Visão do direito

IA nas eleições: medidas são apenas primeiro passo para ambiente sustentável

Um conjunto de ações, seja das normas, seja dos candidatos, seja das plataformas, seja, especialmente, dos eleitores, é necessário para termos um ambiente adequado para o debate eleitoral

 12/03/2024. CB.Poder entrevista Bruno Andrade, coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP -  -  (crédito:  Kayo Magalhaes/CB)
12/03/2024. CB.Poder entrevista Bruno Andrade, coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP - - (crédito: Kayo Magalhaes/CB)
postado em 21/03/2024 06:43 / atualizado em 21/03/2024 06:43

Por Bruno Andrade — Coordenador-adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), doutorando em direito pela UERJ

Regular a tecnologia é como querer domar a natureza. Podemos até tentar, mas, em regra, fracassaremos miseravelmente. A tecnologia, a inovação de modo geral, está em constante evolução e sofre mudanças contínuas. Dessa forma, o direito sempre chegará atrasado se tentar acompanhar essa corrida.

Então, como garantir condição mínima para utilização de novas tecnologias, no contexto eleitoral, voltadas à melhoria da disputa eleitoral, à disponibilização de informações ao eleitorado e à redução de custos? Essa questão preocupa grande parte dos países democráticos e não conta com resposta simples.

Há propostas bastante variadas, que vão desde a regulação detalhada sobre o que pode e não pode ser feito com o uso da tecnologia, passando pela tendência de que haja permissão para uma autorregulação por parte das empresas desse setor, até a defesa de um ambiente livre de regulações para que a sociedade tenha plena liberdade de manifestação.

A Justiça Eleitoral brasileira assumiu a vanguarda dos limites estabelecidos para o uso adequado de tecnologias no processo eleitoral ao editar alterações na Resolução-TSE 23.610/2021. Após uma série de audiências públicas em que recebeu contribuições da sociedade civil, o Tribunal Superior Eleitoral aprovou importantes proposições que não criminalizam ou tentam impedir o avanço tecnológico, mas têm o potencial para tornar o debate eleitoral mais saudável ao debate democrático.

É evidente que a mera definição de regras e de procedimentos para utilização de inteligência artificial, tratamento de dados, perfilamento de usuários ou outras aplicações que envolvam o aspecto tecnológico das campanhas não será suficiente para impedir a utilização indevida dessas ferramentas.

Contudo, haver balizas mínimas que deixem claro o que as candidaturas podem fazer é um primeiro passo para que a população tenha condições de avaliar as campanhas eleitorais, formular suas escolhas e denunciar aqueles que não respeitem os limites estabelecidos.

As candidaturas podem dar importante contribuição para que o ambiente informacional no contexto eleitoral seja propício ao debate igualitário de ideias. Para tanto, é fundamental que atuem de forma ética, isto é, não se valham de ferramentas para, de forma artificial, tentar manipular e influenciar indevidamente o eleitorado.

É responsabilidade de cada um dos candidatos e partidos políticos na disputa buscar a vitória pautados em uma campanha correta, que utilize todos os meios lícitos disponíveis e divulgue as propostas de forma clara para a população.

A tecnologia pode tomar importante papel para facilitar esse objetivo, mas não pode servir a interesses indevidos que não respeitem, por exemplo, o direito das pessoas em terem seus dados pessoais protegidos, como ocorre quando há manipulação de dados com a finalidade de prejudicar a imagem pessoal.

As empresas de tecnologia, por sua vez, devem investir em medidas e ferramentas em suas plataformas que possibilitem dar transparência sobre o uso de manipulação em determinados conteúdos e, além disso, efetivar medidas que reduzam o impacto de conteúdos sintéticos já identificados como desinformativos. Isso deve ser feito, por evidência, com o respeito ao devido processo legal e com canais disponíveis para que decisões automatizadas possam ser contestadas pelos usuários dessas redes.

Eleitoras e eleitores, nesse contexto, têm um duplo e fundamental papel: em primeiro lugar, a fim de formular suas escolhas, devem ter a independência necessária para, com as informações disponíveis, definir em quem irão votar; em segundo, devem compreender que possuem a importante função de apontar ilícitos para que irregularidades sejam devidamente punidas.

Somente com esse conjunto de ações, seja das normas, seja dos candidatos, seja das plataformas, seja, especialmente, dos eleitores, é que teremos um ambiente adequado para o desenvolvimento do debate eleitoral.

Essas medidas, longe de serem o fim dos problemas trazidos pela tecnologia, são apenas o primeiro passo para que as eleições brasileiras possam equacionar o avanço tecnológico e a liberdade de escolha da sociedade em relação aos seus dirigentes. Embora conter a natureza seja difícil, é perfeitamente possível viver em um ambiente tecnológico sustentável.

 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação