MÚSICA

Samba brasiliense resiste com artistas de projeção nacional e de qualidade

Exemplos de renovação do samba local passam por nomes como Rafael dos Anjos e o grupo Di Propósito

Irlam Rocha Lima
Lisa Veit*
postado em 16/02/2021 06:00 / atualizado em 16/02/2021 12:01
 (crédito: Tina Coelho/Esp. CB/D.A Press)
(crédito: Tina Coelho/Esp. CB/D.A Press)

Uma imagem veiculada nas redes sociais no final de janeiro, ligada ao universo do samba, emocionou muita gente: a da vacinação de Nelson Sargento, autor de clássicos como Agoniza mas não morre e Falso amor sincero, que, aos 96 anos, é símbolo de resistência do mais representativo gênero musical brasileiro. O compositor e cantor carioca, presidente de honra da Mangueira, já se apresentou algumas vezes na capital e é visto como referência para artistas brasilienses.

O samba chegou à cidade, nos anos 1960, trazido por servidores públicos, que vieram para cá transferidos da então capital, o Rio de Janeiro, e historicamente tem como primeiras representantes a Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro (Aruc) e a Acadêmicos da Asa Norte. A partir dessas agremiações, anos depois, se proliferou por todo o Distrito Federal. Atualmente, ouve-se samba não apenas no Plano Piloto, mas também em Taguatinga, Ceilândia, Samambaia, Guará, Sobradinho e no Cruzeiro. Nesses locais têm surgido cantores, compositores e grupos que, cada vez mais, contribuem para fortalecer o ritmo no Planalto Central do país, que hoje exporta grandes talentos para o cenário nacional.

Um exemplo é o violonista e compositor Rafael dos Anjos, formado pela Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello, radicado no Rio desde 2012, que chegou a integrar a banda de Arlindo Cruz, da qual era diretor musical. Produtor dos dois últimos trabalhos de Diogo Nogueira, o CD Mundoê e o DVD Samba de verão, ele tem sido requisitado para participar de vários outros projetos, inclusive o do Menos É Mais, nova sensação do pagode nacional. “Brasília é, há algum tempo, um grande celeiro de músicos que, a exemplo do Menos É Mais, tem utilizado de forma competente as plataformas digitais para veicular seus trabalhos, fazendo-os chegar a um número impressionante de pessoas”, ressalta Rafael.

Menos É Mais lança 'Plano Piloto EP2', que completa o primeiro álbum de inéditas do grupo, pela Som Livre.
Menos É Mais lança 'Plano Piloto EP2', que completa o primeiro álbum de inéditas do grupo, pela Som Livre. (foto: Ricardo Ribeiro/Divulgação)

Surgido há quatro anos, o Menos É Mais obteve projeção em 2020 com o single Homem de ferro e o projeto Churrasquinho do Menos É Mais, que caiu no gosto do público, inclusive de celebridades como os jogadores de futebol Neymar, Thiago Silva, Marquinhos e Roberto Firmino. O grupo, que conquistou o Prêmio Multishow de 2020, na categoria Experimente — por votação popular — foi contratado pela Som Livre, e acaba de lançar o EP Plano Piloto 2, que completa o primeiro álbum de inéditas. “Entre as nossas referências musicais na cidade estão a Escola de Choro, o percussionista Thiago Viegas e o 7 na Roda, que contribuem para o fortalecimento do samba e do pagode em Brasília, além de outros muitos talentos”, enaltece o percussionista Gustavo Goes.

Descoberto numa gincana escolar, o Di Propósito tem 11 anos de carreira. Recentemente, o grupo passou a ter grande destaque para além do DF, a partir do lançamento dos singles Manda áudio e Princesinha, que consolidaram o trabalho junto ao público. “O Di Propósito começou tocando em festas de amigos, quiosques, feirinhas, eventos, e outros espaços do DF. Toda sexta-feira, a gente tocava no Via Carioca do Guará, e hoje estamos onde estamos”, conta o vocalista Kaique, que cita os grupos Amor Maior e Coisa Nossa como fontes de inspiração em Brasília. “Sempre buscamos ter base e imprimir as nossas músicas no público, para que, daqui há 10 ou 15 anos, possamos ser como nossas referências e ajudar a abrir espaço para novos talentos”, complementa.

Banda Di Propósito
Banda Di Propósito (foto: Diego Sales/Divulgação)

É no canal de Leandro Brito, considerado o de maior abrangência na área do samba, com 236 milhões de visualizações, que o Menos É Mais e o Di Propósito têm disponibilizado seus trabalhos. Brasiliense, com 10 anos de atuação, ele mantém estúdio na 515 Sul. “No canal, veiculamos gravações ao vivo, feitas em estúdio ou em apresentações para o público, mas produzimos também conteúdo para a internet. Nosso foco neste momento é sobre o grupo Fala Comigo, que disponibilizou no canal e nas plataformas digitais um CD ao vivo e o DVD Fala Comigo meu povo, com a participação do cantor Tiee”, anuncia Leandro.

A volta

Compositor, vocalista e pandeirista do 7 na Roda, Breno Alves acredita que, mesmo com a interrupção das atividades, provocada pela pandemia, o samba passa por um viés de alta em Brasília e em outras regiões do DF. “Aos poucos as rodas de samba têm voltado, guardando todos os cuidados, de acordo com as determinações das autoridades sanitárias. Há muitos sambistas e grupos fazendo apresentações, lançando discos e disponibilizando músicas nas plataformas digitais. Voltamos com a roda das terças-feiras, no Outro Calaf e em breve vou lançar o meu primeiro CD solo”, anuncia.

