Semana 22

Lançamentos literários destacam centenário da Semana de Arte Moderna

Livros sobre a Semana de Arte Moderna de 1922 e o contexto do movimento chegam em comemoração ao centenário do marco artístico brasileiro. Veja o que ler

Nahima Maciel
postado em 08/03/2022 06:00
Obra 'A boba', de Anita Malfatti: cores do Brasil que impactaram as artes -  (crédito:  Arquivo Pessoal)
Obra 'A boba', de Anita Malfatti: cores do Brasil que impactaram as artes - (crédito: Arquivo Pessoal)

Anita Malfatti pode ter sido a grande estrela das artes visuais da Semana de 22 — ela compareceu com a maior quantidade de quadros e surpreendeu a todos com a ousadia de suas figuras distorcidas —, mas é quase consenso entre historiadores que nunca houve uma uniformidade estética no material apresentado. Da exposição montada no Teatro Municipal de São Paulo participaram Anita Malfatti, Emiliano Di Cavalcanti, John Graz, Martins Ribeiro, Zina Aita, Almeida Prado, Ferrignac e Vicente do Rego Monteiro. "Do ponto de vista das artes plásticas, não houve uma uniformidade. Nem na composição das artistas nem em termos de um estilo próprio", diz o crítico e curador Felipe Chaimovich, que assina um ensaio sobre a produção artística anterior à Semana de 22 em Modernismos 1922-2022, organizado por Gênese Andrade.

O pesquisador lembra que é preciso nunca confundir a Semana de 22 com o modernismo em si. "Na Semana de 22 não há um projeto nacionalista, há um projeto de um evento que vai reforçar a cultura de São Paulo em oposição à cultura do Rio de Janeiro. É falácia confundir a Semana com o modernismo brasileiro", explica. Esclarecida a diferença, vale lembrar que, no plano plástico, o evento no Municipal foi dominado pelas pinturas de Anita Malfatti. "O que me parece relevante em termos da semana de 22 é, por um lado, uma certa evidência de defesa do que Anita Malfatti estava apresentando a partir, sobretudo, da exposição de 1917", explica o crítico.

De volta de uma temporada nos Estados Unidos, Anita realizou, em 1917, uma exposição com o intuito de apresentar sua produção. As figuras distorcidas, as cores inusitadas e as composições nada tradicionais provocaram a elite conservadora paulistana. Monteiro Lobato escreveu uma crítica na qual destitui o trabalho da pintora da classificação de arte. Mas Mário de Andrade ficou encantado. "Ele admite (o trabalho de Anita) como a revelação que abre um debate que vai desaguar na Semana de 22", avisa Chaimovich.

A figura de Di Cavalcanti também é fundamental na gênese da Semana. "É dele a ideia do evento, junto com Paulo Prado. Ele é um dos defensores de Anita e ela é a artista com mais obras expostas. Aí tem um valor sendo expresso pela semana de 22", avisa Chaimovich, que vem acompanhado de outros 29 autores no livro organizado por Gênese Andrade. Modernismos 1922-2022 navega por todas as áreas da cultura atingidas pela ideia do modernismo e traz uma coletânea de textos que refletem sobre artes visuais, mas também literatura, música, arquitetura e outras searas.

A crítica e curadora Verônica Stigger trabalha em um ensaio sobre a Semana de 22 junto com o também crítico Eduardo Sterzi. No texto, ela quer investigar os desdobramentos do evento moderno para além daqueles dias de fevereiro. A capa de Pauliceia desvairada, a coletânea de poemas de Mário de Andrade que se tornou ícone do modernismo, é um ponto de partida para a crítica. "Queremos pensar questões que foram suscitadas a partir de alguns trabalhos, pensando em obras mesmo, de artes plásticas e musicais, e não só na própria semana, mas no entorno dela e nos anos subsequentes", avisa.

Pauliceia desvairada só foi publicado em julho de 1922, mas Mário de Andrade leu alguns poemas durante o evento no Municipal, em fevereiro. "Para o texto que vou desenvolver, é fundamental analisar a capa do livro e ver como a imagem vai ter um desdobramento", explica Verônica. "Nossa ideia é pensar a semana e o século, como ela se dá no século, e nas ruínas de 1922, mas não pensar como algo melancólico, e sim como a própria ideia da ruína acaba sendo constitutiva de algumas obras."

Uma das ruínas pensadas por Verônica é a própria capa do Pauliceia desvairada, que tem como imagem de fundo a estampa de uma roupa de arlequim, colorida, geométrica e fragmentada. Ruína, como a estampa, é um fragmento que pode ser utilizado para reconstituir um objeto ou uma narrativa. "A partir desses pedaços, a gente consegue pensar o todo. Queremos pensar a ruína como constitutivo de uma série de trabalhos do modernismo brasileiro em diante. A gente tem, na verdade, uma mistura de muitos tempos", explica. "Originalmente, a roupa do Arlequim era feita a partir de pedaços de tecido, de fragmentos. E são justamente esses fragmentos, esses pedaços que chegaram a nós."

Para ler

As editoras aproveitaram a celebração dos 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922 para lançar uma série de livros sobre o evento e o modernismo no Brasil. Entre eles estão reedições e novas publicações que valem a pena ser consultadas para se ter uma noção do que pensavam os modernistas.

A Todavia publicou Lira mensageira: Drummond e o grupo modernista mineiro, um ensaio de Sérgio Miceli que mergulha no impacto do modernismo entre a intelectualidade e a classe artística mineira, mas também analisa as obras de estreia de nomes como Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia. A editora também trouxe de volta a reedição de Mario de Andrade por ele mesmo, uma compilação de cartas organizadas por Paulo Duarte, responsável por convidar o poeta e escritor para dirigir o Departamento de Cultura de São Paulo, em 1935. O livro foi lançado em 1971 e estava esgotado.

Como a moda e as escolhas de roupas de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade carregavam também uma mensagem modernista é um dos temas de O guarda-roupa modernista, de Carolina Casarin, lançamento da Companhia das Letras. A autora mergulha, sobretudo, nos tempos em que o casal Tasiwald circulava pelos ateliês da alta costura em Paris e traz histórias saborosas que unem o pensamento da dupla e a maneira como se vestiam. Também pela Companhia das Letras, chega às livrarias nova edição de Parque industrial, o romance proletário de Pagu, ou Patrícia Galvão.

Clássico da literatura modernista, Macunaíma está na lista de reedições. A José Olympio recuperou a capa original de Thomaz Santa Rosa e o texto revisado pelo próprio Mário de Andrade. Publicado originalmente em 1928, o livro sobre o "herói sem nenhum caráter" que deixa a aldeia e vai a São Paulo em busca da própria sorte tornou-se uma referência do movimento moderno por causa do tema brasileiro e da experimentação da linguagem.

 

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