Visão do Direito

Reformas, imóveis e o papel do advogado

" O resultado é um tabuleiro muito mais complexo, no qual escolhas de estrutura, timing e governança valem tanto quanto a qualidade de cada ativo"

Luís Felipe Vieira Rangel, advogado tributarista em São Paulo, sócio de Dias de Souza Advogados Associados -  (crédito: Divulgação)
Luís Felipe Vieira Rangel, advogado tributarista em São Paulo, sócio de Dias de Souza Advogados Associados - (crédito: Divulgação)

Por Luís Felipe Vieira Rangel* — As reformas tributárias atualmente em curso no país impõem racionalidade e governança aos proprietários e adquirentes de um dos ativos mais tradicionais do Brasil: o imóvel. Há um traço profundo da cultura brasileira vinculado à alocação de riqueza em terras, terrenos e tijolos. O imóvel, aqui, é utilizado como reserva de valor, fonte de renda e um "porto seguro" contra toda sorte de instabilidades.

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Essa preferência atravessa gerações, mas entra num novo ciclo com a reforma do consumo (IBS/CBS), os redesenhos propostos para o Imposto de Renda e a crescente mobilidade internacional das famílias. O resultado é um tabuleiro muito mais complexo, no qual escolhas de estrutura, timing e governança valem tanto quanto a qualidade de cada ativo.

A linha do tempo da reforma impõe marcos claros aos planejamentos. Haverá a fase inicial de testes, transição e, depois, a adoção integral. No que se refere ao segmento imobiliário, há pontos que sobressaem, como as locações que tendem a ter alíquota reduzida e apuração por regime de caixa; alienações que operam com redutor setorial; e pessoas físicas, que, em certos patamares, poderão se enquadrar como contribuintes dos novos tributos. Isso redefine cálculos de retorno e pode alterar decisões básicas sobre a manutenção, ou não, do patrimônio na pessoa física, implicar reorganização de holdings ou, ainda, separar carteiras de renda e de desenvolvimento.

A transição exige atenção ao relógio. Em incorporações e loteamentos, escolhas feitas antes de datas-limite preservam regimes mais suaves; em locações, contratos longos anteriores aos cortes estabelecidos pela legislação ganham relevância. Para famílias locadoras, comparar a carga tributária pré-reforma (PIS/Cofins, ISS) com a do novo sistema por ativo e contrato tem virado rotina.

Do lado da renda, aprovou-se um "IR mínimo" para pessoas físicas, com retenções mensais sobre dividendos considerados elevados e um ajuste posterior anual. Isso pode reposicionar estruturas societárias e impor governança aos dividendos, em especial quanto à sua deliberação, calendário e encaixe com limites mensais. Some-se a isso a elevação das exigências de documentação para definição de políticas de partes relacionadas, contratos coerentes com o uso do ativo e trilhas de auditoria para os créditos e os redutores.

Todo esse rearranjo encontra um Brasil que envelhece e se internacionaliza. Cresce o número de famílias com membros fora do país, rendas em múltiplas moedas e vínculos distribuídos entre capitais globais. Nessa realidade, a residência fiscal deixa de ser só "onde se mora" e passa por conceitos como "centro de interesses vitais" e o velho "ânimo definitivo". Decisões de estudo, trabalho remoto e doações intergeracionais podem acionar gatilhos de dupla residência e de bitributação, exigindo coordenação prévia entre normas brasileiras e estrangeiras.

No plano micro, a lupa mudou de lugar. A Administração Tributária tem privilegiado a substância econômica e o beneficiário efetivo do rendimento em estruturas como usufruto, fundos e veículos no exterior. Em planejamento sucessório, isso exige cuidado na alocação de poderes e benefícios, assim como coerência entre quem suporta o risco e quem aufere o resultado. Quando a família cruza fronteiras, o desenho deve considerar regras bancárias, controles de capitais e os deveres acessórios.

E o que tudo isso pode significar para a nossa cultura e tradição imobiliária? Em primeiro lugar, que a conversa deixou de ser binária ("pessoa física" ou "pessoa jurídica"?) para se tornar matricial. Avaliar o antes e o depois por ativo e por veículo, testar regimes transitórios, projetar créditos e redutores, mapear quando a pessoa física pode virar contribuinte e entender o efeito das novas regras de renda nas distribuições é o novo normal.

Segundo, que a sucessão e a governança saem do rodapé: acordos de sócios, protocolos familiares, regras de voto, mandato e saída, políticas de distribuição e contingências para eventos de liquidez devem ser definidas antes do estresse. Terceiro, que há janelas para travar condições de transição em projetos, oportunidades de transformar Capex em dedução futura e decisões de dividendos que pedem coordenação fina com marcos legais.

Cada geração lê os riscos de modos distintos. Alguns podem valorizar a renda do aluguel e os contratos mais longos; as gerações intermediárias podem buscar maior eficiência fiscal e liquidez; sucessores clamam por interoperabilidade global, impacto e flexibilidade para estudar ou empreender fora. Bons arranjos conciliam esses horizontes, combinando a tradição do tijolo com portfólios mais inteligentes, como holdings com governança adequada, fundos imobiliários, Sociedades de Propósito Específico (SPEs) e, não raro, uma parcela financeira fora do ciclo imobiliário para amortecer os eventuais choques.

E qual é o caminho para a advocacia? Atuar como conselheiro de confiança que enxerga o todo: fluxo de caixa, família, tributação doméstica e internacional e as novas regras do jogo. É traduzir norma em decisões executáveis, com planilhas, roteiros e métricas para entregar previsibilidade em momentos de mudança. Em um país que aprendeu a guardar riqueza em imóveis, a melhor inovação talvez seja resgatar o básico, consistente em informação útil, decisões bem documentadas e governança clara. Planejar, afinal, é dar às próximas gerações algo tão valioso quanto o próprio patrimônio: a liberdade de fazer boas e seguras escolhas.

 

Advogado tributarista em São Paulo, sócio de Dias de Souza Advogados Associados*

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Por Opinião
postado em 04/12/2025 03:30
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