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STJ em 2025: a Corte como guardiã do devido processo penal

Corte reafirmou o devido processo legal, corrigiu erros judiciais históricos e fixou parâmetros relevantes para a tutela dos direitos fundamentais

 Concurso do STJ será para cadastro de reserva no cargo de analista judiciário -  (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
Concurso do STJ será para cadastro de reserva no cargo de analista judiciário - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Em 2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou casos de grande complexidade jurídica e sensibilidade social, envolvendo desde os limites da persecução penal e a validade das provas até a correção de erros judiciários históricos e a definição de parâmetros para a tutela dos direitos fundamentais. A seguir, o Direito&Justiça reuniu uma retrospectiva dos principais julgados do STJ em 2025 na área penal.

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Em fevereiro, a Sexta Turma concedeu habeas corpus para anular uma ação penal por injúria racial movida contra um homem negro acusado de ofender um homem branco com referências à cor da pele. Por unanimidade, o colegiado entendeu que o caso não se enquadra na tipificação penal da injúria racial, afastando a tese do chamado "racismo reverso".

Relator do processo, o ministro Og Fernandes afirmou que a configuração da injúria racial pressupõe a existência de uma relação de opressão histórica, uma vez que o racismo constitui um fenômeno estrutural que atinge, de forma sistemática, grupos historicamente marginalizados. "O racismo é um fenômeno estrutural que historicamente afeta grupos minoritários, não se aplicando a grupos majoritários em posições de poder", destacou.

O ministro acrescentou que ofensas de pessoas negras contra pessoas brancas, quando baseadas na cor da pele, devem ser analisadas sob outro enquadramento jurídico, diverso do crime de injúria racial. 

Na visão do advogado criminalista e mestre em direito penal João Marcos Braga, ao reconhecer a impossibilidade jurídica do denominado "racismo reverso", a Sexta Turma afastou uma verdadeira confusão no acórdão das instâncias antecedentes. "Foi feita uma belíssima reconstrução do racismo no Brasil e a impossibilidade histórica, jurídica e moral de se reconhecer o racismo em favor de pessoas pertencentes a um grupo historicamente favorecido", ressaltou. 

Em abril, a Quinta Turma declarou a nulidade de provas apresentadas contra uma médica acusada de antecipar mortes em UTI. O colegiado concluiu que os elementos probatórios foram obtidos a partir de mandado de busca e apreensão genérico, sem delimitação precisa e sem individualização dos fatos investigados. Relator do processo, o ministro Joel Ilan Paciornik ressaltou que, embora as acusações fossem de extrema gravidade, o ordenamento jurídico brasileiro não admite diligências investigativas que extrapolem os limites da razoabilidade e da proporcionalidade.

À época, a médica respondia a mais de 80 investigações e ações penais. O ministro rejeitou o pedido de trancamento generalizado dos procedimentos, ao ponderar que a declaração de nulidade das provas ilícitas exige a análise individual de cada caso, já que podem existir outros elementos aptos a justificar o prosseguimento das ações.

Em agosto, a Terceira Seção reconheceu que os cuidados prestados por mulher condenada ao recém-nascido, durante o período de permanência na ala de amamentação do presídio, podem ser computados como trabalho para fins de remição da pena. Para o colegiado, a redução do tempo de cumprimento da sanção é válida a partir de interpretação extensiva do termo "trabalho", previsto no artigo 126 da Lei de Execução Penal (LEP).

A decisão levou em consideração, ainda, o fato de a Constituição equiparar ao trabalho o período de afastamento da gestante, garantindo a manutenção do vínculo empregatício e da remuneração durante a licença-maternidade. "É clara a expansão benéfica da norma que promove a evolução social e o avanço da cidadania e dos direitos das mulheres e, em especial, das mulheres lactantes", avalia o criminalista Matheus Chiocheta.