Samba Urgente
Samba Urgente (foto: Toscanini Heitor/Divulgação)

Augusto Berto, percussionista do Samba Urgente diz que o coletivo fez show no último dia 6, no bar e restaurante do Setor Bancário Sul. Às quintas-feiras, o projeto Resenha do Bem, da Amanda Produção, tem promovido noitada de samba na AABB; enquanto, aos domingos, Diego Pedigree está ao lado do grupo Mais uma Vez, no Rio Botequim, em Águas Claras. Já às segundas-feiras, Nenel Vida comanda a Batucada de Segunda, no Praero Bar, em Sobradinho. Todos esses cantores, compositores e instrumentistas deixam claro que o samba, mesmo contando com pouco apoio, mantém-se firme e forte, contribuindo efetivamente para o processo de resistência da cultura popular na capital do país.

  • Samba urgente

Com três anos de vida, o Samba Urgente tornou-se um dos grupos de maior popularidade em Brasília, arrastando multidões para assistir suas apresentações, principalmente as que ocorreram, antes da pandemia, no corredor cultural do Setor Comercial Sul. A maior plateia que reuniu, porém, foi na área da extinta piscina de ondas, no Parque da Cidade, onde, em agosto de 2019, tocou para 15 mil pessoas. Do coletivo fazem parte músicos de outros grupos da cidade. “Agora estamos focados na gravação de um CD, de músicas autorais e regravações de clássicos”, adianta o percussionista Augusto Berto.

  • Diego Pedigree

Brasiliense, ligado ao samba há 21 anos, sempre em carreira solo, Diego Pedigree é ligado à Aruc e costuma marcar presença em diferentes rodas de samba da cidade, inclusive a que o 7 na Roda comanda no Outro Calaf. Aliás, ele tem música gravada pelo grupo. Em 2018, o cantor e compositor lançou o álbum É pra chegar, que reúne no repertório, entre outras, Pra que falar, Amar e querer bem, Mar de sedução e Cadê Jovelina. “Entre as minhas referências no samba estão Jovelina Pérola Negra e Clementina de Jesus, sambistas que deixaram importante legado”, conta.

  • Nenel Vida

Com 30 anos de música, Nenel Vida é o nome mais representativo do samba em Sobradinho, onde está à frente de uma roda de sucesso, desde 2019, como líder do Tempero de Vó. Para ele, o samba vive uma crescente no DF e, para isso, “foi importante a ótima repercussão do trabalho do Menos É Mais e do Di Propósito”. Embora com as restrições determinadas pela pandemia, ele mantém-se em plena atividade e no momento tem se ocupado com a pré-produção de um disco, ainda sem data para lançamento.

  • Fala Comigo

Banda formada por 12 músicos, o Fala Comigo é o mais novo nome do samba da capital. Com menos de um ano de criação, lançou um disco (gravado ao vivo) e o DVD Fala comigo meu povo, com registro de show no Espaço Panorama, no Lago Norte. “Temos uma parceria com o Canal Leandro Brito, no qual o acústico e o DVD estão disponíveis. Um dos vídeos do acústico, o de Beco sem saída (Prateado, Carica e Picolé) soma quase um milhão de visualizações”, comemora Daniel, vocalista.

  • Menos É Mais

Uma potência do pagode brasiliense, o grupo Menos É Mais, que nasceu em 2006, tem levado a cidade no DNA dessa trajetória ao cenário da música nacional. O quinteto, composto por Duzão (voz), Gustavo Goes (repique de mão), Jorge Farias (tantã), Paulinho Félix (pandeiro) e Ramon Alvarenga (surdo), recentemente lançou o projeto Plano Piloto, primeiro álbum de inéditas, tendo o berço brasiliense como referência. “Trabalhamos muito para lançar esse primeiro álbum. Muitos achavam que éramos do Rio de Janeiro, então quisemos nos posicionar com um grupo que não vem dos grandes centros, mas que vem grande, por ser de uma cidade que tem muita música boa”, destaca Goes.

  • Di Propósito

Um dos principais expoentes do pagode brasiliense, o grupo tem direcionado olhares de todo o país para o gênero produzido na cidade. Nascido no Guará, em 2009, a partir das resenhas de amigos da escola, o Di Propósito hoje é formado por Kaique (voz), Laycon (voz), Xandy (pandeiro), Acerola (surdo), Matheusinho (cavaco), Gegê (percussão) e Pedrinho (tantan). “O pagode e o samba têm essa essência de humildade, construção e renovação. De começar no fundo de um quintal e, de repente, estar em um palco de festival sendo ouvido por milhões de pessoas. É tudo novo pra gente, mas tem sido combustível para trabalharmos e amadurecermos”, destaca.

  • Dhi Ribeiro

A fluminense natural de Nilópolis e baiana soteropolitana de criação escolheu Brasília para chamar de lar, preenchendo o cenário com um samba multicultural. As principais referências de Dhi Ribeiro são Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara, Beth Carvalho, Alcione e Clara Nunes, mulheres que inspiram as narrativas autorais focadas “na fé, no amor e no empoderamento feminino”. Dois álbuns marcam a carreira: Manual da mulher (2009), trilha de novela global; e Leme da libertação, que fez estreia no Clube do Choro, em 2019. “O samba é um agente transformador em forma de música. É um cronista social. Do samba de roda ao samba enredo, ele socializa, emprega, se moderniza, mas também mantém viva a nossa ancestralidade enquanto obra de arte”, destaca.

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