025. Eixo Capital. Marco Antônio Ruzene, sócio do Ruzene Sociedade de Advogados. Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-graduado lato sensu em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária/SP. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - (crédito: Divulgação )

Por Marco Antônio Ruzene* — O Congresso Nacional aprovou, após mais de 20 anos de debates, o Novo Marco Legal do Licenciamento Ambiental. A proposta, inicialmente apresentada como solução para lacunas normativas e excesso de burocracia, prometia previsibilidade tanto aos empreendedores quanto ao Poder Público. No entanto, a versão final do texto legaliza a flexibilização, acendendo um alerta vermelho para a proteção socioambiental no país.

A questão vai além de um debate meramente procedimental. O que está em jogo é a definição do modelo de desenvolvimento que o Brasil pretende adotar. O novo marco contém dispositivos profundamente problemáticos: a dispensa de licenciamento para atividades potencialmente impactantes, a limitação da atuação autônoma de órgãos ambientais e a restrição à participação de comunidades tradicionais no processo decisório. Essas mudanças não apenas enfraquecem o principal instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente como também representam um potencial retrocesso constitucional, com alta probabilidade de judicialização no Supremo Tribunal Federal.

Em paralelo, a Reforma Tributária introduziu uma contradição gritante no tratamento do saneamento básico. Apesar de ser serviço público essencial, diretamente ligado ao direito à saúde, à moradia digna e ao meio ambiente equilibrado, o saneamento foi excluído do regime de alíquotas reduzidas do novo IVA dual. O resultado é previsível: aumento de tarifas, retração de investimentos e risco real de descumprimento das metas de universalização estabelecidas pelo Marco Legal do Saneamento.

Esses dois movimentos legislativos revelam uma incoerência normativa no projeto nacional. De um lado, flexibiliza-se o licenciamento ambiental, instrumento constitucional de prevenção e controle. De outro, onera-se fiscalmente o saneamento, essencial para a concretização de direitos fundamentais. A pergunta que se impõe é: como conciliar a busca por eficiência regulatória e simplificação tributária com a necessidade imperiosa de proteger direitos socioambientais?

O licenciamento ambiental é muito mais do que uma etapa burocrática: é espaço de diálogo técnico, institucional e social. Ao relativizar a participação de órgãos como a Funai e a Fundação Palmares, o legislador silencia vozes historicamente vulnerabilizadas, ignorando que o desenvolvimento sustentável só se constrói com inclusão.

Do mesmo modo, a tributação deveria atuar como instrumento de justiça distributiva e de promoção de políticas públicas. A Constituição já estabelece a defesa do meio ambiente como princípio da ordem tributária. Onerar um serviço básico como o saneamento, reconhecido pela ONU como direito humano, significa caminhar na contramão da função social e ambiental dos tributos. Essa escolha aprofunda desigualdades regionais e afronta o princípio da proporcionalidade.

Os próximos meses, com a sanção presidencial do Marco do Licenciamento e a aplicação da Reforma Tributária, serão decisivos. Eles definirão o compromisso do Brasil com sua Constituição e com as gerações presentes e futuras. A questão central é clara: queremos um desenvolvimento pautado pela simplificação formal e pela arrecadação imediata, ou um que alinhe regulação, tributação e políticas públicas em favor da dignidade humana e da Justiça socioambiental?

Sócio do Ruzene Sociedade de Advogados. Doutor em direito tributário, mestre em direito das relações econômicas internacionais, pós-graduado lato sensu em direito tributário e bacharel em ciências jurídicas e sociais*

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postado em 02/10/2025 03:00
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