RECONHECIMENTO

Cantor e compositor baiano Gilberto Gil é o novo imortal da ABL

Depois de Fernanda Montenegro, Gilberto Gil é eleito para a Academia Brasileira de Letras. Com 22 votos, ele passa a ocupar a cadeira 20 e representa renovação na instituição

Nahima Maciel
Pedro Ibarra
postado em 12/11/2021 06:00
Gil concorreu com o também poeta e compositor Salgado Maranhão -  (crédito: photo ? @hallit/Divulgacao)
Gil concorreu com o também poeta e compositor Salgado Maranhão - (crédito: photo ? @hallit/Divulgacao)

Gilberto Gil retornou na segunda-feira (8/11) de turnê pela Europa. Foram 50 dias de shows em oito países, com mais de 18 apresentações. Agora, o cantor e compositor de 79 anos se prepara para outra empreitada. Gil assume a cadeira 20 da Academia Brasileira de Letras (ABL), que foi do advogado e escritor Murilo Melo Filho, morto em maio de 2020.

Eleito com 22 votos, Gil concorreu com o também poeta e compositor Salgado Maranhão, que obteve sete votos, e com o escritor Ricardo Daundt, que não recebeu votos. No total, 34 acadêmicos participaram da eleição, que teve formato presencial e virtual, e um não votou por motivo de saúde. 

Gil disse que sua entrada na ABL representa um processo de renovação e que ele nunca teve grandes ambições de entrar para a instituição, mas acabou convencido por amigos e familiares. "Eu sempre hesitei muito em pleitear uma coisa desse tipo, e acabei convencido. É uma coisa que eu nunca pleiteei com muita voracidade, com esse desejo profundo. É uma coisa que apareceu, foi aparecendo aos poucos", contou. "Alguns anos atrás, tive alguns acenos de membros da própria academia de dizer: 'Ah, você podia pensar nessa possibilidade de vir pra academia e tal'. E eu sempre descartava, nunca tive muita ansiedade em relação a isso. Ultimamente, assumi esse pequeno desejo e tornei-o um desejo mais efetivo, me comprometi com as pessoas em me candidatar, muitas pessoas se comprometeram, em contrapartida, a me ajudar nessa candidatura e o fizeram com muito apreço", disse ao Correio.

Segundo o presidente da ABL, Marco Lucchesi, o artista seria uma espécie de ponte entre a música erudita e a popular. "Gilberto Gil traduz o diálogo entre a cultura erudita e a cultura popular. Poeta de um Brasil profundo e cosmopolita. Atento a todos os apelos e demandas de nosso povo. Nós o recebemos com afeto e alegria", disse.

Com a entrada de Gil, ficam três cadeiras vagas na ABL. Durante 2020 não houve eleição por causa da pandemia e, até semana passada, eram cinco as vagas. Duas foram preenchidas nessas últimas duas semanas. Fernanda Montenegro entrou na 17, que foi de Affonso Arinos de Mello Franco, morto em maio. A eleição foi praticamente unânime, com 32 votos do total de 34 válidos. Fernanda concorreu sozinha, e outros concorrentes saíram do páreo quando souberam da candidatura dela. 

Se Fernanda é a única atriz na lista de acadêmicos, Gil é o único músico. Ele tem a companhia de outro compositor, o poeta Antonio Cicero, autor de letras de músicas como Fullgás e Pra começar. Mas nenhum acadêmico atual navegou pela carreira de músico profissional. "Tem essa coisa de que a academia, de quem se espera tradicionalmente que contemple escritores, gente da vida literária, historiadores, basicamente gente que lida com a escrita, com a escritura, contempla, no meu caso, e como foi o caso de Fernanda Montenegro, um outro campo da vida cultural. De uma certa forma, se associa ao mundo das palavras, das escritas, mas, na verdade tem elemento próprios, no meu caso a música, no caso de Fernanda, o teatro. Isso também denota um sentido de mais ampliação de campo, de corpo dentro da academia", garantiu Gil.

Gil teria sido convidado a concorrer e, em agosto, a mulher, Flora Gil, confirmou a intenção do compositor em ser candidato. Levar a dupla para a ABL seria parte de uma tentativa dos atuais acadêmicos de dar à instituição um contorno mais popular. "A academia tem seu processo natural de renovação e reposição. É um processo de renovação de uma instituição importante da vida cultural do país, que tem seu modus operandi", explicou Gil, em áudio gravado logo após a notícia da eleição.

