Visão do Direito

Inovações no combate à litigância predatória

"Esse tipo de atuação compromete não apenas a eficácia da prestação jurisdicional, como também a própria credibilidade do sistema de justiça"

 Eixo Capital. Arthur Felipe da Cunha Silva, advogado líder da equipe na área de contencioso massificado em Direito do Urbano Vitalino Advogados -  (crédito:  Divulgação)
Eixo Capital. Arthur Felipe da Cunha Silva, advogado líder da equipe na área de contencioso massificado em Direito do Urbano Vitalino Advogados - (crédito: Divulgação)

Por Arthur Felipe da Cunha Silva* — O direito de acesso à justiça, insculpido no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, representa um dos pilares fundamentais do Estado democrático de direito. Ele garante que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário. No entanto, apesar de o objetivo do legislador constituinte originário de garantir que todos, independente da sua condição social ou econômica, pudessem levar seus direitos, individuais ou coletivos, à apreciação judicial, a utilização abusiva dessa garantia tem gerado distorções significativas no sistema processual brasileiro, sobretudo com a disseminação da chamada litigância predatória.

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A litigância predatória consiste no ajuizamento massivo e indiscriminado de ações judiciais, muitas vezes, idênticas ou sem fundamentos jurídicos sólidos, com o intuito de obter vantagem econômica, manipulando a rotina forense. Trata-se de uma conduta estratégica e oportunista que se aproveita da sobrecarga do Judiciário, das fragilidades do sistema processual e de eventual falha na defesa dos réus para induzir o juízo ao erro. Esse tipo de atuação compromete não apenas a eficácia da prestação jurisdicional, como também a própria credibilidade do sistema de justiça.

Na busca por uma solução eficaz para esse problema, é essencial distinguir a litigância predatória de outros fenômenos jurídicos semelhantes. A litigância de massa, por exemplo, embora envolva elevado número de ações, decorre de conflitos reais e legítimos, sendo reflexo de problemas estruturais, como falhas regulatórias ou violações em larga escala no país, sendo, portanto, demandas lícitas. Já a litigância de má-fé envolve comportamentos pontuais e dolosos que atentam contra a boa-fé processual, a exemplo do uso de argumentos ou documentos falsos, manipulação de partes e testemunhas, abuso de direito, recursos protelatórios, entre outras variadas condutas que podem obstar a realização da justiça. A litigância predatória, por sua vez, conjuga elementos de ambos os fenômenos anteriores sem, contudo, confundir-se com eles, unindo a ilicitude das condutas e o volume massivo de ações.

Em resposta ao crescimento dessas práticas abusivas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Recomendação nº 159/2024, aprovada por unanimidade, cujo objetivo é orientar os magistrados e tribunais sobre a identificação, tratamento e prevenção da litigância abusiva.

Tal recomendação já começou a produzir efeitos concretos em diversas jurisdições. No Maranhão, por exemplo, o juízo da 2ª Vara Cível de Caxias/MA determinou a suspensão de centenas de processos envolvendo empréstimos e cartões consignados após a constatação de práticas fraudulentas, como falsificação de documentos e a captação indevida de clientes. No Pará, o juízo da Comarca de São Domingos do Araguaia passou a exigir documentação robusta em processos com suspeita de conduta abusiva, já na petição inicial, como forma de comprovar a legitimidade do interesse de agir e viabilizar a instrução e o correto exame das demandas.

A tecnologia também tem se mostrado uma aliada poderosa nesse combate, com avanços relevantes. Ferramentas como o Apoia (Assistente Pessoal Operado por Inteligência Artificial), desenvolvida pelo TRF da 2ª Região, recentemente integrada à Plataforma Digital do Poder Judiciário (PDPJ-Br), implementam a capacidade de identificar padrões de litigância predatória, cruzando dados em larga escala, elaborarando relatórios e alertando magistrados sobre condutas suspeitas.

Os Centros de Inteligência do Poder Judiciário dos tribunais de justiça estaduais também vêm desempenhando importante papel com o fornecimento de dados, levantamentos e estudos.

O enfrentamento à litigância predatória exige uma abordagem sistêmica e multifacetada. É necessário que advogados, magistrados, membros do Ministério Público e demais operadores do Direito atuem de forma integrada.

Advogado líder da equipe na área de contencioso massificado em direito do Urbano Vitalino Advogados*

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postado em 11/12/2025 03:00
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