Com frequência, o fotógrafo Afshin Ismaeli se pergunta qual o sentido de colocar a própria vida em risco. Ele não tem medo de se ferir nem de morrer, mas, depois de duas décadas cobrindo conflitos no Oriente Médio, Ismaeli tem pouca fé nas mudanças que fotos de guerra são capazes de provocar. O medo maior hoje está no mundo que ficará para os filhos. "Para ganhar dinheiro ou ter poder, os humanos são realmente brutais uns com os outros", constata o fotógrafo, convidado da terceira edição do projeto Imagem sem fronteiras, da Galeria Olho de Águia.
Nascido no Irã e de origem curda, o fotógrafo de 39 anos cresceu no Iraque e teve a infância e a juventude marcadas por conflitos, guerras e deslocamentos. O pai lutou contra regimes opressores iranianos e as ideias de fugir e sobreviver faziam parte da rotina da família. Em 2003, durante um ataque americano ao Iraque, Ismaeli fez a cobertura para um jornal iraquiano e nunca mais parou. Cursou jornalismo na Universidade de Oslo e rodou o Oriente Médio em uma cobertura na qual a câmera é uma arma poderosa ao contar a história pessoal e o impacto da violência na vida das populações.
Ismaeli realizou coberturas na Síria, Afeganistão, Iraque, Ucrânia e Palestina. Em boa parte, esteve como correspondente do jornal norueguês Aftenposten. Falar línguas como o farsi e árabe, além de um conhecimento preciso da geografia e dos costumes da região, ajudou o fotógrafo a abrir portas. "Isso te coloca um passo à frente de todo mundo", explica. Em 2013, ele cobriu as investidas do Estado Islâmico na Síria e começou a publicar as imagens em jornais internacionais. Em 2018, decidiu se mudar para a Noruega, onde hoje mora com a mulher e os filhos. Em entrevista, Afshin Ismaeli fala sobre a cobertura de guerra e a percepção da humanidade quando se está diante da mais dramática das imposições humanas.
Imagem Sem Fronteiras — Exposição do fotógrafo Afshin Ismaeli
Visitação até 30 de abril, de terça a sábado, a partir das 17h30, no Espaço Cultural Galeria Olho de Águia (CNF 01, edifício Praiamar, loja 12, Praça da CNF, Taguatinga Norte)
Entrevista//Afshin Ismaeli
Você cresceu em uma região de conflito e fez o movimento contrário em relação a muitas pessoas, que tentam sair das zonas de guerra em vez de ir na sua direção. O que te fez sentir que você deveria estar lá?
Essa é a coisa com o jornalismo. E se você realmente faz jornalismo, é sempre assim. Temos sempre esse pensamento de irmos na direção dos locais que as pessoas estão deixando, sempre queremos entrar nessas áreas, como Afeganistão e Gaza.
Você cobriu a guerra do Estado Islâmico na Síria. O que foi mais difícil nessa cobertura?
Tivemos um período de estabilidade no Iraque e no lado curdo, de 2008 a 2013-2014, e então veio o Estado Islâmico, que começou a atacar os curdos como minorias. Pessoas foram decapitadas. As coisas brutais que esse grupo fez foram totalmente novas e não apenas para mim. Foi totalmente novo para o mundo inteiro a quantidade de brutalidade que um grupo pode fazer. Tivemos o massacre dos yazidis, eles sequestraram mais de 6 mil mulheres e as transformaram em escravas sexuais, mataram os homens e destruíram suas casas e cidades. Era um lugar totalmente novo para mim, mas vi os vídeos que vinham de lá e fui. Isso me empurrou para voltar e cobrir o lado humanitário da guerra. Eu queria encontrar uma resposta. Ao mesmo tempo, era importante dar uma voz a essas pessoas.
E você encontrou respostas para suas perguntas? O que você aprendeu sobre a humanidade cobrindo guerra?
No começo, você é otimista. Consegue ver alguma luz. E você pensa que o Estado Islâmico vai ser destruído. Daí você vê as coisas acontecerem e continuarem. Você imagina que a luta terá um fim e, em seguida, algo novo aparecerá, mas as mesmas coisas continuam e continuam. Você vai de país para país e é a mesma coisa. E então nos damos conta do quanto os governos e os políticos são brutais. Os humanos não têm nenhuma preocupação uns com os outros. Veja o que está acontecendo em Gaza. Você consegue imaginar tantos milhares de crianças mortas? A mesma coisa acontece no Afeganistão, as pessoas apenas foram deixadas para trás, 35 milhões de pessoas.
Você esteve no Afeganistão em 2023. Como está a situação no país?
A administração do talibã é realmente ruim. Especialmente para as meninas e mulheres. Elas não podem ir à escola, não podem sair. Como 20 milhões de pessoas pode não ter o direito de sair? São direitos humanos. É como se você dissesse para metade de uma sociedade que ela não pode ir à escola, não pode sair de casa. E elas têm que usar a burca. Deveríamos olhar para o Afeganistão. Há pessoas vendendo seus órgãos. Há pessoas vendendo seus filhos para conseguir um pedaço de pão para alimentar a família. Crianças estão morrendo de fome.
Fotógrafos de guerra também sofrem doenças como o estresse pós-traumático, muito comum entre soldados que retornam de regiões em conflito. Como você lida com isso?
Tenho altos e baixos. Às vezes, temos que lidar com isso. Temos que aceitar. Às vezes é difícil, às vezes é muito mais difícil do que você imagina. Você desmorona mental e fisicamente. Às vezes, eu penso 'por que faço isso?'. Qual é o propósito de colocar minha vida em risco? Não tem nenhum efeito. Ninguém se importa. Ninguém se importa com o povo palestino, ninguém dá a mínima. Isso nos faz realmente pensar no que fazemos.
E por que você continua? Então você acha que as pessoas se acostumaram a ver essas fotos?
Quando as coisas acontecem, você simplesmente pensa que tem que estar lá. É algo moral e ético estar lá para as pessoas. E há pessoas incríveis na guerra, pessoas que são afetadas pela guerra, que vivem nessas áreas. Elas não têm nada. Se têm um pedaço de pão, elas simplesmente compartilham com você. Se têm alguma coisa, um cobertor, elas compartilham. Por mais que estejam em condições horríveis, são pessoas realmente boas. A esperança delas é você, a única coisa que elas têm é você. Elas não têm nada, acredite em mim. Elas só têm você, elas querem contar ao mundo o que está acontecendo com elas.
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