O cotidiano de uma influencer fictícia durante o confinamento imposto pela pandemia e sua relação com as empregadas domésticas foi o argumento propício para abordar o abismo social entre os que podiam se resguardar do vírus da covid-19 e a esmagadora maioria dos trabalhadores que precisava continuar saindo e se expondo para prover o próprio sustento. De maneira ácida e bem-humorada, a escritora Triscila Oliveira e o ilustrador Leandro Assis usaram esse argumento para levantar o debate, nas redes sociais, por meio de histórias em quadrinho (HQ), sobre o privilégio do confinamento e a falta de empatia das classes mais abastadas.
A aceitação foi tamanha que o projeto virou um livro de HQs intitulado Confinada. A história foi originada de outra obra do ilustrador Leandro, Os Santos. Confinada foi escrita durante a pandemia e põe em evidência a desigualdade entre a influencer Fran, que segue o mais clichê estilo gratiluz, e sua empregada doméstica Ju, que luta com a família para sobreviver.
"Na pandemia, preferi não seguir fazendo Os Santos para preservar os personagens, já que eu tinha uma história para eles que nada tinha a ver com o que estava acontecendo. Mas os leitores pediam para voltarmos com a série, já que muitas trabalhadoras domésticas vinham sendo afetadas, poderíamos falar disso nos quadrinhos. Veio a ideia de fazer uma série "spin-off". Surgiu a Fran, sobrinha dos protagonistas de Os Santos", explica Leandro.
Os autores efetivaram sua parceria após Triscila comentar um relato pessoal em uma das tirinhas de Os Santos. "Como muitas trabalhadoras domésticas me procuravam para conversar sobre a série, contar suas histórias (muita coisa serviu de pesquisa) ou simplesmente agradecer o trabalho que estava falando de suas realidades, decidi escolher alguém entre elas. Então chamei a Triscila, que foi uma dessas que deixou um relato nos comentários. Além de ser ex-trabalhadora doméstica, Triscila tem um perfil de ativismo social, por isso achei que ela seria perfeita para o trabalho", explica.
Os quadrinhos da dupla mostram a dinâmica entre duas realidades diferentes. De um lado, uma família de classe média alta da Zona Sul do Rio; do outro, uma família de mulheres pretas que trabalham para os brancos como empregadas domésticas. "A ideia era impedir que os racistas dissessem que estávamos exagerando. Então nos baseamos em histórias que vivemos, presenciamos e relatos. Infelizmente, o Brasil é um país conservador, preconceituoso, racista. Muitos fingem não ver, tentam não ver. Mas os nossos quadrinhos procuram mostrar o que ocorre e como ocorre.
Para Triscila, o olhar negro, feminino e periférico se mostra importante quanto ao reconhecimento dos leitores em relação à disparidade social ainda existente. "As favelas e periferias do Brasil têm cor, e o trabalho braçal na casa das madames, também. É urgente reconhecer essa distância entre mulheres negras e brancas". A escritora quer atingir com sua mensagem "todos, todas e todes que observam as injustiças do país, os que fingem que a realidade da maioria da população não existe e assistem aos abismos de desigualdade rolando o feed do Instagram".
Em Confinada, Ju passa por situações historicamente cotidianas no Brasil. As tirinhas expõem esses momentos de forma com que o público entenda que o racismo e a desigualdade são fatores presentes no Brasil. E que esses problemas são enraizados e não vem de hoje.
"Acho que Confinada procura abrir os olhos sobre algo que deveria ser óbvio: como a desigualdade social e o racismo são cruéis. E como é inviável ter um país assim", explica Leandro. "Não pensei em convencer ninguém, ou mudar sua forma de pensar. Mas eu queria criticar e constranger esse pensamento intolerante, machista, racista e homofóbico.
A pré-venda de Confinada está disponível pelo site https://www.catarse.me/confinada
Serviço
Leandro Assis e Triscila Oliveira
Editora Todavia
128 Páginas
R$ 59,00
*Estagiários sob a supervisão de Juliana Oliveira
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