Já em setembro, a Sexta Turma proferiu uma das decisões de maior repercussão do ano ao anular a condenação da arquiteta Adriana Villela, sentenciada a 61 anos e três meses de prisão pelas mortes de seus pais e da empregada da família, ocorridas em 2009, no caso conhecido como Crime da 113 Sul.

Prevaleceu o voto do ministro Sebastião Reis Júnior, que reconheceu cerceamento de defesa ao longo de todo o processo. Segundo o magistrado, apesar de reiteradas solicitações, os depoimentos dos corréus que apontaram Adriana Villela como mandante do crime, colhidos em 2010, só foram disponibilizados à defesa no sétimo dia da sessão do Tribunal do Júri, realizada em 2019. "O STJ pontou a necessária observância à Constituição: o cerceamento da defesa não deve, em nenhuma hipótese, ser marco da salvaguarda para abusos estatais e persecutórios", entende Chiocheta.

No mês seguinte, a Sexta Turma também anulou a condenação e determinou o trancamento da ação penal contra Francisco Mairlon Barros Aguiar, condenado a 47 anos de prisão por homicídio e furto qualificado no mesmo caso. Ao classificar a condenação como um "erro judiciário gravíssimo", o colegiado determinou a imediata soltura do réu, que havia permanecido preso por 14 anos.

Sebastião Reis Júnior ressaltou que Francisco Mairlon foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri com base exclusivamente em confissões prestadas na fase policial e em relatos de corréus, sem a existência de provas independentes que corroborassem a acusação.

Ainda em setembro, a Sexta Turma confirmou a absolvição de quatro pessoas acusadas do homicídio do menino Evandro Ramos Caetano, de 6 anos, ocorrido em 1992, no município de Guaratuba (PR). O colegiado reconheceu que as condenações em primeira instância se basearam em provas obtidas de forma ilícita, mediante tortura.

Relator do caso, o ministro Sebastião Reis Júnior destacou que tanto a decisão de pronúncia quanto à condenação tiveram como principal fundamento confissões extrajudiciais ilícitas e que as demais provas constantes dos autos não eram suficientes para assegurar a autoria delitiva. "A exclusão das confissões ilícitas acarretou a absoluta ausência de provas para a condenação", afirmou.

No mesmo mês, a Sexta Turma revogou a decisão que havia reconhecido a extinção da punibilidade do ex-auditor fiscal do município de São Paulo Arnaldo Augusto Pereira, que simulou a própria morte ao apresentar certidão de óbito falsa em processo em tramitação no STJ. Sob relatoria do ministro Antonio Saldanha Palheiro, o colegiado decretou a prisão preventiva do réu e restabeleceu a pena de 18 anos de reclusão pelos crimes de concussão e lavagem de dinheiro.

Segundo a denúncia do Ministério Público de São Paulo, o ex-auditor integrava a chamada Máfia do ISS e teria praticado os crimes no exercício do cargo. Em seu voto, o relator observou que a certidão de óbito juntada aos autos não era materialmente falsa, mas continha informação inverídica, caracterizando falsidade ideológica.

Também em outubro, o colegiado firmou entendimento de que cartas psicografadas não podem ser admitidas como prova em processos judiciais, por carecerem de confiabilidade mínima para a comprovação dos fatos alegados.

Na ocasião, o ministro Rogerio Schietti ressaltou que o sistema de livre apreciação da prova deve observar critérios racionais de apuração dos fatos.

Segundo o relator, para que uma prova seja admitida, é indispensável que seja lícita e confiável, demonstrando capacidade mínima de esclarecer o fato alegado. "A crença na psicografia consiste em um ato de fé. Atos de fé, por definição, prescindem de demonstração racional e, portanto, são opostos aos atos de prova", afirmou.

Para o advogado criminalista João Marcos Braga, nesse precedente o STJ assentou o sistema de produção de provas em bases científicas, sólidas, racionais e laicas.

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postado em 18/12/2025 06:30
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