Estreia

Batman retorna às telas em universo colapsado de Gotham City

Recheado de tramóias políticas e envolvimento com drogas, o longa Batman é o destaque nas estreias de cinema da semana

Ricardo Daehn
postado em 03/03/2022 06:00
 (crédito: Warner Bros. Pictures/Divulgação; Spotify/Divulgação e Spotify/Divulgação)
(crédito: Warner Bros. Pictures/Divulgação; Spotify/Divulgação e Spotify/Divulgação)

Não é possível saber se morcegos não se descolam da imagem do ator Robert Pattinson ou se é Pattinson que não se descola da imagem de morcegos. O intérprete britânico que já chegou ao 35 anos, em Batman crava a imagem de "animal noturno" associada aos mais asquerosos mamíferos, isso depois de dez anos tentando se descolar da sombra do personagem vampiresco Edward Cullen, que atraiu legião de fãs na saga Crepúsculo.

Na composição de Batman; antes sacramentado, nas telas, por atores do naipe de Christian Bale, George Clooney e Michael Keaton, Pattinson reforçou, nas entrevistas mundo afora, que desviou do fator normalmente associado à transformação de Bruce Wayne em herói: a morte dos pais do bilionário que se volta ao combate do crime. Em Batman, o protagonista assume ser a "esperança", num desvio que o distancia de vingança (contra contraventores). À revista masculina GQ, Pattinson diz ter se concentrado no revestimento das emoções do bilionário Wayne, que deixaria de ser um mero playboy e agregaria ares "estranhos" de alguém "colapsado".

Na cabeça de Pattinson, pesaram os ideais de criar uma espécie de "fantasma ou feiticeiro". Durante a trama da nova aventura, orçada em US$ 100 milhões e que figura como o mais longo dos filmes sobre o herói, o melancólico representante D.C. Comics enfrenta um cenário hostil — em que repercute a indignação de populares contra governantes desleais, e no qual pairam vilões como Oswald Cobblepot (o Pinguim interpretado por Colin Farrell) criminosos engravatados como Falcone (John Turturro) e o provocativo Charada (Paul Dano). Ah! — algo é bem relevante: o filme não é recomendado para menores de 14 anos.

Crítica // Batman **

Num mix de climas que remetem a tratamentos típicos do diretor David Fincher (vide Millenium — Os homens que não amavam as mulheres e Zodíaco) e ainda a Todd Phillips (e seu Coringa, de 2019), o cineasta Matt Reeves, embebido do clássico Blade Runner, revela Batman — no título em inglês, tido como "o" Batman). Ao lado do roteirista Peter Craig (da franquia Jogos vorazes), Reeves cria um enredo sem muitas novidades e que bem serve à desastrada edição assinada pelo inexperiente Tyler Nelson (da série Mindhunter) e pelo editor de 300, William Hoy. Como resultado, Batman é um filme de três horas de duração, repleto de imagens góticas.

O longa começa com excelente trama detetivesca, apoiada em franca homenagem aos filmes de gângster e de máfia. Robert Pattinson parece ainda preso a laboratório para descobrir as origens e tatear a aproximação com o personagem-título. Quando está à paisana, leia-se com os trajes do bilionário Bruce Wayne, impossível não vê-lo como um emo fora de época. O legado do pai dele, Thomas, que traz o testemunho do fiel mordomo Alfred (Andy Serkis), serve como combustível para muitos desdobramentos da trama. Ao lado do comissário James Gordon (Jeffrey Wright), Batman traça o destino que esbarra em Selina, na verdade, Mulher-Gato (vivida por Zoë Kravitz, de Big Little lies); no repulsivo Carmine Falcone (John Turturro) e no perturbado Charada (Paul Dano).

Gotham City, uma cidade com ares de Nova York, entra como personagem, a partir da ramificação gerada por um Fundo de Renovação examinado pela adoecida classe política local, no filme em que, não à toa, o sanatório de Arkham ganhará relevância junto ao submundo do chamado clube Iceberg, inferninho que terá visitas até mesmo de Batman. Aos poucos, o Homem-Morcego se renderá a um tom profético de discurso. Em contato com o Charada (e com os jogos perigosos que este vilão propõe), o vigilante herói junta peças de uma investigação que, a bem da verdade, nem são tão difíceis de se decifrar.

Se assumindo como "as sombras" e o próprio retrato da "vingança", Batman exalta o potencial de Gotham City, carente de lideranças e prejudicada por pesquisas eleitorais duvidosas. Apinhado de encontros clandestinos e de cenas eletrizantes (especialmente as dos carros desgovernados), Batman peca, no roteiro, pela saturação de falsos ápices. Aparatos modernosos como a lente de contato com câmeras acopladas (em que ecoa o resgate de memórias de personagens visto em Blade Runner) e o obscuro uso de redes sociais trazem elementos visuais instigantes para o filme, junto com a ação de uma mídia alarmista que, a todo momento, na tevê, propaga "material perturbador".

Arquivos mortos, feminicídio, informantes, promotor, candidatos à prefeitura, senadores e juízes dão estofo para o roteiro bastante previsível e que, numa última instância, acolhe explosões bem calculadas, prévias ao cenário catastrófico capaz de lembrar os filmes de Roland Emmerich (O dia depois de amanhã). Vale destacar que o diretor de Batman carrega na filmografia fitas como Cloverfield: Monstro (2008) e a nova série de filmes apocalípticos de Planeta dos macacos.

À frente de jogos de sedução pouco convincentes, mas também de manobras acrobáticas estonteantes, Mulher-Gato traz apenas uma cena constrangedora (mas que não convém adiantar). Ruim também é o uso de Nirvana (Something in the way) e a sobrecarga dos acordes da trilha sonora de Michael Giacchino (o mesmo da franquia Homem-Aranha). No recado, adulto o suficiente para contemplar máximas como as que envolvem o discurso da "elite privilegiada", e tratando de tráfico de drogas, suborno e de violência, até psicológica ("o medo é uma ferramenta", reforça um dos personagens), Batman certamente não é filme para criança. Pontuado por cenas de tensão que, por vezes, lembram as de Batman: O Cavaleiro das Trevas ressurge (2012), o filme de Matt Reeves enfileira uma carreira de informações dúbias e contraditórias (que despertam o interesse dos espectadores, até as conclusões). Em termos visuais, na pele do promotor Gil, Peter Sarsgaard (sempre excelente) protagoniza marcante cena de pânico, num altar de Igreja fúnebre e tumultuado.

 

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  • O vigilante protagonista tem uma cidade inteira minada
    O vigilante protagonista tem uma cidade inteira minada Foto: Jonathan Olley/Warner Bros
  • O vigilante protagonista tem uma cidade inteira para desinfestar de riscos muito aparentes
    O vigilante protagonista tem uma cidade inteira para desinfestar de riscos muito aparentes Foto: Fotos: Warner Bros. Pictures/Divulgação
  • Pequena mamãe
    Pequena mamãe Foto: Diamond Films/Divulgação
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    Adeus, idiotas Foto: Polifilmes /Mares Filmes

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