Ícone da música

Gilberto Gil é um dos mais influentes e relevantes músicos não só da geração da qual faz parte, como também da história da música brasileira. Baiano de Salvador, nasceu em 1942 e, aos 18 anos, iniciou a carreira de músico no grupo instrumental Os Desafinados, no qual tocava acordeon e vibrafone. Logo largou os instrumentos e investiu no violão. O ano de 1962 é o marco oficial da vida de Gil. Na época com 20 anos, ele gravou jingles, tocou instrumentos em álbuns de outros artistas e fez o primeiro disco, intitulado Gilberto Gil: sua música, sua interpretação, com quatro faixas de composição própria.

Foi no final da década de 1960 que Gil ganhou o Brasil. Já próximo de Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia, o cantor assinou um contrato com Phillips Records, optou por viver de música e mudou-se para o Rio de Janeiro. Nessa época, já havia tocado ao lado de nomes como Vinícius de Moraes e Dorival Caymmi. É nesta década que o artista realmente cresce e ganha notoriedade com o primeiro álbum da carreira, Louvação.

Uma das principais e mais marcantes fases da carreira de Gil se dá em 1968, quando começa o movimento tropicalista ao lado de Caetano, Gal, Nara Leão,Tom Zé, Os Mutantes, Rogério Duarte, Rogério Duprat, José Carlos Capinan e Torquato Neto. Criado como uma nova bandeira da música brasileira, o Tropicalismo incorporava referências internacionais, do rock, da psicodelia, da cultura jovem da época e até a guitarra elétrica. A complexidade de camadas e instrumentação proposta por esses novos músicos veio como alternativa à Bossa Nova, gênero mais popular da época. Com o movimento, Gil lançou dois dos álbuns seminais do período, o solo Gilberto Gil e o Tropicália: ou panis et circenses, ao lado d'Os Mutantes, Gal, Caetano e Nara.

Em 1969, por conta da ditadura, foi preso, solto e proibido de morar no Brasil. Mudou-se para Londres e, durante o exílio, tocou em alguns dos maiores festivais e palcos da Inglaterra. Também fez um disco em inglês e, em 1972, retornou ao Brasil. Desde então, consolidado como um dos maiores artistas brasileiros, lançou alguns dos álbuns e canções que marcaram a história da música brasileira. Refazenda (1975), Refavela (1977), Realce (1979), Um banda um (1982) e As canções de eu, tu, eles (2000) são destaques da carreira do músico. Em 2018, apresentou ao mundo o OK OK OK, mais recente disco de inéditas. De lá para cá ainda lançou músicas ao lado de Chico Buarque, Emicida, da filha Preta e da neta Flor. Fez turnês recentes em formato solo e ao lado de Caetano. Antes da pandemia, estava confirmado no Glastonbury, maior festival britânico, porém o evento foi cancelado. Gil tocaria com a família no palco, com apoio de uma banda formada por filhos e netos, conhecida como Gilsons.

A vasta carreira na música rendeu muitos prêmios ao cantor e compositor. Foram sete indicações ao Grammy internacional na categoria Melhor álbum de world music contemporâneo entre 1998 e 2016, saindo vencedor em 1998 com o Quanta livre e em 2005 com o Eletroacústico. No Grammy Latino, foram 18 indicações, seis vitórias e um prêmio honorário de Personalidade do ano em 2003. O compositor ainda ganhou, em 2004, o prêmio Polar pela Academia Real Sueca de Música, considerado o "Nobel da música popular".

Além de músico, Gilberto Gil também tem uma carreira política expressiva. Elegeu-se vereador da cidade de Salvador em 1988, cargo no qual esteve por um mandato. Em 2003, foi convidado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar o cargo de ministro da Cultura. O músico aceitou e passou cinco anos e meio no cargo, sendo sucedido, em 2008, por Juca Ferreira. No cargo, focou muito na flexibilização dos direitos autorais e protagonizou um momento histórico quando tocou Toda menina baiana na sede da da Organização das Nações Unidas de Nova York. Koffi Annan, ex-secretário geral da ONU e vencedor do Nobel da Paz, acompanhou o cantor na percussão. 

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