
Por Ademir Piccoli* — A transformação digital das instituições públicas brasileiras entrou em um novo ciclo. A agenda de 2026, desenhada a partir das prioridades já anunciadas por diversos tribunais, revela um movimento inequívoco: a tecnologia deixou de ser um setor de apoio e passou a ocupar papel estratégico na administração da Justiça. O que antes era tratado como modernização de processos hoje se impõe como política pública essencial para garantir direitos e ampliar o acesso ao Judiciário.
Nesse cenário, três eixos centrais estruturam a agenda de inovação da Justiça nos próximos anos. O primeiro é a computação em nuvem, com destaque para modelos multicloud que ganham corpo e criam possibilidades reais de escalabilidade, resiliência e interoperabilidade entre instituições. Em regiões historicamente desafiadas pela falta de conectividade, como no Amapá, a nuvem surge também como solução para manter serviços ativos mesmo diante de falhas locais de infraestrutura.
O segundo eixo é a cibersegurança, que deixou de ser opcional para se tornar custo fixo e estratégico. Mais do que barreiras de prevenção, exige mecanismos de monitoramento, resposta a incidentes e capacidade de recuperação rápida. O desafio não é mais "se" haverá ataques, mas "quando" e com que eficiência a instituição conseguirá se restabelecer.
O terceiro eixo é a inteligência artificial (IA), agora presente em frentes variadas de automação e suporte à decisão. A demanda por soluções inteligentes substitui gradualmente o antigo pedido por novos sistemas. O foco não está apenas em desenvolver ferramentas, mas em integrá-las ao cotidiano da Justiça com governança, métricas de retorno e transparência, para que gerem valor público de forma mensurável.
Mas a inovação não se resume a esses pilares. Ganha força a implantação de plataformas administrativas integradas, a contratação de serviços especializados e os modelos de outsourcing de infraestrutura e microinformática como serviço. Avançam também iniciativas de superapps e portais de serviços, que reorganizam a relação com o cidadão e reforçam a visão de uma instituição pública mais próxima, acessível e digital.
Ao mesmo tempo, cresce a percepção de que a transformação digital não é responsabilidade exclusiva da área de tecnologia. Setores de finanças, recursos humanos e governança se tornaram atores estratégicos, e a participação da alta administração em fóruns de inovação deixou de ser exceção para se tornar regra.
Esses avanços revelam dilemas que vão além da técnica. A escassez de profissionais especializados continua a limitar a execução de projetos de alta complexidade. A desigualdade orçamentária entre as instituições públicas e a falta de indicadores claros para medir o retorno dos investimentos em IA e em ferramentas digitais cria barreiras para a uniformização do acesso à tecnologia. Sem métricas objetivas, corremos o risco de acumular soluções sem comprovar seu impacto real na vida do cidadão.
Essa é uma preocupação ética e estratégica. Cada projeto precisa nascer com parâmetros de mensuração de valor público, para que a inovação não seja apenas um gasto, mas um investimento com resultados tangíveis em eficiência e acesso à Justiça.
É importante que as instituições públicas aproveitem a oportunidade de consolidar um ecossistema em que a tecnologia não é apenas contratada, mas governada, mensurada e compartilhada. O desafio é transformar investimento em resultado concreto para o cidadão.
O futuro da Justiça digital não será definido pela quantidade de sistemas adquiridos, mas pela capacidade de entregar valor com segurança, transparência e colaboração interinstitucional. Para quem acredita na inovação como motor de cidadania, esse é o verdadeiro norte, fazer da tecnologia não um fim em si mesma, mas um instrumento de garantia de direitos e de fortalecimento da democracia.
Advogado, ativista de inovação e CEO do J.Ex*
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