Por Daniel Santos Garroux* — Os contratos de compromisso de compra e venda de imóveis, utilizados em larga escala quando o consumidor adquire imóvel na planta ou em construção, são realizados no Brasil por meio de instrumento particular — um documento assinado pela incorporadora e pelo adquirente. Essa situação coloca em risco todas as partes envolvidas no processo.
Recentemente o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) condenou uma construtora a devolver 90% dos valores pagos por um consumidor pela aquisição de um apartamento em construção, cujas obras ficaram paralisadas por mais de dois anos, sem previsão de retomada, em Cuiabá. A empresa também foi condenada a pagar indenização por danos morais.
Em sua defesa, a construtora alegou que o contrato de compromisso de compra e venda do imóvel não poderia ser rescindido, uma vez que o imóvel estava vinculado a um financiamento com alienação fiduciária. O argumento não prosperou e o Judiciário entendeu que o contrato de alienação fiduciária não impede a rescisão do compromisso de compra e venda quando há inadimplemento por parte da construtora.
É irretocável a decisão da desembargadora Clarice Claudino da Silva, que priorizou a defesa do consumidor e o direito à moradia em um contexto de ausência de informação clara e transparente, como ocorre em todas as negociações de imóveis "na planta" realizadas no país.
A decisão do TJMT evidencia a urgência de se estabelecer um debate público sobre a necessária intervenção notarial nos contratos de compromisso de compra e venda de apartamentos residenciais em construção.
A prática do setor imobiliário brasileiro faz com que o comprador acredite que está adquirindo um imóvel, mas na realidade, é ele quem assume o risco da inadimplência da construtora, que entrega as unidades em construção como garantia do financiamento da obra.
Pela sistemática do direito brasileiro, se a construtora vier a falir, é o consumidor quem fica no prejuízo, já que a instituição financiadora tem preferência para ficar com os imóveis. O mais dramático é que o consumidor só descobre isso quando já é tarde demais.
Em vários países da Europa, os compromissos de compra e venda de imóveis devem ser feitos por meio de escritura pública, uma maneira de garantir que o adquirente saiba exatamente quais são os riscos do negócio.
No final da década de 1990, uma das maiores construtoras do país à época foi à falência. Mais de 40 mil famílias, que haviam adquirido apartamentos na planta ou em construção, teriam perdido todos os seus investimentos se o Superior Tribunal de Justiça não tivesse modificado as regras para dar prioridade aos consumidores em relação aos investidores. O argumento central que fundamentou a decisão dos ministros do tribunal foi a falta de informação clara e transparente aos consumidores sobre os riscos que eles estavam correndo ao adquirir imóveis com garantia de hipoteca, que eles desconheciam.
A prática de mercado mudou e as incorporadoras trocaram a hipoteca pela alienação fiduciária. A falta de informação ao consumidor, contudo, continua a mesma. Com isso, adquirentes e financiadores seguem em situação de absoluta incerteza quando ocorre algum problema com as obras.
Os cartórios de notas são os responsáveis por fazer escrituras públicas e têm a obrigação de alertar as partes sobre os riscos do negócio. Muitos criticam os custos da escritura pública, mas é necessário reconhecer que os valores são ínfimos diante do prejuízo suportado pelo consumidor que paga por um imóvel e perde tudo aquilo que investiu por falta de informação correta.
Advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Econômico e Políticas Sociais (IBDEPS)*
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