Visão do Direito

Sem creche, sem equidade: o custo invisível da maternidade no mercado de trabalho

"A exigência continua sendo atrelada à quantidade de mulheres, desconsiderando a diversidade das configurações familiares e a real dinâmica da parentalidade atual no Brasil"

 Eixo Capital. Ana Gabriela Burlamaqui, sócia do escritório A. C. Burlamaqui Consultores. Graduada em direito pela PUC-RJ em 1994 -  (crédito:  Divulgação )
Eixo Capital. Ana Gabriela Burlamaqui, sócia do escritório A. C. Burlamaqui Consultores. Graduada em direito pela PUC-RJ em 1994 - (crédito: Divulgação )

Por Ana Gabriela Burlamaqui* — Durante décadas, o direito à creche foi visto como uma obrigação burocrática ou um "benefício extra" para mães que retornam ao trabalho após a licença-maternidade. O problema é que, ao reduzir esse direito a uma questão de estrutura física ou cortesia empresarial, ignoramos seu real significado: a creche é um dos pilares de sustentação da permanência da esmagadora maioria das mulheres no mercado de trabalho no Brasil.

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Desde 1967, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece, em seu artigo 389, que empresas com pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos de idade devem oferecer local apropriado para a guarda e assistência de filhos no período de amamentação. Com a Lei nº 14.457/2022, que criou o Programa Emprega Mulheres, essa obrigação ganhou nova forma: os empregadores passaram a poder substituir a exigência da estrutura física pelo pagamento do reembolso-creche.

O que já era possível por meio de normas coletivas, agora está positivado. E, mais importante, passou a abranger todos os empregados e empregadas com filhos de até 5 anos e 11 meses de idade — um passo essencial para reconhecer que o cuidado com as crianças não pode continuar sendo tratado como responsabilidade exclusiva das mulheres.

Ainda assim, o que se vê na prática, infelizmente, é o não cumprimento da norma. Muitas empresas com 30 ou mais colaboradoras mulheres em seus quadros simplesmente não oferecem nem espaço físico,nem reembolso. A exigência continua sendo atrelada à quantidade de mulheres, desconsiderando a diversidade das configurações familiares e a real dinâmica da parentalidade atual no Brasil.

Além da ausência de fiscalização, há também a desinformação. É comum que trabalhadoras sequer saibam que têm direito ao reembolso ou aos dois períodos de 30 minutos para amamentação durante a jornada — direito garantido pelo artigo 396 da CLT - e que pode, inclusive, ser convertido em redução da carga horária por acordo individual.

A Justiça do Trabalho, por sua vez, tem consolidado esse direito com firmeza. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já reconheceu inclusive o direito a danos morais coletivos em casos de descumprimento sistemático da obrigação legal, destacando a gravidade da omissão e sua repercussão sobre os direitos fundamentais de mulheres e crianças. 

É preciso entender: o direito à creche - constitucionalmente previsto,vale lembrar - não é apenas sobre um espaço físico para deixar os filhos. É sobre permanência no mercado. É sobre acesso real à ascensão profissional. É sobre não punir a mulher pela maternidade. É sobre equidade de gênero.

Se o setor produtivo brasileiro realmente deseja mais mulheres em cargos de liderança, mais diversidade em seus conselhos e maior produtividade com inclusão, precisa começar pelo básico. E, muitas vezes, o básico começa ali: em um berçário, uma saleta de amamentação ou no valor justo reembolsado de uma creche.

Estamos tratando aqui de um direito social constitucional de proteção à maternidade e à infância, pelo qual se busca a proteção dos direitos da criança no início de sua vida, devendo ser sempre interpretado de modo que é intransigível e irrenunciável.

Ignorar isso é perpetuar uma desigualdade que custa caro — para as empresas, para a economia, para as mulheres e, principalmente, para o desenvolvimento do país. 

Sócia do escritório A. C. Burlamaqui Consultores. Especialista em prevenção e administração de riscos trabalhistas e diretora da Associação Carioca de Advogados Trabalhistas entre 2009 e 2015*

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postado em 25/12/2025 04:00
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